A animação Luca, lançada recentemente pela Pixar, gerou discussões sobre “alegorias gays” na amizade entre dois meninos. O assunto chegou aos cartuns dos cinemas após uma década com um salto de representatividade na TV: houve um pulo de 11 novos títulos com personagens LGBTQ na década de 2000 para 48 desenhos animados entre 2010 e 2020, revela um levantamento do site Insider.
Desde 2010, quando Velma, personagem de Scooby-Doo, teve a sexualidade “revelada” ao aparecer com uma namorada, mais personagens surgiram, alguns chegando a ocupar o papel central das animações.
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Outro ícone dos anos 80, e um herói da comunidade gay, He-Man está de volta. Mas, neste caso, a Netflix não mostrou nenhuma intenção de abordar a sexualidade do personagem, que permanece um mistério. Já no remake de She-Ra, um derivado do mesmo universo, duas princesas lésbicas se beijaram na tela em 2020.
Aumento de representatividade traz debate sobre especificidades
Após muitas décadas de códigos e mensagens implícitas, a indústria de animação parece finalmente ter superado o medo de sofrer cortes de publicidade e sanções caso levasse às crianças personagens LGBTQ. Contudo a representatividade esbarra nos debates atuais de especificidade, uma vez que a maioria dos personagens fica nas definições gay/lésbica, sem abordar de forma clara assexualidade ou o universo transgênero.
“Nós precisamos ter representatividade LGBTQ nos desenhos animados porque crianças LGBTQ existem, e elas merecem se ver na tela, merecem ver felicidade e romance como uma representação do que elas sentem”, afirma Melanie Kohen, professora de retórica e estudos de mídia no Lewis & Clark College, universidade localizada em Portland (EUA), em entrevista ao Insider.
Ocorrência de personagens cresce, mas lugar ainda não é de destaque
Apesar das barreiras rompidas, a análise mostra ainda que personagens LGBTQ, quando claramente definidos, são em maior parte personagens ocasionais nas séries animadas de que participam. Em 70 desenhos listados, 22 têm como atração principal um personagem de perfil diverso.
Ao todo, o levantamento relaciona 259 personagens LGBTQ em desenhos animados, considerando produções desde os anos 80, a partir do personagem Esqueleto, da série animada britânica SuperTed, de 1983. O personagem foi também o que levou mais tempo para ter a sexualidade confirmada pelos produtores, sendo declarado gay por seus criadores em 2014.
A nova geração de desenhos vem fazendo uma reparação também no lugar de vilanização que figuras com traços LGBTQ recebiam. Praticamente desde o surgimento das animações, personagens afeminados, crossdressers, eram colocados como figuras excêntricas, perturbadas, más ou, no mínimo, engraçadas.
Steven Universo e Kipo, desenhos animados históricos
“Se você só pode existir como um vilão ou uma piada, é algo muito pesado para lidar de forma repetida quando você é uma criança”, afirma a animadora Rebecca Sugar, criadora do desenho Steven Universo, exibido pelo Cartoon Network.
A criação de Sugar é considerada histórica. Seu herói é um garoto não identificado com gêneros e seus amiguinhos são alienígenas não-binários, e dois deles vivem um amor consumado em casamento, que foi ao ar em episódio exibido em 2018.
Benson, personagem da série animada Kipo e os Animonstros, foi o primeiro personagem a se definir como gay em um diálogo de desenho animado, em 2020.
A naturalidade de Benson choca por revelar justamente a maior dificuldade dos desenhos e da sociedade: tratar opções de gênero e sexualidade sem maiores cerimônias. O recurso de usar personagens alienígenas ou fantásticos mantém aceso o debate sobre representar o LGBTQ como exótico. Críticas à parte, os números mostram que a inclusão não é tendência, mas uma realidade.
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