Por Carolina de Assis/LatAm Journalism Review/Knight Center 

MĂ©xico e Brasil figuram anualmente no topo de rankings globais de violĂȘncia contra jornalistas e de impunidade para as agressĂ”es. Este ambiente acaba tendo impactos na saĂșde mental e fĂ­sica e na vida pessoal dos jornalistas, assim como em sua vida profissional.

Um novo estudo revelou como jornalistas nos dois paĂ­ses lidam com o estresse resultante de experiĂȘncias de risco na profissĂŁo, e como estas vivĂȘncias estĂŁo conectadas a questĂ”es estruturais que afetam o trabalho do jornalismo.

A pesquisa “Risk, Victimization, and Coping Strategies of Journalists in Mexico and Brazil” (“Risco, vitimização e estratĂ©gias de enfrentamento de jornalistas no MĂ©xico e no Brasil”, em tradução livre) consolida opiniĂ”es captadas por pesquisadoras dos Estados Unidos e do Brasil. 

Os  profissionais que participaram da pesquisa responderam a um questionĂĄrio online anĂŽnimo, no qual descreveram situaçÔes em que julgaram que sua integridade fĂ­sica ou emocional estava em risco.

TambĂ©m descreveram como se sentiram durante essa experiĂȘncia e quais foram as reaçÔes adversas. E lhes foi perguntado sobre as formas de apoio emocional que eles tiveram e como elas ajudaram a lidar com aquela situação.

“Jornalistas estão em risco constante pela exposição repetida a traumas com base nos temas sobre os quais eles reportam, e os eventos que eles experienciam tanto em campo quanto na redação”, disse Laura Iesue, doutoranda na Universidade de Miami (EUA) e uma das autoras do estudo.

Ela observou que embora a precariedade que os jornalistas enfrentam possa ser atribuĂ­da a questĂ”es estruturais, como mudanças no mercado de trabalho ou um Estado de Direito enfraquecido, “nenhum trabalho [acadĂȘmico] de fato tentou conectar essas experiĂȘncias a essas estruturas maiores”.

AlĂ©m disso, nenhum trabalho tentou conectar essas experiĂȘncias Ă s estratĂ©gias de enfrentamento que os jornalistas usam em suas vidas cotidianas, embora conectar a vitimização a estruturas em nĂ­vel macro Ă© certamente importante nesta discussĂŁo, querĂ­amos tambĂ©m iluminar as estratĂ©gias de enfrentamento e a resiliĂȘncia de muitos desses jornalistas.

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ExperiĂȘncias de vitimização 

A pesquisa ouviu jornalistas que trabalham em Tamaulipas, no nordeste do MĂ©xico, e no Acre, no norte do Brasil, duas regiĂ”es de fronteira onde os profissionais sĂŁo alvo de violĂȘncia especialmente do crime organizado. Participaram tambĂ©m profissionais de  Puebla, no centro-sul do MĂ©xico, e de Minas Gerais, no sudeste do Brasil,  ĂĄreas  que “estĂŁo economicamente no quartil superior de seus paĂ­ses”, e onde a pressĂŁo contra jornalistas vem especialmente de atores polĂ­ticos, segundo o estudo.

Os participantes relataram experiĂȘncias de intimidação ou agressĂ”es fĂ­sicas perpetradas por criminosos, policiais ou polĂ­ticos, o que as pesquisadoras classificam como riscos na profissĂŁo relacionados a um Estado de Direito enfraquecido nos dois paĂ­ses.

“Ameaça” e “intimidação” foram as palavras mais mencionadas pelos jornalistas que trabalham no Acre, segundo o estudo. Eles apontaram traficantes de drogas e de armas operando no rio Amazonas como os principais perpetradores de agressĂ”es contra os profissionais na regiĂŁo.

Jornalistas de Minas Gerais e de Puebla também apontaram policiais e políticos como responsåveis por ameaças e ataques. Profissionais em Tamaulipas disseram ser alvo do crime organizado. Houve um relato de um ataque com tiros e granadas contra uma redação, e um relato de espancamento que resultou na perda de um olho.

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ExperiĂȘncias de vitimização conectadas Ă  precariedade no mercado de trabalho ou no local de trabalho foram mais reportadas por jornalistas no Brasil.

“Nestes contextos, jornalistas comentaram com frequĂȘncia sobre a atuação em ambientes de trabalho hostis, e atĂ© sobre precariedade de renda”, disse Iesue.

ExperiĂȘncias de “riscos com motivação cultural”, como agressĂ”es por parte de atores polĂ­ticos e sociais movidas por “desconfiança com base ideolĂłgica da mĂ­dia” tambĂ©m apareceram mais no Brasil, com relatos de agressĂ”es durante a cobertura de manifestaçÔes.

De acordo com o estudo, “respondentes frequentemente lembraram o perĂ­odo anterior e posterior Ă  eleição de Bolsonaro como um dos momentos mais estressantes na redação”. Jair Bolsonaro (sem partido) foi eleito em 2018 e mantĂ©m sua retĂłrica violenta contra jornalistas desde a campanha eleitoral.

Presidente Jair Bolsonaro manda repórter calar a boca após tirar måscara durante entrevista em junho de 2021. (Reprodução)

TambĂ©m nas duas regiĂ”es do Brasil e em Puebla foram identificados relatos de ameaças baseadas em discriminação de gĂȘnero ou identitĂĄria, com mulheres repĂłrteres contando sobre experiĂȘncias de assĂ©dio e ataques online de cunho sexista.

Em decorrĂȘncia destas experiĂȘncias, jornalistas relataram ter se sentido “desamparados, humilhados, indignados, ansiosos, amedrontados, vulnerĂĄveis, estressados, desencorajados e irritados”.

Essas e outras emoçÔes se manifestaram para alguns deles como sintomas físicos, como palpitaçÔes cardíacas, cansaço excessivo, insÎnia, dor de cabeça e problemas estomacais. Alguns jornalistas disseram ter tido ataques de pùnico.

Estratégias de enfrentamento

“As histĂłrias que os jornalistas compartilharam sobre suas experiĂȘncias de vitimização foram chocantes”, disse Iesue. “No entanto, acho que o que mais se destaca para mim neste estudo sĂŁo as estratĂ©gias de enfrentamento utilizadas por jornalistas e como elas variam a depender do contexto, assim como variam os riscos e os tipos de vitimização.”

A maioria dos jornalistas entrevistados relatou jå ter usado ou usar habitualmente estratégias adaptativas, como sair do emprego para ir para um ambiente de trabalho melhor, mudar de editoria ou praticar autocensura como medida de precaução.

Outras estratĂ©gias relatadas foram compartilhar experiĂȘncias com colegas para obter apoio emocional e praticar atividades individuais como meditar, fazer exercĂ­cios fĂ­sicos e escrever poesia.

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Alguns jornalistas relataram fazer uso de estratégias de enfrentamento coletivas, como trabalhar com organizaçÔes da sociedade civil, se unir aos colegas para reivindicar melhores condiçÔes de trabalho e fazer reportagens colaborativas.

Profissionais em Minas Gerais e em Puebla foram os que mais relataram usar essas estratĂ©gias coletivas, enquanto jornalistas em Tamaulipas e Acre tenderam a relatar estratĂ©gias mais individuais, como buscar treinamento de segurança por conta prĂłpria e se autocensurar para se proteger, evitando cobrir determinados temas. 

As autoras do estudo consideram que esta distinção entre estratégias de enfrentamento mais coletivas e mais individuais talvez seja a descoberta mais pertinente da pesquisa. Também chama a atenção sua variação com base na região em que cada tipo de estratégia foi mais prevalente.

Infelizmente, nĂŁo perguntamos aos jornalistas porque eles se envolveram com determinado comportamento de enfrentamento enquanto escolheram nĂŁo se envolver com outros, lamentou Iesue.

Foto: Neonbrand/Unsplash

As autoras suspeitam que “em Tamaulipas, os jornalistas podem ter uma desconfiança geral de que a ação coletiva não ofereceria uma resposta aceitável do governo ou de seus empregadores”, escreveram elas no estudo.

Outra possibilidade levantada por elas é a desconfiança inclusive dos colegas, jå que grupos do crime organizado pagam e coagem jornalistas a serem seus informantes sobre o que acontece nas redaçÔes.

“Talvez porque jornalistas em Puebla nĂŁo estĂŁo experimentando os extremos que jornalistas em Tamaulipas enfrentam, eles podem estar mais dispostos a pelo menos ter alguma forma de organização coletiva, mesmo se isso for feito sem usar organizaçÔes ou instituiçÔes formais”, acredita Iesue.

Quanto a essa distinção no Brasil, a pesquisadora especula que talvez “os recursos para a ação coletiva” nĂŁo estejam disponĂ­veis no Acre como estĂŁo em Minas Gerais, onde este tipo de estratĂ©gia de enfrentamento foi mais relatada pelos jornalistas.

Pode ser também que, com base em onde eles estão localizados, os jornalistas no Acre) estão enfrentando situaçÔes similares como as vistas em Tamaulipas, o que estå resultando em uma falta de confiança para se organizar (coletivamente)

Iesue comentou que, a princĂ­pio, as pesquisadoras pensaram em classificar as estratĂ©gias de enfrentamento mais coletivas – envolvendo organizaçÔes da sociedade civil e grupos organizados de jornalistas, por exemplo – como mais adaptativas, e as estratĂ©gias de enfrentamento mais individuais – como a autocensura – como mal-adaptativas.

“Considerando que a censura pode limitar a habilidade da mĂ­dia de informar o pĂșblico e portanto ser um obstĂĄculo para a democracia, eu inicialmente vi a censura como mal-adaptativa – algo ruim”, disse ela.

“No entanto, se considerarmos o contexto em que estes jornalistas estĂŁo reportando, a censura Ă© essencialmente uma medida de segurança – portanto uma coisa boa, e provavelmente uma estratĂ©gia de enfrentamento adaptativa em prol da sobrevivĂȘncia!

Se eles [jornalistas] nĂŁo censurassem seu trabalho, eles poderiam ser demitidos, ser alvo de mais assĂ©dio, ser agredidos fisicamente ou atĂ© assassinados, no pior dos casos.”

Iesue afirmou que gostaria que houvesse “mais organização coletiva para jornalistas, e que jornalistas fossem mais bem protegidos de uma variedade de atores e experiĂȘncias negativas”.

Eu gostaria especialmente que essas proteçÔes viessem do Estado. No entanto, o clima polĂ­tico, como a sociedade vĂȘ e trata jornalistas, e vĂĄrios outros fatores contextuais acabam determinando se isso Ă© possĂ­vel ou nĂŁo

A pesquisadora, que Ă© da ĂĄrea de criminologia e sociologia internacionais, disse que suas colegas e ela pretendem expandir esta pesquisa “como for possĂ­vel”.

“Infelizmente, no meu campo, os riscos, a violĂȘncia, e as experiĂȘncias cotidianas que os jornalistas enfrentam nĂŁo sĂŁo tĂŁo ativamente discutidas como elas sĂŁo no campo do jornalismo. Espero poder mudar isso”, disse ela.

“No futuro, espero expandir essa linha de trabalho para estudar a vitimização e as estratĂ©gias de enfrentamento de jornalistas na Guatemala e em outros locais da AmĂ©rica Central.”


 Este artigo foi publicado originalmente na Latam Journalism Review , um projeto do Knight Center Para o Jornalismo nas AmĂ©ricas / Universidade do Texas. Todos os direitos reservados Ă  publicação e ao autor.

 

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