Londres – A decisão da Suprema Corte britânica de negar a Julian Assange o direito de participar pessoalmente da audiência de dois dias para analisar os recursos apresentados pelos EUA contra a decisão de não extraditá-lo, que começou hoje, revoltou as entidades que acompanham o caso e a companheira da Assange, Stella Moris.
Ao longo desta quarta-feira (27/10) e no dia de amanhã serão avaliados cinco recursos apresentados pelos EUA contra o veredito de janeiro passado, incluindo as garantias oferecidas para reverter o entendimento de que ele correria risco de vida se for responder aos processos em solo americano.
O país tenta desqualificar o laudo médico que afirmou haver risco de suicídio caso Assange fosse extraditado. O advogado do Deparamento de Estado americano, James Lewis, sustentou que o psiquiatra que fez o laudo levou a juíza que deu a primeira sentença a cometer um engano.
Falando diante da corte, Kristinn Hrafnsson, Editor-Chefe do Wikileaks, site pelo qual Assange vazou segredos de guerra americanos, disse que a proibição decidida pouco antes do início da audiência é “revoltante”.
Ele acha que permitir que Assange participe apenas por videoconferência restringe o direito de defesa do ativista, que dessa forma não poderá interagir com seus advogados e se manifestar livremente a fim de evitar a transferência para os EUA e lá responder a processos por espionagem.
Live court report from #JulianAssange’s extradition hearing [THREAD]:
We start the day by learning that Julian has not be allowed to participate in person at the most important hearing of his life.
This hearing will begin with the #Assange exception to the norm.#FreeAssange pic.twitter.com/sC204AxnFP
— Juan Passarelli (@JuanAndOnlyDude) October 27, 2021
Moris, que é advogada e faz parte da equipe de defesa, confirmou que ele estava magro e abatido na mais recente visita que fez à prisão de Belmarsh, onde está preso desde 2019.
Ela lamentou que ele não estivesse presente para pedir esclarecimentos sobre o processo e dialogar com a defesa.
Primeiro jornalista processado pela Lei de Espionagem americana
Entidades de defesa da liberdade de imprensa e de expressão e manifestantes diante do tribunal clamam pela retirada das acusações contra o fundador do Wikileaks, por considerarem o caso emblemático para o futuro da liberdade de imprensa no mundo.
Segundo a Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Assange seria o primeiro editor de notícias a ser processado sob a Lei de Espionagem dos EUA, que no entendimento da entidade vai contra o interesse público.
Na semana passada, vinte organizações, incluindo a Anistia Internacional, o Comitê para a Proteção de Jornalistas e a Repórteres sem Fronteiras, entregaram ao procurador-geral do governo americano, Merrick Garland, uma petição apelando pelo fim do processo. A carta diz:
“O processo contra o Sr. Assange põe em risco o jornalismo que é crucial para a democracia. Em nossa opinião, um precedente criado pelo processo contra Assange poderia ser usado contra editores e jornalistas, paralisando seu trabalho e minando a liberdade de imprensa.”
“Jornalismo não é crime”
Desde as primeiras horas da manhã desta quarta-feira, apoiadores de Assange estão reunidos diante da Corte, no centro de Londres, protestando contra o que consideram um crime contra a liberdade de imprensa e de expressão.
Cartazes exibem a frase “jornalismo não é crime”.
Há música ao vivo e canções pedindo “Free Julian Assange (Julian Assange livre).
After 10:30am start, live music erupts from Assange supporters who are singing “All we are saying, free Julian Assange!”. Crowd chant in unison #FreeAssange #FreeAssangeNOW #WeAreAllAssange #Anonymous pic.twitter.com/ORJO2rDVMU
— Anon Media UK ❂ (@AnonMedia_UK) October 27, 2021
Embora os britânicos não tenham sido prejudicados pelas revelações feitas por Assange e nem sejam parte no processo movido contra ele pelo governo americano, o país acabou em uma situação delicada. O ativista ficou asilado sete anos na Embaixada do Equador em Londres, e acabou capturado pela polícia britânica.
O Reino Unido tem sido acusado de ser complacente com os Estados Unidos e de colaborar com o que muitos consideram um ataque ao jornalismo e à liberdade de expressão.
Cartazes criticando a justiça britânica estão sendo empunhados por alguns que protestam diante da Corte.
Entre os que se uniram ao protesto estão artistas como o escocês Daniel Fooks e o chinês Ai Weiwei, ativista da causa pela libertação de Julian Assange.
Great catching up with @aiww
Artists united for Assange!#FreeAssange pic.twitter.com/QZTD6EXskO
— Daniel Fooks (@DanielFooksArt) October 27, 2021
Restrições para acesso e protestos do lado de fora do Tribunal
As barreiras impostas pela Suprema Corte em torno da sessão causaram tensões nas horas anteriores à sua realização.
Algumas das principais entidades que acompanham o caso só conseguiram autorização para acompanhar a audiência na véspera da sessão.
A diretora de campanhas da RSF, Rebecca Vincent, disse que a entidade tem enfrentado mais dificuldades de acesso ao processo no caso Julian Assange do que em qualquer outro caso, em qualquer outro país:
“Esses procedimentos são de interesse público e devem ser abertos ao escrutínio.”
A pena de Assange
Se Assange for extraditado para os Estados Unidos, ele pode ser condenado a até 175 anos de prisão pelas 18 acusações relacionadas à publicação pelo Wikileaks em 2010 de várias centenas de milhares de documentos militares confidenciais e correspondências diplomáticas.
Na audiência desta quarta-feira, o Departamento de Estado americano argumentará contra a decisão de 4 de janeiro emitida pela juíza distrital Vanessa Baraitser, que decidiu não extraditar Assange para os EUA por motivos de saúde mental. Ela acatou a tese da defesa de que Assange correria risco de suicídio se fosse para uma prisão de segurança máxima.
Em entrevista coletiva a jornalistas estrangeiros na segunda-feira (25/10), a advogada e companheira de Assange, Stella Moris, adiantou que os advogados tentarão fazer com que o Tribunal mantenha a sentença sob a justificativa de que o fundador do Wikileaks não pode ser extraditado para um país que tentou sequestrá-lo e matá-lo enquanto ele estava asilado na Embaixada do Equador em Londres.
Em setembro, o Yahoo revelou que a CIA, agência do serviço secreto dos Estados Unidos, avaliou sequestrar e matar o fundador do Wikileaks, Julian Assange em 2017.
Na época, Assange entrava em seu quinto ano asilado na embaixada do Equador em Londres, e, segundo o Yahoo, funcionários do governo Trump debatiam a legalidade e a viabilidade de uma operação para retirar o ativista do local, segundo a apuração.
Altos funcionários da CIA e da administração Trump teriam solicitado “esboços” de como assassiná-lo. As discussões sobre o sequestro e possível assassinato de Assange ocorreram “nos escalões mais altos” do governo Trump, disse um ex-oficial da contra-espionagem ao Yahoo.
Leia mais |CIA avaliou sequestrar Julian Assange de embaixada em Londres e matá-lo, afirma reportagem
Garantias oferecidas pelos EUA podem ser revogadas
A defesa do ativista também discorda das garantias oferecidas pelo governo americano de que se Assange for responder aos processos no país não ficará em uma prisão de segurança máxima, nem sob regime especial de isolamento.
Eles questionam o fato de tais garantias somente terem sido oferecidas depois do veredito que decidiu não extraditá-lo. E que o próprio governo norte-americano faz a ressalva de que elas podem ser revogadas se Assange cometer algum deslize, a critério do Departamento de Estado, sem especificar que tipo de infração justificaria movê-lo para uma prisão de segurança máxima.
“Silêncio cúmplice”
Entre os que se manifestaram a favor da libertação imediata de Julian Assange está Edward Snowden, analista de sistemas, ex-administrador de sistemas da CIA e ex-contratado da NSA que tornou públicos os detalhes de vários programas que integram o sistema de vigilância global da NSA americana.
No Twitter, ele disse:
“O silêncio cúmplice enquanto os EUA procuram forçar a extradição de um editor – por ousar publicar informações verdadeiras – é ainda mais difícil de justificar quando você descobre que a principal testemunha do FBI é uma fraude admitida e um predador infantil … que acabou de ser preso”
The complicit silence as the US seeks to force the extradition of a publisher—for daring to publish true information—is even harder to justify when you discover that the FBI's star witness is an admitted fraud and child predator… who was just jailed.https://t.co/fkcf84Bvmu
— Edward Snowden (@Snowden) October 27, 2021
Snowden se refere a uma das fragilidades apontadas pela defesa de Assange.
Em junho, o jornal finlandês Studin revelou que uma importante testemunha no caso admitiu ter inventado acusações contra o fundador do Wikileaks.
Testemunha confessou ter sido recrutada por autoridades americanas
Segundo o jornal Studin, Sigurdur Ingi Thordarson, que tem histórico de sociopatia e acumula condenações por abuso sexual de menores e fraude financeira, confirmou em entrevista ter sido recrutado pelas autoridades dos Estados Unidos para construir evidências contra Assange depois de induzi-los a acreditar que era próximo a ele.
Thordarson realmente chegou a se envolver com o Wikileaks, só que para se aproveitar e não para colaborar.
Em 2010, ele se ofereceu voluntariamente para arrecadar dinheiro para a organização, mas descobriu-se depois que usou essa oportunidade para desviar mais de US$ 50 mil. Ele também viajou apresentando-se como representante do Wikileaks de forma fraudulenta.
O Stundin afirma que Thordarson admitiu que Assange nunca lhe pediu para hackear ou acessar gravações telefônicas de parlamentares, como disse às autoridades americanas.
A nova versão
A nova versão de Thordarson para o caso é a de que ele recebeu alguns arquivos de uma pessoa que alegou ter gravado conversas de parlamentares. E que se ofereceu para compartilhá-los com Assange.
O jornal diz que a testemunha sustenta que nunca verificou o conteúdo dos arquivos ou mesmo se eles continham gravações de áudio, como sua fonte sugeriu. E que é falsa a informação dada às autoridades americanas de que Assange o instruiu ou pediu para acessar computadores a fim de encontrar as gravações.
Julian Assange esteve na Islândia no mesmo período dos fatos relatados por Thordarson às autoridades americanas ocorreram. Mas isso ocorreu devido ao seu trabalho com a mídia islandesa e com os membros do parlamento local na preparação da Icelandic Modern Media Initiative. Tratava-se de um projeto de liberdade de imprensa que produziu uma resolução parlamentar apoiando denunciantes e o jornalismo investigativo.
“Como os fatos ocorreram quando ele estava na Islândia, os autores da acusação sentiram que poderiam fortalecer seu caso alegando que ele também estava envolvido em atividades ilegais lá”, afirmou o jornal.
Próximos passos
Uma decisão imediata não é esperada na conclusão da audiência desta semana, mas provavelmente virá por escrito em um período de quatro a seis semanas, segundo a Repórteres sem Fronteiras.
A RSF considera Assange o primeiro editor de notícias a ser processado sob a Lei de Espionagem dos EUA:
“Assange é alvo de suas contribuições para o jornalismo, seu caso traz implicações duradouras para o jornalismo e a liberdade de imprensa em todo o mundo, seu caso deve ser encerrado e ele deve ser imediatamente libertado ”, disse o secretário-geral da RSF, Christophe Deloire.
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