Começou nesta terça-feira (18/10) em Miami a 77ª Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), uma das mais antigas e atuantes entidades de defesa da liberdade de imprensa do mundo. As apresentações e debates, que acontecem até o dia 22/10, podem ser acompanhados online gratuitamente.
Os temas discutidos serão a sustentabilidade dos meios de comunicação diante dos riscos agravados pela pandemia; os esforços para uma compensação mais justa pela utilização de conteúdos em plataformas digitais; a influência da tecnologia na criação e verificação da informação e o renascimento do jornalismo de qualidade, com projetos colaborativos como o Pandora Papers.
Na abertura, a SIP lamentou a situação da liberdade de imprensa nas Américas, destacando o assassinato de nove jornalistas no último semestre (seis no México e um no Brasil, Colômbia e Haiti, cada). O assunto também será debatido no encontro.
A programação completa pode ser acessada aqui.
E as inscrições podem ser feitas pelo formulário no site da SIP.
Ditaduras Somoza e Ortega: a história se repete
O orador principal da cerimônia de abertura foi o romancista nicaraguense Sergio Ramírez Mercado, vencedor do Prêmio Cervantes em 2017. Seu último romance, “Tongolele Não Pode Dançar”, ambientado em meio à repressão de abril de 2018 na Nicarágua, foi censurado e parcialmente confiscado pelo regime de Daniel Ortega.
Mercado foi um opositor à ditadura de Anastasio Somoza, e chegou a ser vice-presidente do país após sua queda.
Falando de Madrid, onde fixou residência temporária depois de se exilar devido à perseguição e assédio policial, lamentou que o ciclo da história se repita:
“Uma ditadura provoca uma revolução para derrubar um ditador, e essa revolução cria um novo ditador que por sua vez inicia um novo ciclo de opressão. Somoza é o pai de Ortega. E o ditador, ofendido com a liberdade de expressão, fecha e ocupa a mídia, prende jornalistas ou os força ao exílio.”
O escritor fez paralelos entre os tempos de Somoza e Ortega. Lembrou que no fim de 1978, o principal jornal do país, La Prensa, deixou de circular. Pouco antes, seu diretor, Pedro Joaquín Chamorro Cardenal, havia sido assassinado.
E o mesmo acontece agora:
“Mais uma vez, o jornal La Prensa viu-se obrigado a suspender sua impressão. Primeiro por falta de papel, detido na alfândega, e depois por suas instalações terem sido ocupadas pela polícia. Seu gerente geral, Juan Lorenzo Holmann, está preso, sem assistência médica e sob risco de perder a visão.
Cristiana Chamorro Barrios está presa, assim como Pedro Joaquín Chamorro Barrios, jornalistas e executivos do La Prensa. O terceiro irmão, Carlos Fernando Chamorro Barrios, diretor do jornal Confidencial, fugiu por caminhos clandestinos para se livrar da ordem de prisão.”
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Juan Lorenzo Holmann foi um dos vencedores do Grande Prêmio para a Liberdade de Imprensa da SIP em 2021, junto com o jornalista Henry Constantín Ferreiro, de Cuba.
O escritor lembrou também outros profissionais de imprensa privados de liberdade, como o jornalista e fundador do canal 100% Noticias, Miguel Mora. Ele foi encarcerado pela segunda vez depois que as instalações do canal foram ocupadas e confiscadas pela polícia em 2018.
Mercado fez um apelo para que os prisioneiros não sejam esquecidos.
“Esses jornalistas estão entre os quase 150 presos políticos, incluindo candidatos, membros de organizações cívicas e de direitos humanos, camponeses, líderes estudantis, empresários e banqueiros.
Todos sem julgamento, ou sujeitos a julgamentos fraudulentos, sem o devido processo legal, sem direito de defesa, sem advogado, sem assistência médica e em condições desumanas.
Todos acusados dos mesmos crimes pré-fabricados em série, que vão desde lavagem de dinheiro até terrorismo e atos contra a soberania nacional.”
Das igrejas às redes sociais, o “jornalismo das catacumbas”
O escritor comparou os caminhos encontrados por profissionais de imprensa na era Somoza e na era Ortega para driblar a censura.
Ele contou que, com rádios censurados na década de 70, jornalistas passaram a ler boletins informativos dentro das igrejas, às vezes sem eletricidade e à luz de velas. Esse tipo de jornalismo ganhou o nome de “jornalismo das catacumbas”.
Agora, na opinião de Mercado, surgiu um novo jornalismo das catacumbas, que saiu das igrejas para usar as redes sociais:
“Da clandestinidade, a partir da Nicarágua ou do exílio, jornalistas, auxiliados por correspondentes anônimos, informam o público por meio de transmissões no YouTube, no Facebook Live, em podcasts, em blogs.”
O jornalista Carlos Fernando Chamorro é um dos que resiste, transmitindo seus programas de televisão Esta Semana e Esta Noche de fora da Nicarágua. O jornal La Prensa mantém sua edição digital, produzida por jornalistas dentro e fora do país.
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E outros sites estão abertos, “com jornalistas investigando e denunciando abusos, dando voz a famílias de presos políticos e denunciando a corrupção”, disse.
“Como antes, o jornalismo das catacumbas detém a palavra que a ditadura não pode tirar da boca daqueles que, em meio às agruras do exílio, ou aos riscos de se esconder, defendem a liberdade de expressão e o direito de informar”.
O escritor afirmou que “nunca antes a palavra teve tanto peso como agora”. E que “no panorama sombrio em que vive a Nicarágua, com instituições pervertidas, estado de direito arruinado e perseguição policial desenfreada, é a palavra que nos salva”.
Ele observou que a Nicarágua não é o único país onde isso ocorre, citando Venezuela e Cuba. E reforçou que a rebelião sempre começa com palavras, que são “a companhia fiel na luta pela democracia”.
Ortega integra a lista de “predadores” da liberdade de imprensa, da RSF
Daniel Ortega, presidente da Nicarágua desde 2007 — e que já ocupou a Presidência pela primeira vez entre 1979 e 1990 — foi incluído na última lista de Predadores da Liberdade de Imprensa, elaborada pela RSF em 2021.
O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, também faz parte da relação de líderes mundiais que trabalham contra a mídia, na avaliação da RSF.
Segundo a organização, Ortega estabeleceu “um sistema sórdido de asfixia econômica da mídia independente que inclui políticas discriminatórias sobre a publicidade oficial, restrições à importação de elementos e materiais jornalísticos, auditorias abusivas, pressões e prisões arbitrárias”.
Entre 2020 e 2021, a Nicarágua perdeu quatro posições no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa publicado pela RSF e atualmente está na 121ª posição entre 180 países.