Londres – De paisagens urbanas em tom sépia capturadas no século 19 a cenas alteradas digitalmente com uso de inteligência virtual para criar imagens abstratas que nem de longe remetem ao objeto fotografado, a exposição de fotografia Photo London 2021 mostra que não há limites para a imaginação e talento dos que se dedicam a esta arte.
Primeira grande mostra global de fotografia realizada ao vivo depois do início da pandemia, a Photo London é uma das maiores do setor e está reunindo na Somerset House, no centro de Londres, trabalhos de profissionais de todo o mundo, expostos por 91 galerias de 17 países. Até o fim do mês serão promovidos workshops e tours virtuais por estúdios e exposições das obras de grandes mestres do ofício como Robert Capa e David Bailey.
Entre as galerias presentes, o Brasil é representado pela do fotógrafo Gabriel Wickbold, de São Paulo. O fotógrafo é o primeiro brasileiro a ter sua própria galeria expondo o seu próprio trabalho na Photo London. Ele iniciou iniciou sua trajetória em 2006 com fotografias de comunidades no Vale do Rio São Francisco e seu trabalho já passou por Nova York, Miami, Londres e Lisboa.
“Está sendo uma oportunidade única pra gente, com certeza essa feira vai trazer um retorno muito legal, com instituições e com outras feiras maiores ainda. Já está avançando bastante o papo com a [feira de fotografia] Paris Photo também, acho que é uma possibilidade para esse ano ou para o ano que vem”, comentou Wickbold em conversa com o MediaTalks.
Dos trabalhos expostos em outras galerias, o do fotógrafo brasileiro Eurivaldo Bezerra é apresentado com destaque no stand da galeria ECAD London. Isso, obviamente sem falar de Sebastião Salgado, cujo nome integra a lista de agraciados com o prêmio de Mestre da Fotografia oferecido anualmente pela Photo London. Este ano o prêmio foi oferecido ao iraniano Shirin Neshat.
A visita ao evento é mais do que um mergulho no mundo da fotografia, mas também no de várias artes, já que com as novas técnicas e experimentações, fica cada vez mais difícil definir as fronteiras de onde termina a fotografia e onde começa a pintura, como você vai poder conferir a seguir.
Veja abaixo alguns dos destaques do que de mais moderno está se fazendo na fotografia contemporânea, em destaque na Photo London 2021:
Em sua série ‘Roses from my Garden’, o fotógrafo de moda Nick Knight reinterpretou a natureza-morta flamenga de uma forma contemporânea. Essas fotografias pictóricas em grande escala são tiradas no iPhone, ampliadas e filtradas por um software que usa inteligência artificial para preencher o espaço entre os pixels.
Coreografia e fotografia se encontram nas incríveis imagens de Benji Reid. Nas hiper-realidades que ele apresenta, o tema é realçado pela imaginação do artista. Seja explorando a vida como um estranho, questões que cercam a saúde mental ou as complexidades da paternidade, Reid convida o público para a discussão. Sua obra faz parte do acervo do Harn Museum of Art, na Flórida.
Desde 2009, Noé Sendas trabalha na série Crystal Girl, que transforma imagens já existentes por meio de diversas técnicas como adulteração, duplicação e sequência. Com esses pequenos desvios, o contexto é anulado e o sentido real da imagem é alterado. Essa técnica permite que o fotógrafo crie uma forma única de escrita visual e jogo criativo entre a sugestão e a revelação.
Heather é uma artista visual, performer, atriz e criadora. Sua prática está voltada para a saúde mental e bem-estar e o ativismo. Ela usa fotografia e performance com o objetivo de criar uma experiência catártica para ela e para o espectador.
As imagens da nova série de Jessica Backhaus são criadas usando as ferramentas mais simples: tesoura, papel e a luz do sol. Com isso, uma das artistas alemãs mais importantes da fotografia contemporânea reduz a fotografia a seus elementos básicos: luz e sombra, forma e cor. O papel transparente recortado reage ao calor da luz solar, deforma e projeta sombras.
A fotógrafa diz que usa processos sobre os quais tem uma influência limitada, e tornou-se a documentarista de um experimento visual: uma coreografia poética de cores intensas à luz do sol.
Produzidas colando negativos, as impressões resultantes de Talmor são paisagens que combinam o real e o imaginário a partir de fotografias inicialmente tiradas como lembranças de diferentes locais. Dessa maneira, desfocando espaço, memória e tempo, lugares específicos inicialmente carregados de significado pessoal e conotações políticas, são transformados em espaços idealizados e utópicos, de maior universalidade.
Em diálogo com a história da fotografia, a série faz referência a processos de impressão combinada e também a experiências modernistas com a materialidade do filme. Ao mesmo tempo que mantém referências históricas, a obra se envolve com o discurso contemporâneo sobre a manipulação e a exclusão analógica / digital.
Sem nenhum treinamento formal, Bastiaan Woudt aborda temas clássicos e faz referência ao surrealismo e à fotografia documental – misturando câmera e técnicas de produção para criar um estilo gráfico único.
De forma original, o fotógrafo explora a relação entre o ser humano e o meio ambiente e critica o impacto da industrialização no planeta.
FLUX é uma série de trabalhos fotográficos onde as silhuetas são deformadas por têxteis, saturadas de cores e uma mistura de motivos. Idealizadas pela artista multimídia Alia Ali, ela própria uma mistura das nacionalidades iemenita-bósnia-americana, cada moldura é estofada exclusivamente com lã Masai ou impressão de cera proveniente da Costa do Marfim.
Enquanto algumas das imagens distorcem a visibilidade, outras criam hipervisibilidade, quase se negando em formas complexas de camuflagem. A explosão de cores saturadas e motivos hiperópticos produzem resultados vibrantes. Embora certamente possam ser vistos como paisagens de sonho escapistas, as imagens também remetem a temas como opressão e capitalismo.
Jogando com transparências e colagens surrealistas, Balet joga com a realidade virtual ao misturar texturas pictóricas e elementos fotográficos digitais. Ela os sobrepõe em várias camadas, dando uma sensação material ao irreal e uma virtualidade às suas imagens materiais. As composições resultantes revelam vários estados de consciência e ilustram o compromisso da fotógrafa em explorar incessantemente as dualidades entre conteúdo e ausência, espaço e superfície.
Fotógrafa abstrata, Jo Bradford é um dos destaques da fotografia sem câmera. Seu método de trabalho consiste em meticulosamente – e às cegas – traçar a luz em um papel fotossensível na câmara totalmente escura, enquanto emprega métodos de mascaramento para permitir que vários graus de saturação e exposição ocorram.
A exposição lenta e profunda à luz leva horas, e permite a captura em papel de cores puras e variadas. Os resultados são um tipo de fotografia pura e não representativa.
Há mais de 20 anos, Susan Derges começou sua série de impressões fotográficas de rios, capturando o movimento contínuo da água ao submergir o papel fotográfico nos cursos d’água. Trabalhando à noite, ela usa a luz da lua e uma tocha de mão para expor as imagens diretamente em um papel sensível à luz.
As condições instáveis e incertas deixam várias marcas, causadas por pedras ou galhos ou pelo fato de a água não se estabilizar por igual. Com os novos recursos tecnológicos, Derges foi capaz de retrabalhar essas imagens originais, permitindo que ela produzisse digitalmente estampas em pequenas edições.
Fotografia ou pintura? Wilkinson é uma fotógrafa abstrata reconhecida por levar ao extremo as fronteiras entre essas duas expressões de arte. Ela começa com algum fragmento de uma fotografia – faróis de carro ou raios de sol entrando por uma janela, por exemplo. Desse ponto de partida, reduz a imagem a pixels aleatórios para serem usados como matéria-prima. Então, busca o tema da obra durante o processo, evocando sempre uma sensação, em vez de fixar uma imagem.
Ela explica: “A melhor maneira de descrever meu processo é começar com uma imagem de luz na qual faço marcas. Cada uma dessas marcas me permite controlar a forma, o tom, o contraste e a luminosidade, quase como uma forma de desenho, criando possibilidades emocionantes.”
Nem só em técnicas inovadoras se baseiam os trabalhos de destaque na Photo London. Há fantásticos exemplos de velhas técnicas utilizadas de novas formas, como a série de daguerreótipos do japonês Takashi Arai.
O daguerreótipo foi o primeiro processo fotográfico a ser comercializado ao grande público, com imagens fixadas sobre uma placa de metal. A técnica surgiu em 1839 e foi substituída por processos mais práticos e baratos cerca de vinte anos depois, mas vota a ser revisitada com novas abordagens.
Kajioca cria um trabalho etéreo e minimalista que se baseia na tradição japonesa do “wabi-sabi”. Trata-se da apreciação da beleza na imperfeição, na transitoriedade e na crença zen / taoísta de que a essência de um objeto existe no espaço vazio dentro e ao redor dele.
Antes de se dedicar à fotografia, Kajioka estudou belas-artes nos Estados Unidos e no Canadá. Seu trabalho cresceu a partir da prática do desenho, passando a dar à sua fotografia o sentido literal de desenhar com a luz.
Os espaços vazios em suas impressões de gelatina de prata cuidadosamente expostas, tonificadas e retocadas à mão são tão importantes quanto os temas.
Mas sempre haverá o fascínio pelas fotos dos pioneiros da fotografia, e por isso também brilham na feira as galerias especializadas em imagens antigas e raras de acontecimentos históricos, monumentos e até das primeiras viagens intercontinentais.
Álbuns, photobooks e imagens do século XIX e início do século XX atraem a atenção do público, como esta foto da Trafalgar Square, uma das mais importantes praças de Londres. Ela foi tirada cinco anos depois da invenção do daguerreótipo.
Os grandes mestres do Século XX também têm lugar de destaque na feira, como a foto acima de Henri-Cartier Bresson tirada em 1932 em Hyeres, na França, ou a foto abaixo, de Elliot Ervitt, tirada em 1974 em Nova York.
A fotografia de moda do século XX também está bem representada por Erwin Blumenfeld, um dos grandes nomes do setor de meados do século, com trabalhos para a Harper’s Bazaar, Life e American Vogue.
Mesmo sem os atuais recursos digitais, Blumenfeld se mune de criatividade e técnica para passar à audiência da época um efeito esvoaçante que faz parecer que as flores se desprendem do tecido do vestido.
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