MediaTalks em UOL

Ditadura de Mianmar prende jornalistas da BBC e Voice of America sob acusação de “deslealdade”

Mianmar censura repressão jornalistas imprensa

Desde golpe de Estado, ditadura militar persegue opositores em Mianmar (Foto: Saw Wunna/Unsplash)

A ditadura de Mianmar prendeu dois jornalistas, colaboradores das redes BBC, do Reino Unido, e Voice of America, dos Estados Unidos, sob acusações de deslealdade e desacato, além de “associações ilegais”, em mais um episódio de repressão a manifestações contrárias ao governo instaurado após golpe de Estado em fevereiro. 

Segundo a Federação Internacional de Jornalistas (IFJ), no último dia 15 a polícia invadiu o apartamento de Sithy Aung Myint, analista político da rede americana de radiodifusão, e ordenou que o jornalista e seu colega presente, o produtor sênior da BBC Media Action Htet Htet Khaing, imediatamente ligassem os seus notebooks.

Leia também: Mianmar| Golpe faz seis meses e celulares viraram “armas subversivas”, inspecionados pela polícia nas ruas

O modo de operação vem sendo relatado pela mídia local e internacional, com o governo vasculhando casas, computadores e até mesmo celulares dos cidadãos em batidas na rua, atrás de indícios de ideologia pró-democracia.

Os jornalistas foram levados a um centro de interrogatório em Yangon, maior cidade do país e antiga capital. Outras duas pessoas não identificadas foram detidas na ocasião. O local é conhecido por torturar manifestantes e jornalistas do Movimento pela Desobediência Civil, que se opõe ao governo militar.

Jornalistas foram presos sob acusações de conspiração e desacato

O Conselho de Administração do Estado emitiu uma intimação para a prisão de Myint em 24 de abril sob as seções 505 (a), que criminaliza declarações que prejudicam a conduta de funcionários militares ou do governo e 124 (a) do Código Penal de Mianmar, proibindo deslealdade ou desacato para o governo e militares.

Protesto contra o golpe de Estado em Mianmar, em Washington (EUA). (Gayatri Malhorta/Unsplash)

Khaing foi acusado de acordo com a seção 17 (1) da Lei de Associações Ilegais, que proíbe a filiação ou a participação em uma associação ilegal. A Seção 15 da Lei de Associações Ilegais define uma associação ilegal como uma associação que “incentiva ou ajuda as pessoas a cometer atos de violência ou intimidação, ou cujos membros cometem habitualmente tais atos”.

“A prisão de Sithy Aung Myint e Htet Htet Khaing é uma tentativa descarada de sufocar a liberdade de imprensa em Mianmar. A IFJ condena as prisões e pede aos militares que reconheçam a importância da mídia objetiva e permitam que os profissionais da mídia desempenhem suas respectivas funções com segurança, sem medo de prisão ou assédio”, afirmou a federação em comunicado nesta segunda-feira (23/8), trazendo o caso dos jornalistas à tona.

Governo militar faz buscas sem testemunhas e vasculha celulares e computadores

Menos de duas semanas depois do golpe de fevereiro, a junta militar de Mianmar revogou artigos da lei que exigiam a presença de testemunhas durante buscas domiciliares, e que tornavam ilegal a interceptação de ligações telefônicas sem mandado.

Leia também: Mianmar cede ao Japão e liberta jornalista indiciado por “fake news”

Desde então, a vigilância do Estado não hesita em vasculhar a vida dos cidadãos, inclusive nos meios digitais, atrás de qualquer sinal de resistência. No país, o gesto de “três dedos” virou símbolo de oposição ao regime.

Em Yangon, a antiga capital, os jovens dizem correr um risco especial, pois é a geração deles — conhecida como “Geração Z” — que está na vanguarda do movimento contra o golpe.

“Qualquer coisa que mostre que apoiamos o movimento, como uma foto da saudação de três dedos, é o suficiente para nos prender e torturar”, disse um jovem morador de Yangon ao site Mianmar Now.

Gesto de três dedos erguidos simboliza a resistência contra o golpe militar (Foto: Gayatri Malhorta/Unsplash)
Batida policial para checar mensagens no Facebook Messenger

Uma mulher da cidade de Mandalay, segunda maior do país, contou ao jornal que caminhava em uma rua movimentada quando foi parada por um membro das Forças Armadas e recebeu ordem de entregar o celular. Ela disse que o militar examinou a galeria de fotos, leu mensagens e verificou a conta do Facebook Messenger. 

Ela acrescentou que as tropas que pegaram seu telefone não olharam apenas para suas contas nas redes sociais. Eles também examinaram os aplicativos que ela usava para transações financeiras, como KBZ Pay e Wave Pay.

Leia também: Liberdade de imprensa em Mianmar: militares bloqueiam internet e suspendem jornais

Nas primeiras semanas do golpe, todos os jornais independentes foram fechados ou levados a suspender atividades, restando à população poucos sites de notícias com acesso restrito devido a bloqueios de sinal de internet.

A comunicação instantânea acompanha o golpe militar em Mianmar desde o princípio, com o caso da professora de aeróbica que transmitiu sem querer a chegada dos militares à sede do poder no país e viralizou (veja abaixo). A gravação foi publicada no Facebook pela própria professora, Khing Hnin Wai, que afirmou trabalhar para o Ministério da Educação do país.

A comunidade internacional e entidades como a ONU vêm denunciando seguidamente as violações dos direitos humanos em Mianmar, incluindo execuções extrajudiciais, detenções arbitrárias, tortura, maus-tratos e desaparecimentos forçados.

Leia também

Repórteres de jornal fechado pela junta militar de Mianmar sentenciados à prisão no país e na Tailândia

 

Sair da versão mobile