Londres – Depois da tentativa frustrada de criar um blog em seu site com postagens no formato utilizado pelas redes sociais, esperando em vão que seus seguidores as compartilhassem, o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump anunciou na quarta-feira (20/10) o lançamento da rede Truth Social, com a qual pretende desafiar o poder das gigantes de tecnologia.

O nome foi registrado em julho passado e faz com que a rede utilize um slogan tão megalomaníaco como seu criador: Follow the Truth! (Siga a Verdade!). 

Se não pode com eles, compita com eles

Banido não apenas do Twitter, como também do YouTube e do Facebook desde janeiro de 2021 por ter incitado seguidores a invadir o Capitólio, Trump tenta com essa manobra burlar o banimento e se reconectar com seu público por meio de sua própria rede social.

No comunicado em que anuncia a novidade, o ex-presidente não esconde que seu objetivo é criar um rival para o “consórcio da mídia liberal” e lutar contra “as Big Tech do Vale do Silício”. 

Trump acusa as plataformas de terem usado seu poder unilateral para “silenciar as vozes de oposição na América” e considera sua situação nas mídias sociais pior do que a do Talibã:

“Vivemos em um mundo onde o Talibã tem uma grande presença no Twitter, mas seu presidente americano favorito foi silenciado. Isso é inaceitável”.

Um “Twitter” para chamar de seu

Assim como no Twitter os posts são chamados de tweets, na nova rede de Trump o usuário postará truths (verdades) ou re-truths, que funcionarão como os retuítes. 

Haverá também um Truth Feed e notificações avisarão aos usuários quem está interagindo com suas “verdades”. 

O jogo de palavras permitirá que mesmo uma fake news seja chamada de “verdade” na nova plataforma. Funciona também como uma indireta contra as redes sociais concorrentes, pois as “verdades”, pelo menos no nome, serão os posts da rede do ex-presidente.

Trump não perdeu tempo para avisar aos seguidores:

“Estou ansioso para divulgar minha primeira verdade na Truth Social muito em breve!”

Funcionamento efetivo a partir do primeiro trimestre de 2022

A Truth Social entrará no ar em formato beta (em teste) já no mês que vem, aberta a usuários convidados.

Os interessados em participar do período de teste poderão se inscrever pelo site www.truthsocial.com e se inscrever na lista para obtenção do convite.

Terminado o período de teste, o lançamento efetivo deverá ocorrer no primeiro trimestre de 2022, informa o comunicado.

O lançamento ficará a cargo de uma nova empresa de mídia criada por Trump, a Trump Media & Technology Group (TMTG), que alardeia ter nascido com a missão de “dar voz a todos”.

Além da Truth Social, a TMTG oferecerá também um serviço de vídeo por assinatura chamado TMTG+, que contará com programação de entretenimento, notícias e podcasts.

Cancelando a cultura do cancelamento 

O site da nova empresa dá claros sinais de que a liberdade será plena, sem a moderação das gigantes que tanto incomodava Trump e seus apoiadores. A nova plataforma se apresenta como “uma força unificadora para a liberdade de expressão”. 

A tela de abertura, com uma bandeira americana em uma paisagem rural e o sol nascendo ao fundo, sugere um renascimento, em um cenário interiorano associado a uma parcela importante do público conservador, que vive fora dos grandes centros urbanos.

Três promessas se destacam: “contra a discriminação política”, “cancelando a cultura do cancelamento” e “resistindo às Big Techs”.

A TMTG afirma que oferecerá às pessoas uma “plataforma aberta onde elas poderão compartilhar e criar conteúdo sem medo de arruinar sua reputação”. 

O curto vídeo promocional mostra imagens  curtas e engraçadas ao estilo TikTok, e trocas de mensagens entre pessoas perguntando o que vão fazer hoje. Pelo menos nesse estágio, a ideia parece ser transmitir uma atmosfera amena. 

Plano de abrir capital

A TMTG já nasce com planos de se tornar uma empresa de capital aberto, mediante aprovação regulatória e dos acionistas. 

Para tanto, foi realizado um acordo com a Digital World Acquisition Corp. (DWAC), empresa de capital aberto de propósito específico. Esse tipo de empresa é projetado para listar as ações de uma empresa privada mais rapidamente, sem passar pelo processo convencional. 

Na prática, isso significa que a DWAC mudará seu nome para o da empresa adquirida, pagando a aquisição com o dinheiro aportado por investidores em sua própria oferta pública inicial.

A DWAC disse que levantou cerca de US$ 293 milhões em dinheiro, que usará para expandir os empreendimentos da TMTG. Entre os maiores acionistas da empresa estão investidores institucionais como Lighthouse Investment Partners, D. E. Shaw & Co. e Radcliffe Capital Management.

O CEO da DWAC, Patrick F. Orlando, afirmou:

Dado o mercado potencial e o número de seguidores do Presidente Trump, acreditamos que a oportunidade TMTG tem potencial para criar valor significativo para o acionista”.

Fox apoia a nova rede social

A mídia conservadora, que sempre apoiou Trump, já embarcou na nova empreitada.

A TV Fox News concedeu um bom espaço para uma entrevista com Donald Trump Jr, que disse que as Big Techs vêm suprimindo as vozes conservadoras. E que a Truth Social será “uma plataforma para que todos expressem seus sentimentos.”

A luta contra as Big Techs é mencionada três vezes no comunicado. Em outro trecho, Trump diz:

“Todos me perguntam por que ninguém enfrenta as Big Techs. Bem, estaremos fazendo isso em breve!”

Truth, a verdade de Trump

O nome Truth soa curioso para a rede de um ex-presidente seguidamente acusado de disseminar desinformação. Em 2020, ele foi apontado pela Universidade Cornell como a maior fonte em língua inglesa de fake news sobre a Covid-19. 

A pesquisa, divulgada em outubro, analisou 38,7 milhões de notícias veiculadas de janeiro a maio de 2020 em fontes impressas, eletrônicas e online. Trump respondeu por mais de um terço (37,9%) de toda a desinformação referente à pandemia transmitida pela imprensa no período. 

Desde que foi banido das principais redes, o ex-presidente aventava a possibilidade de lançar uma rede própria. A ideia pode ter tomado impulso depois que a volta dele às plataformas globais ficou cada vez mais distante. 

No início deste ano, o Conselho Superior do Facebook, um grupo formado por acadêmicos, jornalistas e representantes da sociedade civil que delibera sobre banimentos de usuários da rede, manteve a decisão da empresa de suspender Trump, que havia sido tomada em janeiro. O conselho deu seis meses para que o Facebook tome uma decisão definitiva, e não há sinais de que o presidente possa ser readmitido. 

O Twitter também fez saber que não quer Trump de volta. Um novo baque para o ex-presidente, que fez da plataforma o principal meio para estabelecer um diálogo direto com apoiadores e para contestar as matérias veiculadas pela mídia tradicional sobre ele e seu governo.

Um estudo do US Tracker Project revelou que em cinco anos e meio (desde que se tornou presidente até a saída do Twitter), Trump tuitou 24.500 vezes. Desse total, 2.520 eram mensagens contrárias à imprensa, representando uma média de mais de uma por dia no período. 

Leia mais |Trump tuitou mais de uma vez por dia contra a imprensa em 5 anos e meio

 Uma “grande tenda” para abrigar a todos

Na Apple Store, a Truth Social se vende como uma plataforma de mídia social que seria a “grande tenda” da América. 

Mas o que seria esse conceito? A plataforma explica, pelo menos na teoria:

“Grande Tenda é a nova maneira de descrever a “inclusão” na América. Ela abriga pessoas diversas que compartilham seus pontos de vista sobre o mundo.”

“Embora nem sempre concordemos um com o outro, acolhemos com satisfação essas opiniões variadas para uma conversa aberta, livre e honesta, sem discriminar ideologia política”.

Regras nas plataformas dos outros é refresco

O jornalista Brad Heath, da Reuters, destaca em sua conta no Twitter que a Truth Social estabelece uma cláusula de foro para resolução de conflitos que é semelhante às das demais redes sociais, mas que vinha sendo classificada como inexequível pelos próprios advogados de Trump em processos movidos pelo ex-presidente contra as Big Techs. 

O jornalista ressalta que os advogados de Trump já foram derrotados em um dos processos em que apresentaram esse argumento, e que dois continuam pendentes. A tendência é que estes também sejam indeferidos, a partir do momento em que a regra considerada inexequível em relação às plataformas concorrentes passou a ser adotada pela rede do ex-presidente.

Inclusão, ma non troppo

Apesar de a Truth Social se vender como inclusiva, o jornalista Brad Heath enfatizou em outro post que essa tão proclamada inclusão não vale em todos os casos.

Em sua conta do Twitter, ele enfatiza um item dos Termos de Serviço da nova rede: 

“A vigésima terceira regra da plataforma de mídia social criada por Trump é a de que você não pode usá-la para tirar sarro de sua nova plataforma de mídia social”.

De fato, o item 23 da cláusula sétima dos Termos de Serviço, que lista as atividades proibidas na plataforma, veta “depreciar, manchar ou de outra forma denegrir a nós ou ao site”. 

Outra proibição que chama a atenção, desta vez no item 20 da mesma cláusula, é a do “uso excessivo de letras maiúsculas”, conforme ressaltado pelo jornalista Drew Harwell, do jornal The Washington Post:

A ironia é que essa era um recurso que era muito utilizado pelo próprio Trump, nos tempos em que podia publicar livremente seus posts nas redes sociais antes de ser banido. 

O site de tecnologia The Daily Dot resumiu bem a situação. Depois de zombar do fato de que você só pode se juntar à nova rede social de livre expressão de Trump se não zombar dele, a publicação faz referência à proibição do uso excessivo de maiúsculas:

“Para usar a nova plataforma social de Trump, você não pode postar como ele”.

 

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Luciana Gurgel
Jornalista baseada em Londres, é co-fundadora e Editora-chefe do MediaTalks. É também colunista de mídia e comunicação no J&Cia/Portal dos Jornalistas. Faz parte da FPA London (Foreign Press Association).

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