Uma pesquisa britânica detectou uma linha de montagem de fake news com origem na Rússia que usa o espaço de comentários publicados em sites de notícias de 32 países como se fossem pessoas entrevistadas para reportagens, criando uma falsa narrativa de apoio ao governo russo. Este tipo de tática, comum nas redes sociais, surpreende por usar desta vez as próprias páginas da mídia profissional, afirmam pesquisadores.

Segundo o estudo da Universidade de Cardiff, no País de Gales, os principais alvos são publicações do Reino Unido, Estados Unidos (EUA), Bulgária e Japão, cada um tendo dezenas de exemplos recolhidos.

No Brasil, a Folha de S.Paulo aparece como um jornal onde a operação também plantou comentários para depois criar notícias falsas em duas oportunidades.

Os sites mais frequentemente usados pela rede de desinformação foram o dos jornais The Daily Mail, Daily Express e The Times no Reino Unido; Fox News e Washington Post, dos EUA; Le Figaro na França; Der Spiegel e Die Welt na Alemanha; e o italiano La Stampa.

O método da fábrica de fake news russa segue os seguintes passos, segundo os pesquisadores mapearam: perfis corrompidos, falsos ou usados por robôs, comentam em conteúdo anti-Rússia publicado na mídia ocidental. Os comentários plantados desta forma são “validados” como sendo de um leitor daquela nacionalidade e acabam usados para gerar notícias falsas em russo, do gênero “leitores da Folha opinam que…” e assim por diante.

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O objetivo é demonstrar apoio a políticas do governo Putin em países ocidentais. Ao citar jornais famosos mundialmente, as fake news russas ganham “verniz” como se fossem reportagens feitas a partir de uma fonte fidedigna — os “leitores” do New York Times e das outras publicações citadas acima.

As notícias falsas são então publicadas em sites russos obscuros e/ou com histórico de disseminação de desinformação, apontam os pesquisadores.

A análise dos perfis que publicam comentários pró-Kremlin identifica que alguns desses usuários mudam repetidamente de nome e local de origem. Uma conta analisada teve 69 mudanças de local e 549 mudanças de nome desde sua criação, em junho de 2020.

O relatório britânico afirma que há evidências de coordenação entre a mídia estatal russa e publicações ligadas ao grupo privado Patriot Media Group, que difundiu fake news usando comentários dos “leitores”.

A operação de influência foi descoberta como parte de uma pesquisa de atividades online em meio a tensões entre a Ucrânia e a Rússia no início deste ano, e recentemente com a saída dos EUA do Afeganistão, mas os pesquisadores de Cardiff acreditam que o uso dessas táticas vem aumentando desde 2018.

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Usar a internet para criar falsas narrativas é uma tática usada também pela China. O país já foi apontado como celeiro de campanhas similares de desinformação, que distorcem notícias na tentativa de melhorar a imagem país.

A organização britânica Center for Information Resilience (CIR) revelou em agosto uma rede formada por mais de 400 contas dedicadas a disseminar conteúdo favorável à China e contra o ocidente nas redes sociais.

A ação tem como alvo principal os Estados Unidos. A maior parte do material, coletado entre março e abril deste ano, estava no Twitter, Facebook, YouTube e Instagram, em inglês e chinês, combinando contas reais, falsas e “roubadas”.

Embora os posts não tenham assinatura do governo chinês, os textos e imagens são semelhantes ao conteúdo distribuído por autoridades chinesas e pela mídia estatal. No entanto, os autores do trabalho observam que isso não pode ser visto como confirmação de autoria.

“A rede trata de assuntos importantes, como as leis de armas dos EUA, a Covid-19, abusos dos direitos humanos em Xinjiang, conflitos no exterior e discriminação racial, em uma tentativa aparente de inflamar tensões, negar comentários críticos à China e atingir governos ocidentais”, disse Benjamin Strick, autor do relatório e diretor de Investigações do CIR.

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Em outra frente similar, a CGTN, emissora de TV estatal da China, está  recrutando estudantes chineses para se tornarem influenciadores digitais a favor do país, segundo reportagem do jornal The Times publicada em junho.

Segundo a apuração, a mídia estatal chinesa também remunera influenciadores britânicos que possuem canais sobre a China para exibirem conteúdo positivo. 

A reportagem identificou postagens e vídeos nas redes sociais favoráveis à China e teve acesso a um vídeo em que representantes da CGTN convocam os estudantes a se juntarem a eles. O esforço é parte de uma campanha para criar um exército de “desafiadores da mídia”, formado por influenciadores e vloggers da internet em todo o mundo.

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