O Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, da Universidade do Texas, está oferecendo um curso online gratuito destinado a ajudar jornalistas mulheres a se defenderem de perigos que enfrentam na profissão. Segundo relatório da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), divulgado em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, 40 nações entre 112 analisadas são consideradas “perigosas” ou “muito perigosas” para mulheres jornalistas. O Brasil foi classificado como “perigoso”.

O treinamento é  comandado por Alison Baskerville, fotógrafa britânica que começou a carreira nas Forças Armadas e se tornou especialista em segurança pessoal para jornalistas.  Ela é instrutora líder de segurança inclusiva da Fundação Internacional das Mulheres na Comunicação Social (IWMF, na sigla em inglês).

O curso inclui videoaulas, leituras, exercícios e entrevistas de Baskerville com especialistas em saúde e segurança, e pode ser feito no horário da conveniência das participantes, pois é pré-gravado.

Patrícia Campos Mello sofreu ataques após reportagem nas eleições 2018

Um dos maiores exemplos da violência contra mulheres jornalistas no Brasil é Patrícia Campos Mello, repórter da Folha de S.Paulo. Ela publicou uma reportagem sobre disparos em massa via WhatsApp contendo informações falsas durante as eleições presidenciais de 2018, que teriam favorecido a candidatura de Jair Bolsonaro.

Depois disso, passou a receber ataques – grande parte deles misóginos e sexistas – de apoiadores do governo, incluindo do próprio presidente e de seus filhos. Patrícia teve que passar a circular por São Paulo protegida por um segurança – um cuidado que os veículos para os quais trabalhou nunca haviam julgado necessário, nem quando cobriu conflitos da Líbia, Síria, Iraque e Afeganistão.

A jornalista fez uma conferência no Instituto Reuters de Estudos do Jornalismo e falou sobre ser jornalista no Brasil, que, segundo ela, significa “ser alvo de uma máquina de ódio, que atinge com mais força as mulheres”.

“Eu não estou sozinha. Muitas jornalistas respeitadas no Brasil, como Míriam Leitão, Vera Magalhães, Talita Fernandes, Constança Rezende, Juliana Dal Piva e Daniela Lima também foram alvo de ataques misóginos.

E em todo o mundo, grandes jornalistas como Maria Ressa, nas Filipinas, e Neha Dixit, na Índia, estão sendo atacadas com calúnias e ameaças sexistas apenas porque estão fazendo seu trabalho”.

Patricia Campos Mello – Foto: divulgação Instituto Reuters

Patrícia é uma das profissionais citadas no relatório da Repórteres sem Fronteiras publicado em abril, que examinou como o sexismo –  todas as formas de violência sexual e de gênero, entre elas discriminação, insultos, assédio sexual, toque, agressões verbais e físicas de natureza sexual, ameaças de estupro ou estupro – afeta a atividade jornalística.

O relatório mostra que a internet é o local mais hostil para mulheres jornalistas: para 73% das participantes, a violência de gênero ocorreu em plataformas online. Além disso, 51% delas disseram que os casos de sexismo ocorreram na própria redação, por parte de superiores hierárquicos. E 61% declarou que, mesmo depois dos casos serem denunciados, nada foi feito. E apenas um de cada dez agressores perdeu o emprego. 

No que se refere às consequências da violência de gênero, quase 80% das participantes disse ter desenvolvido estresse, 65% angústia e 54% têm medo de perder o emprego. Além disso, quase metade delas teme por sua própria vida.

Leia também:Repórteres sem Fronteiras inclui Brasil entre os 40 países perigosos para mulheres jornalistas

Alison Baskerville tem histórico na fotografia e na militância por diversidade

O trabalho de Alison Baskerville como fotógrafa reflete sobre questões contemporâneas como desigualdade social, ocupação militar, identidade de gênero e segurança, bem como as consequências a longo prazo de traumas emocionais provocados pelos conflitos.

Ela fundou a ROAAAR – uma organização de treinamento de segurança inclusiva,  e cofundou o Powering the Matriarchy Together  (PMT), festival pioneiro de Birmingham, na Inglaterra, que celebra mulheres e pessoas não binárias. 

As aulas do treinamento são divididas em quatro módulos. O primeiro estágio serve como introdução ao planejamento de segurança das jornalistas. O segundo aborda conceitos como consciência situacional e segurança pessoal. O terceiro é sobre assédio e violência de gênero. O último módulo trata de cuidados pessoais e bem-estar emocional.  Acesse o curso aqui.

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