A nova editora do Washington Post, Sally Buzbee, que assumiu há uma semana anunciando como um de seus compromissos a promoção da diversidade, começa sua trajetória no jornal com um “abacaxi” para descascar. A repórter Felicia Sonmez entrou na última quarta-feira (21/7) com uma ação contra o jornal e vários editores, atuais e antigos, alegando ter sido discriminada e retaliada.
Sonmez, que trabalha na cobertura política do Post, reclama ter sofrido consequências pessoais e profissionais adversas depois que os editores a proibiram durante dois períodos de cobrir casos relacionados a assédio e agressão sexual. Os agora réus alegavam que a repórter tinha um “conflito de interesses”, por ela própria ter sido vítima de agressão sexual.
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O processo foi notícia nos principais veículos do país, como o New York Times e a CNN, que foi a primeira a noticiar. Depois deles, nesta sexta-feira o próprio Washington Post publicou a história com destaque. Sommez não comentou em suas redes sociais, mas compartilhou reportagens e comentários de alguns jornalistas importantes, como o de Oliver Darcy, da CNN.
A ação, iniciada na quarta-feira (22) no Tribunal Superior do Distrito de Columbia, cita não apenas a WP Company, editora do jornal, mas também seis profissionais: o editor-chefe, Cameron Barr, e o editor-chefe assistente, Tracy Grant; o editor nacional, Steven Ginsberg; o editor-adjunto nacional, Lori Montgomery; o editor de política, Peter Wallsten, e o ex-editor executivo, Martin Baron, que se aposentou no final de fevereiro.
News: @feliciasonmez has filed a lawsuit against The Washington Post, senior leaders in the newsroom, and the newspaper’s former top editor, Marty Baron. https://t.co/f5O8m8qtpu
— Oliver Darcy (@oliverdarcy) July 22, 2021
Jornalista foi vetada em coberturas na Suprema Corte e NBA
Sonmez está buscando indenizações punitivas e compensatórias “em um valor a ser determinado pelo júri que a compense totalmente pela perda econômica, humilhação, constrangimento e sofrimento mental e emocional causados”.
A repórter foi proibida de abordar o tema pela primeira vez em setembro de 2018, quando a direção do jornal decidiu que ela não teria condições de cobrir de maneira isenta as audiências que deliberavam sobre a nomeação do juiz da Suprema Corte Brett Kavanaugh, acusado de agressão sexual. A restrição durou alguns meses, mas foi retirada.
Ela foi posta novamente em licença administrativa em janeiro de 2020, após tuitar, horas depois da morte do astro da NBA Kobe Bryant, sobre a acusação de estupro que ele enfrentara em 2003.
A licença temporária viria a ser revogada no mesmo mês, mas só depois que mais de 300 funcionários do Post assinaram uma carta em apoio a Sonmez. No entanto, a proibição de escrever sobre casos envolvendo agressões sexuais não foi retirada.
A jornalista conta que era posta de lado de reportagens relacionadas a assédio pelo menos “uma vez a cada semana ou duas”.
Revogação da segunda proibição só aconteceu em março deste ano
O Post só viria a revogar a segunda proibição à repórter no final de março deste ano, após protestos internos de Sonmez e depois que ela tornou o caso público, postando críticas à política do jornal no seu perfil de Twitter.
Ao longo desse período, a forma como o jornal lidou com o caso agitou a redação e atraiu consternação do sindicato que representa funcionários não administrativos do Post.
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Embora o sindicato tenha elogiado a direção do jornal em março por reverter a proibição, ele disse em um comunicado na época que a decisão “veio apenas depois de muitas críticas públicas e às custas da saúde mental de Felicia”.
Dois pesos e duas medidas
Uma das jornalistas a comentar o caso, Iri Carmon, da New York Magazine, chamou a atenção para um dos trechos da ação judicial que denuncia que o Washington Post deu um tratamento a um jornalista homem e assediador totalmente oposto ao dado a Sonmez, vítima de assédio e mulher.
Depois de parabenizar Sonmez por se defender, Carmon, que é uma reconhecida ativista dos direitos das mulheres, se refere ao tratamento diferenciado ao afirmar que “punir as pessoas por falarem sobre agressão ou assédio sexual não só impõe o silêncio, mas pode literalmente deixar essas histórias nas mãos dos agressores”.
Brava to @feliciasonmez for standing up for herself. Punishing people from speaking about sexual assault or harassment not only imposes silence — anti-journalistic if anything is — but can literally leave those stories in the hands of alleged perpetrators. From the complaint: pic.twitter.com/pEeldUDLx6
— Irin Carmon (@irin) July 22, 2021
O post transcreve o trecho do processo que fala da diferença de tratamento dada pelo jornal ao repórter assediador:
“Na época em que Sonmez estava sendo entrevistada para seu cargo no Post, ela foi informada sobre um colega que enfrentou acusações de má conduta sexual, incluindo o envio de uma foto íntima de sua virilha para uma jovem. Baron [ex-editor executivo] nunca ordenou que o repórter fosse proibido de cobrir histórias relacionadas a má conduta sexual ou comportamento impróprio de homens.
Nenhum dos editores do repórter disse que sua reportagem sobre o assunto apresentaria um ‘conflito de interesses’ ou questionou se ele seria capaz de fazer reportagens objetivas. Além de ter recebido uma posição de destaque, ele escreveu mais de uma dúzia de matérias sobre o tema e continua a fazê-lo até hoje.”
Processo alega violação de direitos humanos
O processo judicial alega uma violação da Lei de Direitos Humanos da cidade, afirmando que Sonmez foi “castigada, silenciada e submetida a humilhação repetidamente pelo fato de ter sido vítima de agressão sexual, por se defender contra falsas acusações e por sua oposição às tentativas dos réus de retratá-la como indigna ou incapaz de desempenhar os deveres de sua profissão”. Também denuncia que a jornalista foi retaliada por se manifestar contra a situação.
Como resultado, afirma o processo, Sonmez perdeu oportunidades de progressão na carreira e sofreu “perdas econômicas, humilhações, constrangimento, angústia mental e emocional e a privação de seus direitos a oportunidades iguais de emprego”.
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A ação judicial informa que Sonmez teve que receber tratamento de terapeutas e psiquiatras e também desenvolveu fortes dores na mandíbula por ranger os dentes devido ao estresse. Em uma manifestação nos autos, Sonmez afirma:
“A proibição me traumatizou duas vezes e humilhou, me forçando a reviver minha agressão no trabalho, repetidamente, sempre que surgia uma notícia e um colega perguntava por que eu não tinha permissão para cobrir uma história… As ações da direção prestam um péssimo serviço aos leitores do Washington Post e enviam uma mensagem assustadora a todas as jornalistas: permaneçam em silêncio sobre sua agressão ou sua carreira estará em jogo”.
O que dizem os envolvidos
Um porta-voz do Post se recusou a comentar sobre o processo até mesmo na matéria elaborada pelo próprio jornal. O ex-editor Martin Baron também não quis comentar, quando indagado pela CNN.
Sonmez aceitou se manifestar ao Washington Post por meio de seu advogado, Sundeep Hora. Em nota, ele disse:
“Sonmez era mais do que capaz de cumprir suas funções, mas o Post e seus editores optaram por tratá-la de forma diferente porque ela é uma mulher e vítima de um crime sexual”.
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