O coronavírus tem feito estragos para marcas globais cujos nomes são associados a ele, destacando-se como exemplo mais notório o da cerveja Corona. Mas ela não está sozinha no infortúnio de marketing negativo. 

A companhia aérea Delta Airlines virou uma das principais vítimas. Além de ter que lidar com a queda no movimento de clientes impedidos de voar — segundo o Wall Street Journal, as aéreas teriam perdido US$ 35 bilhões em 2020 — também passou a lutar para tentar convencer as pessoas a não chamarem a cepa que assombrou autoridades sanitárias em todo mundo pelo nome designado pela OMS (Organização Mundial da Saúde): variante Delta.

O problema é que a tentativa acabou se virando contra a própria empresa, que viu seu esforço virar tema de críticas e piadas nas redes sociais a partir de um comunicado interno assinado pelo CEO assim que a cepa foi chamada de B.1.617.2.

O caso colocou em evidência a dificuldade de tentar controlar narrativas em um ecossistema de mídia descentralizado, que não depende mais dos grandes veículos jornalísticos para decidir o que vai virar notíica. E muitas vezes eles próprios são pautados pelo que sai nas redes sociais.

Foi o que aconteceu com a Delta, já que a história saltou das redes para a imprensa tradicional – e de lá para programas de humor – demonstrando que nem todas as estratégias para “abafar” notícias ou tendências desfavoráveis usadas no passado continuam funcionando.

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Aérea iniciou operação para evitar ser associada à temida variante Delta

A  chamada variante Delta, ou B.1.617.2, foi identificada pela primeira vez em outubro na Índia, e se tornou a cepa dominante nos Estados Unidos e em vários outros países. 

Mas logo foi renomeada com Delta, em um esforço da OMS para evitar que as variantes fossem associadas a países, criando discriminação. Só que ao livrar a Índia do problema, a organização jogou-o no colo da aérea americana. 

A operação de relações públicas para se dissociar do nome da variante vinha sendo empreendida em várias frentes pela Delta, mas de forma discreta. “Nós apenas chamamos de variante”, disse o CEO, Ed Bastian, em uma entrevista ao Wall Street Journal.

Ed Bastian, CEO da Delta Airlines (Divulgação)

A história acabou ganhando as redes sociais depois de um email interno enviado em 25/8  por ele informando que os funcionários não vacinados deverão pagar mais US$ 200 por mês para usufruir do plano de saúde. 

A notícia não se destacou apenas pelo seu aspecto negativo, mas também pelo fato de que o comunicado divulgado descrevia a variante como “B.1.617.2′, o nome médico.

A história logo começou a circular pelas redes sociais, com brincadeiras sobre a dificuldades do pessoal de relações públicas da Delta em fazer rodeios com o nome oficial da variante para cumprir a ordem de não mencionar o nome de fantasia nos comunicados para a imprensa.

E usuários também postaram falando de sua surpresa ao ouvir os avisos dos comissários de bordo durante os voos, relutando em usar o nome Delta. Alguns brincaram com a ideia de uma campanha de marketing aproveitando a oportunidade, como este que recomendou um novo slogan: “Não se preocupe com a delta quando você voar Delta”. 

Houve até quem sugerisse uma parceria entre a Delta e a cerveja Corona.

https://twitter.com/DanielBolnick/status/1430584663790264324?s=20

Os que não morrem de amores pela companhia aproveitaram para dar alfinetadas, como este usuário do Twitter que inventou uma pesquisa em que 72% dos americanos prefeririam pegar a variante Delta do que voar pela Delta. 

Nos programas humorísticos 

O plano da Delta para evitar ser associada à variante saiu das redes e chegou às TVs.  O assunto entrou na pauta de programas humorísticos americanos, que fizeram graça com a história. 

Um deles foi Seth Myers, que apresenta um programa satírico na rede NBC. Em um esquete, sugeriu que o presidente da companhia passaria a chamar a variante de Air China.

https://twitter.com/kittybravofan/status/1431296357222998022?s=20

Jimmy Fallon, do The Tonight Show, foi outro que não perdeu a piada. 

Sem fórmulas prontas 

Relações públicas e marketing são ciências inexatas, a despeito da quantidade gigante de livros, guias e manuais que tentam pôr ordem ao caos que é adivinhar como o público vai reagir a determinadas notícias ou a incidentes envolvendo grandes marcas. Mas há algumas linhas de conduta que servem como parâmetro do que pode ou não dar errado em uma ação de comunicação, seja ela proativa ou defensiva. 

Uma delas é que atitudes com potencial de chamar mais atenção para um problema têm grande risco de serem contraproducentes, pois em vez de afastar a marca dele, podem resultar numa aproximação indesejada.

Talvez o mais prudente para a Delta tivesse sido usar outra linguagem em seus comunicados, referindo-se aos riscos da Covid-19 de forma genérica, sem especificar a variante como sendo alvo de especial preocupação. 

Como a pandemia ainda está longe de acabar, a lição pode ajudar outras companhias ou pessoas involuntariamente associadas a outras letras do alfabeto grego usadas pela OMS para designar novas cepas do vírus. E a qualquer outra situação em que o poder das redes sociais de absorverem e disseminarem narrativas sem controle precise ser levado em conta em estratégias de gerenciamento de crises. 

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