Londres – Em mais uma batalha da guerra contra a indústria de fake news na internet, a organização britânica Center for Information Resilience (CIR) revelou em um relatório a existência de uma nova e extensa rede formada por mais de 400 contas dedicadas a disseminar conteúdo favorável à China e contra o ocidente nas redes sociais.

A ação tem como alvo principal os Estados Unidos. A maior parte do material, coletado entre março e abril deste ano, estava no Twitter, Facebook, YouTube e Instagram, em inglês e chinês, combinando contas reais, falsas e “roubadas”. 

Um dos destaques é o uso da tecnologia StyleGAN, que permite criar rostos falsos para ilustrar os perfis, dando aparência de pessoas de verdade. 

Embora os posts não tenham assinatura do governo chinês, os textos e imagens são semelhantes ao conteúdo distribuído por autoridades chinesas e pela mídia estatal. No entanto, os autores do trabalho observam que isso não pode ser visto como confirmação de autoria.

“A rede trata de assuntos importantes, como as leis de armas dos EUA, a Covid-19, abusos dos direitos humanos em Xinjiang, conflitos no exterior e discriminação racial, em uma tentativa aparente de inflamar tensões, negar comentários críticos à China e atingir governos ocidentais, disse Benjamin Strick, autor do relatório e diretor de Investigações do CIR.

Fonte: CIR
Conteúdo produzido com recursos de inteligência artificial

Ross Burley, cofundador e diretor executivo do CIR, disse que a combinação de contas com imagens geradas com a tecnologia StyleGAN como foto de perfil e outras com fotos de aparência mais autêntica repete o modelo de campanhas anteriores da China derrubadas pelas plataformas de mídia social no passado. 

É provável que esta operação seja uma continuação dos esforços anteriores”, disse Burley. 

Burley instou as plataformas mencionadas no relatório a investigarem a rede e retirá-la do ar.

“É importante que os responsáveis ​​por sua existência sejam expostos”.

Depois da publicação do relatório, algumas contas já foram removidas. 

Operações de influência mapeadas 

O CIR, com sede no Reino Unido, é uma entidade independente e sem fins lucrativos, dedicada a identificar, combater e expor operações de influência. 

Segundo a organização, as operações de influência pró-China têm sido frequentes nas mídias sociais ocidentais, com as primeiras tendo sido identificadas em 2017.

Essas operações oferecem uma visão sobre as táticas, narrativas e alvos de campanhas de informação empreendidas para elevar o status da China e desacreditar seus oponentes nos planos político e individual.

Tweet contra os Estados Unidos destacado no relatório do CRI

Foram identificados pelos pequisadores alguns elementos comuns entre elas, como posts com muito texto no Twitter e uso de algumas contas apenas para postar e outras para compartilhar.

Outra prática é o emprego de contas reaproveitadas de proprietários anteriores que nunca postaram em chinês ou sobre quaisquer questões políticas, mas que passaram a se comunicar apenas em chinês e postar sobre notícias ocidentais e conteúdo pró-China, aparentando serem roubadas. 

Como os dados foram coletados 

Os dados que subsidiaram o relatório foram coletados manualmente por pesquisadores e por meio de ferramentas automatizadas.

A busca se concentrou em hashtags específicas que tinham sido alvo de operações de influência pró-China no passado:  # 香港 (Hong Kong),  # 美国 (Estados Unidos) e  # 郭文贵 (Guo Wengui). 

Essas hashtags foram usadas para coletar postagens no Twitter com texto em chinês ou inglês ao longo de um mês. Para facilitar a visualização da rede, o CIR usou a plataforma Gephi.

Reprodução

A imagem representa toda a atividade das três hashtags no Twitter. Existem pequenos pontos que são chamados de nós, indicando contas que postaram com essas hashtags durante o processo de coleta.

As linhas entre eles, em vermelho, indicam onde as interações foram fortes, como inúmeras menções ou retuítes entre contas, permitindo identificar sinais de perfis automatizadas e links. 

Depois de coletarem de mais de 4 mil  tuítes entre março e abril de 2021, os pesquisadores localizaram links externos, para blogs, sites de notícias e YouTube.

Pesquisa multiplataforma

O passo seguinte foi uma busca manual no Facebook, Instagram e YouTube usando várias técnicas e ferramentas de pesquisa digital. 

Quando as contas foram identificadas como tendo compartilhado conteúdo semelhante ou igual (por meio do mesmo texto ou imagens semelhantes em estilo infográfico) os pesquisadores aprofundaram a pesquisa para compreender as narrativas.

Táticas mudam conforme a plataforma 

Os pesquisadores do CIR apontaram como a operação utiliza cada plataforma. 

No Twitter, o modelo é empregar um grande número de contas, algumas para postar conteúdo e a maioria para ampliar a distribuição, com uso massivo de imagens falsas StyleGAN. 

No Facebook foram usadas contas anteriormente pertencentes a pessoas reais para espalhar conteúdo,  e a amplificação da rede com uma mistura de contas reaproveitadas e novas, também com imagens StyleGAN, para disseminar narrativas por meio de funções de postagem e comentário.

No YouTube, a pesquisa encontrou vídeos muito bem produzidos, alguns adotando o estilo infográfico. Muitas das contas foram identificadas como tendo proprietários anteriores, com lacunas significativas nos uploads e frequentemente mudando de um idioma não inglês para chinês após anos de inatividade.

A seção de comentários abaixo dos vídeos é também usada como uma espaço  para amplificação de narrativas, com relatos  aparentemente falsos, segundo o CIR.

Ferramenta permite a criação de “fake people” em lotes

A StyleGAN é  uma ferramenta de aprendizado de máquina que permite a criação de novos rostos que não existem na vida real.

O uso de rostos inexistentes é comum em redes falsas, mas raramente foi detectado em redes pró-China, segundo o CIR. Uma das evidências de que fazem parte de uma operação é o fato de que muitas foram criadas entre 8 e 21 de janeiro, em lotes. 

Os pesquisadores explicam que existem várias técnicas para avaliar a legitimidade desses rostos falsos:

São examinadas a estrutura dos olhos e sua localização. As imagens StyleGAN têm os olhos na mesma posição em cada imagem, podendo-se utilizá-las  como pontos de identificação únicos.

Campanha contra os Estados Unidos

Boa parte do conteúdo busca denegrir a imagem dos Estados Unidos, explorando temas polêmicos como políticas raciais ou leis de armamento.  Uma das narrativas impulsionadas pela rede é a de que o país não tem uma atuação respeitável em direitos humanos.

Os pesquisadores encontraram postagens sobre George Floyd,  que morreu nas mãos da polícia no ano passado, ou o da crescente discriminação contra asiáticos.

As mesmas contas negam, por outro lado, as alegadas violações de Direitos Humanos por parte do Governo chinês na região de Xinjiang, onde especialistas dizem que a China já prendeu pelo menos um milhão de muçulmanos.

“São mentiras fabricadas pelos Estados Unidos e pelo Ocidente”, dizem os perfis falsos.

Ainda que grande parte da rivalidade EUA-China seja ampliada pelas redes de propaganda pró-China com foco em tecnologia ou indústrias concorrentes, essa rede também visa a diplomacia e provisões da vacina contra a Covid-19, assim como mensagens críticas aos Estados Unidos. 

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A rede parece identificar questões de tendência onde pode haver uma tentativa de apontar possíveis deficiências ou irregularidades por parte do governo dos EUA e elevar o status da China.

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Os pesquisadores consideram o conteúdo revelador de um sistema organizado: 

As narrativas abordam diferentes assuntos e adotam tipos alternativos de postagens, imagens e textos para amplificar, desacreditar ou influenciar o debate.  Mas todas têm em comum a intenção de promover a China e esmagar ou desacreditar o Ocidente. 

O relatório completo pode ser visto aqui.

Governo chinês e sua obsessão midiática

Embora a nova operação de influência digital identificada pelo CIR não possa ser atribuída ao governo chinês, é notória a grande preocupação das autoridades do país asiático com sua imagem. O regime reclamou publicamente, por exemplo, da imagem de uma halterofilista nas Olimpíadas de Tóquio feita pela agência Reuters.

Em outro exemplo dessa obsessão midiática dos chineses, em junho o jornal The Times divulgou que a China recrutou seus universitários no Reino Unido como influenciadores para “notícias positivas” de seu país. 

Um caso que também chama atenção foi a publicação de fake news pela rede social chinesa Weibo no dia 4 de junho, noticiando uma mentira sobre a morte da Rainha Elizabeth II.

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