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10 anos depois do movimento Occupy Wall Street, “hacktivismo” emerge como nova forma de protesto

(Robert Bye/Unsplash)

Londres – Em meio aos eventos para marcar os 20 anos dos atentados de 11 de setembro em Nova York, poucos lembraram de um outro aniversário este mês: os dez anos do movimento Occupy Wall Street (Ocupe Wall Street), que inspirou outros protestos  semelhantes pelo mundo, como o que está paralisando esta semana trechos da rodovia britânica M25 para forçar o governo a instalar aquecimento nas casas.

Mas a reação negativa de setores da sociedade a manifestações que causam transtornos, e a entrada em cena de uma nova geração de ativistas “nativos” do mundo digital, abriu uma outra estrada: a do ativismo online, que tem como uma de suas vertentes o “hacktivismo”. 

Os ataques cibernéticos motivados por uma causa vêm ganhando força pelo mundo. O mais recente – e bem-sucedido –  ato dessa natureza foi a ação de jovens que se organizaram por meio de redes sociais como TikTok e Reddit para travar um site de delação de violações à nova lei antiaborto do Texas.

Occupy Wall Street, a inspiração

Esse tipo de protesto online era bem mais difícil há 10 anos, quando o Occupy Wall Street nasceu.

O OWS, como ficou conhecido, começou em uma praça – que na verdade não era pública, e sim uma área privada – no centro financeiro de Nova York em setembro de 2011. Os manifestantes protestavam contra a desigualdade econômica.

A ideia espalhou-se por outras cidades americanas e chegou à Europa, América do Sul e Ásia. O movimento era descentralizado, e foi criticado pela falta de liderança, o que fazia com que pequenas decisões levassem dias para serem tomadas. 

Um caso que se tornou emblemático foi o do parlamentar negro John Lewis, que não conseguiu discursar no protesto de Atlanta porque os membros do movimento não chegaram a uma acordo sobre se deveriam permitir que ele falasse.

Em Nova York, foram improvisadas barracas e uma cozinha coletiva. Muitas celebridades deram seu apoio e foram até o local discursar, em uma época em que as redes sociais não tinham a penetração que têm hoje. 

A festa da democracia com doses de anarquia acabou dois meses depois, quando o então prefeito Michael Bloomberg mandou desocupar a praça, despachando para casa os que ainda resistiam ao frio e à chuva.

Mas o modelo inspirou outros grupos. O ato que desta semana na rodovia britânica M25 é um exemplo. 

Extinction Rebellion & filhos 

Ele está sendo feito pelo Insulate Britain, um grupo cobra do governo o isolamento térmico das casas, a fim de reduzir as emissões, proporcionar centenas de milhares de empregos e evitar que os idosos “morram em casas frias a cada inverno”.

É uma derivação do Extinction Rebellion (XR), movimento ambientalista britânico que de tempos em tempos causa confusão em locais centrais de Londres e em outras cidades do país.

E que deu vários filhotes, como o Insulate e o XR Money Rebellion, contra a “corrupção política e econômica que impede o combate aos efeitos da mudança climática” como se define. 

O objetivo do XR, que nasceu em 2018, é responsabilizar os “culpados pela sexta extinção em massa da espécie”. Faz exigências ousadas, que o governo e as empresas consideram impossíveis de serem atendidas, pelo menos no curto prazo. 

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O método é sempre o mesmo. Eles  acampam em ruas e praças, interrompem o tráfego, acorrentam-se a grades e colam as mãos a monumentos ou a fachadas de prédios que simbolizam os problemas ambientais.

Já atacaram gráficas de jornais, bloqueando a saída de caminhões com os exemplares − o que não impediu os leitores de acessarem suas edições online, mas atraiu a antipatia da mídia.

O último ato aconteceu há duas semanas, e chegou a paralisar a Tower Bridge, uma via importante do centro de Londres. 

Sobrou até para a respeitada WWF. Ativistas invadiram a sede da ONG ambiental, alegando que sua ação “perpetua métodos coloniais de conservação que expulsam os indígenas de suas casas”.

Vale atrapalhar todo mundo?

A causa do Extinction Rebellion é nobre, mas nem todos concordam com essa forma de protesto disruptivo, como se pode observar pelas redes sociais e pela mídia. 

A ação do Insulate Britain em curso esta semana vem sendo objeto de reclamações das pessoas que perdem compromissos, que não conseguem entregar encomendas, e que ficam presas horas no trânsito.

Nas redes sociais, muitos criticam também o fato de que os engarrafamentos causam mais emissões, agravando os problemas ambientais. 

A polícia fica como marisco entre a o rochedo e o mar: é cobrada pelos que discordam das interrupções e também pelos que veem no protesto uma forma legítima de lutar por mudanças, reclamando da violência ao remover os ativistas do meio da rua. 

A reação negativa deixa uma pergunta: qual o futuro do ativismo? Será que manifestações que incomodam tanto para chamar a atenção podem acabar afastando aqueles que seriam simpáticos à causa mas discordam dos métodos?

A pergunta tem sido feita exaustivamente aos membros do XR, e a resposta é sempre a mesma: sim, os fins justificam os meios.

Para eles, o problema do clima é gigante, e somente com muito tumulto as autoridades e empresas vão fazer algo concreto para solucionar a crise climática.

Os membros do Insulate Britain têm verbalizado isso nas redes sociais e nas entrevistas. Eles chamam a atenção para o caráter não-violento da estratégia adotada, e lembram que a missão do grupo é “encarar a crise climática de frente”.

Uma questão geracional?

Há muitos jovens engajados no XR, mas ele foi criado e é comandado por gente madura, na faixa dos 50/60 anos, uma geração talvez mais influenciada pelas passeatas “clássicas” e pelo modelo do Occupy Wall Street do que pelo universo digital.

O grupo utiliza bem as redes para mobilizar seguidores e multiplicar o alcance de seus atos, mas restringe sua ação ao mundo real.

E não tem obtido resultados concretos, já que seus  pedidos em relação ao clima são tão difíceis de serem atendidos quanto a bandeira do OWS era há dez anos.

A turma que ocup0u a praça em Nova York queria que o presidente Barack Obama “ordenasse uma comissão presidencial encarregada de acabar com a influência que o dinheiro tem sobre nossos representantes em Washington”. O XR tem como lema “exija o impossível”, o que soa quase como uma autocrítica. 


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O “hacktivismo” emerge

De forma mais pragmática, um protesto do outro lado do Atlântico demonstrou que o chamado “hacktivismo” ganha espaço como alternativa para o barulho nas ruas.

Uma turma de meninas usou o TikTok na semana passada para compartilhar vídeos curtos ensinando como sabotar o site Texas Right To Life, criado pelo maior grupo antiaborto do estado para receber denúncias anônimas de violação a uma nova lei aprovada no estado. 

Uma votação da Suprema Corte dos EUA não conseguiu derrubar a lei que proíbe o aborto após o ponto em que os médicos possam detectar atividade cardíaca – cerca de seis semanas.

O chamado Heartbeat Act também permite que os cidadãos ajam contra um médico ou qualquer pessoa que ajude a interromper uma gravidez, incluindo uma pessoa que leve uma mulher a uma consulta de aborto.

O site atacado tem uma mensagem direta estimulando a delação anônima:

“Qualquer texano pode abrir um processo contra um abortista ou alguém que está ajudando e encorajando um aborto depois de seis semanas”.

Os vídeos no TikTok e em outras redes passaram a ensinar como inundar o site com conteúdo bem diferente daquele que os organizadores esperavam receber. 

Um usuário do TikTok,  @ black_madness21, criou um bot para enviar automaticamente um novo conteúdo falso para o site a cada 10 a 15 segundos.

@seandablack

#stitch with @victoriahammett I’ll see if I can add some multithreading to speed up this process

♬ original sound – Sean Black

Ele disse: “Infelizmente, não é tão eficiente quanto poderia ser, porque envia apenas uma solicitação a cada dez a quinze segundos ou mais. Mas, deixe isso funcionando durante a noite, então … ”

O usuário do TikTok @williamshaughn_ também postou um clipe ensinando como inserir manualmente imagens de “Shrek porn” no site antiaborto. 

@shanussy_

#abortionispoggers #prochoice #abortion #abortionisahumanright

♬ original sound – shanussy

Ele explicou: “Você pode anexar qualquer arquivo que desejar. Então, acabei de enviar a eles um monte de pornografia do Shrek e você também pode fazer isso se acessar esse link. ”

Convite feito, convite aceito por muitas meninas que não se preocuparam em esconder o rosto. O ativismo contra o site antiaborto também ganhou força na plataforma Reddit.

Uma pessoa escreveu: “Piadas são facilmente filtradas. Se você realmente deseja contaminar o banco de dados do site, envie conteúdo que pareça o mais real possível. Torne impossível distinguir o coneúdo bom do ruim. 

O site foi inundado com conteúdo falso, e teria chegado a sair do ar.

Dupla preocupação 

A mesma fórmula havia sido empregada durante as eleições presidenciais americanas. Adolescentes usuários do TikTok e fãs da música pop coreana inscreveram-se em massa para participar de um comício do ex-presidente Donald Trump mas não apareceram, deixando o candidato furioso diante de uma plateia vazia.

Essa  forma de protesto pode ser ainda mais ameaçadora do que manifestantes acorrentados diante das sedes de empresas ou jogando tinta na parede de embaixadas, como acontece com frequência em Londres.

E despertar mais simpatia do público do que ações disruptivas. 

Mas os que adotam o método do Occupy Wall Street e do Exinction Rebellion não parecem por enquanto inclinados a mudar suas táticas e migrar para o ambiente digital. 

Para empresas, governos e instituições, até mesmo as que lutam por causas iguais, a dor de cabeça agora é dupla. 

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