Londres – Ser concorrente do Google, potência do universo de mecanismos de busca na internet que detém 90% do mercado, não é fácil. Mas um buscador que acaba de ser lançado, o You.com, está sendo visto por analistas como novidade a ser acompanhada. 

A startup anunciou na terça-feira (9/11) um aporte de US$ 20 milhões (RS$ 108 milhões), captados entre investidores do Vale do Silício, e lançou uma versão beta (de testes), inovando com mais privacidade e um modelo listar resultados bem diferente do padrão Google.

O valor do investimento não é nada perto do orçamento do gigante, que perdeu esta semana o recurso contra uma multa de € 2,4 bilhões aplicada pela União Europeia por infringir normas de concorrência e certamente não irá à falência por causa dela. 

Segurança e buscas personalizadas

No entanto, uma alternativa que desafia o formato tradicional e garante mais privacidade pode incomodar a empresa líder, mostrando ao mercado que é possível fazer diferente do que ela vem fazendo há 23 anos. 

O buscador concorrente do Google foi criado por ex-funcionários da Salesforce, uma empresa americana de software. O fundador da empresa, Marc Benioff, é um dos apoiadores.

Além de garantia de mais privacidade, o You.com lista os resultados da pesquisa de forma horizontal e integrada com redes sociais e serviços de notícias na mesma tela, utilizando recursos de inteligência artificial.

 No comando está Richard Socher, CEO da plataforma, que foi desenvolvida ao longo de 2020 junto com Byran McCann. 

O nome, que em inglês significa “você”, faz parte da promessa de dar ao usuário controle sobre seus dados e sobre a forma como quer ver os resultados da pesquisa. O buscador se apresenta como “o mecanismo de busca com privacidade que resume a internet para você”. 

Em entrevista ao site VentureCapital, Socher explicou que o You.com aproveita o processamento de linguagem natural (PNL) – uma forma de inteligência artificial  – para entender as consultas de pesquisa, classificar os resultados e analisar semanticamente as consultas em diferentes linguagens, incluindo linguagens de programação. 

A plataforma resume os resultados da web e é extensível com aplicativos de pesquisa integrados para que os usuários possam concluir tarefas sem sair da página de busca.

Por enquanto funciona apenas apenas em inglês. Buscas em português podem levar a sites diferentes daqueles que eram objeto da pesquisa. Mesmo assim, sites de notícias brasileiros e alguns perfis das redes sociais aparecem, dependendo da palavra utilizada.

“Troque para a privacidade”

Para conquistar usuários, o You.com lança mão de um apelo que vai ao coração de em uma das maiores vulnerabilidades da gigante americana. Ela convida os usuários a ” trocar para a privacidade”  (switch to private). 

Segundo Socher, o site oferece uma opção de navegação verdadeiramente incógnita, na qual tudo sobre o usuário, incluindo o endereço IP, fica oculto. Mas se precisar acionar a localização para alguma busca que envolva geografia, por exemplo, é possível ligar e desligar o modo privacidade. 

A plataforma garante não ‘vender’ os dados dos usuários para anunciantes. 

Richard Socher disse em uma sessão de perguntas e respostas feita pelo site Product Hunt que teve a ideia há oito anos. O objetivo era tornar o conteúdo seguro e personalizado.

“Não importa em que modo você esteja – privado ou personalizado – nunca venderemos os dados de nossos usuários, nem os seguiremos pela web, nem ofereceremos anúncios direcionados que invadam a privacidade.”

O buscador admite que pode vir a exibir anúncios no futuro. Porém, assegura que as buscas não serão vinculadas aos anunciantes, com publicidade relacionada a uma pesquisa aparecendo automaticamente como acontece no Google – o que o transformou na mais poderosa máquina de propaganda do planeta. 

O CEO não mediu as palavras para falar do concorrente Google. Em entrevistas à imprensa americana, disse que “toda a economia está se movendo online, nas há um guardião: o Google, que invade a privacidade para melhorar o desempenho”. 

Resultados de busca aparecem na horizontal 

A privacidade não é a única diferença. A forma de exibição dos resultados, em cartões dispostos na horizontal, é bem diferente do Google e dos concorrentes. 

Em vez de uma lista de links como no Google e demais mecanismos de pesquisa, os resultados do You.com são classificados em linhas com diversas opções. 

Além de sites, aparecem postagens nas redes sociais, um bloco com resultados de portais de notícias e informações específicas sobre o tema, dependendo do assunto procurado.  A rolagem é feita na vertical para os blocos, e na horizontal para resultados de cada bloco.

inteligência artificial é usada para gerar uma página de resultados mais customizada. Um conjunto de resultados pode ser movido para cima, e o You.com  apresentará os resultados que a pessoa mais gosta nas próximas pesquisas. 

Ao responder a perguntas de usuários, o fundador do You afirmou que o buscador ” abre as portões dos mecanismos de pesquisa anteriores, tornando o conteúdo relevante facilmente disponível por meio de vários aplicativos”.

“Por exemplo, tente encontrar o conteúdo mais relevante em várias fontes ao mesmo tempo. Fontes como Reddit, Quora, Stack Overflow ou Medium precisariam cada uma de sua própria consulta de pesquisa.

Em you.com, eles podem ser pesquisados em um só lugar com uma consulta para permitir que você explore um tópico de muitos ângulos diferentes.”

Os usuários podem  avaliar o conteúdo que aparece, classificando como positivo ou negativo. Dessa forma,  a sequência dos resultados que aparece ao usuário se dá pelo algoritmo e também pela avaliação.

Um conjunto de resultados pode ser movido para cima, e o You.com  apresentará os resultados que a pessoa mais gosta nas próximas pesquisas. 

Foco em desktops

A pesquisa horizontal do You aparece perfeitamente em computadores, notebooks e tablets. Mas em buscas pelo celular os resultados são exibidos na vertical, de maneira similar ao Google.

Na própria plataforma, a empresa explica que o foco, a princípio, é na experiência em computadores. E informa que o objetivo é criar um aplicativo em alguns meses.

Por ser uma versão de testes, em que os usuários estão convidados a colaborar, o sistema pode não estar ainda bem calibrado para a geografia do usuário. Uma busca para Covid a partir de Londres trouxe na primeira linha de resultados páginas do órgão de saúde americano, o CDC, e mais resultados sobre os EUA do que sobre o Reino Unido. 

A faixa dedicada a Notícias também apresentou mais resultados dos EUA do que do Reino Unido ou Europa. O bloco de Quick Facts (Fatos rápidos) ficou vazio. 

Outra busca, para Brasil (com s e não com z, como grafado em inglês) não retornou nenhum resultado em português, mas trouxe uma combinação variada de notícias do país na COP26,, perfil do país,  dicas de turismo e atualizações do mercado financeiro. 

Para quem pesquisa em inglês, o You.com é uma alternativa a ser explorada. A navegação em duas linhas é uma boa experiência, permitindo ver mais resultados simultaneamente. O atalho para outros sites de busca (incluindo Google, Wikipedia e veículos de imprensa) é eficiente.

Os concorrentes do Google  

O novo concorrente do Google não está sozinho no mercado. A também gigante Micrsosoft é dona do Bing, que detém 6% do mercado global, segundo a consultoria StatCounter.

Entre as opções menores e alternativas destacam-se o Brave, o Ecosia e o DuckDuckGo, todos apregoando vantagens na privacidade. 

Mas nenhum deles tem um modelo de apresentação de resultados diferente.

Se a proposta do You conseguir quebrar a resistência de quem já usa o Google há 23 anos ou que nasceu quando ele já dominava inteiramente as pesquisas, pode ter uma trajetória mais bem-sucedida do que a dos demais concorrentes. 

A multa do Google 

Do alto de seu gigantismo, o Google pode não estar se preocupando muito ainda com mais um concorrente tentando ameaçar seu império, sobretudo na semana em que toma um prejuízo bilionário. 

A Comissão Europeia acusou o gigante da tecnologia de utilizar os seus resultados de pesquisa para dar tratamento preferencial ao seu serviço de comparação de preços em relação a competidores.

Mais do que o dinheiro, o Google – e as demais gigantes digitais – receberam um recado. Os reguladores europeus demonstraram que não estão dispostos a permitir direcionem os consumidores para seus próprios produtos. 

Em uma análise sobre a decisão no portal acadêmico The Conversation, um professor de Economia da escola de negócios da Lancaster University, Renaud Foucart, antecipa problemas para as plataformas. 

“Elas agora podem ter que repensar todo o seu modelo de negócios.

 A internet como a conhecemos – na qual a maioria dos serviços é gratuita, mas os consumidores pagam dando seus dados privados – pode chegar ao fim.”

Concorrente do Google em comparação de preços foi rebaixado

Foucart fez um histórico do caso, que começou em 2005, quando um casal britânico, Adam e Shivaun Raff, desenvolveu um serviço de  comparação de preços chamado Foundem. O Google tinha seu próprio serviço de comparação chamado Froogle (agora Google Shopping), que segundo documentos da própria empresa americana, não funcionava bem. 

O Google rebaixou o Foundem nos resultados de busca, mas os criadores não gostaram e depois de tentarem resolver o caso diretamente com a empresa digital, apresentaram em 2009 uma queixa à Comissão Europeia por abuso de posição dominante.

Segundo Foucart, outros serviços de comparação, como Expedia e Yelp, aderiram à reclamação. E concorrentes do Google em outros mercados começaram a acusar a empresa americana de práticas anticompetitivas, com outras reclamações como a da instalação forçada do software do Google nos telefones com sistema operacional Android. 

(Solen Feyissa/Unsplash)

O professor acha que o caso da multa é um marco jurídico.

“Ela está longe de ser a maior imposta pela Comissão Europeia, mas pode ser a mais importante porque os próximos casos de apelação provavelmente usarão este como um precedente”. 

Ele entende que o tribunal endossou a opinião da Comissão Europeia de que o comportamento do Google é anticoncorrencial. E que embora caiba apelação ao tribunal de justiça europeu, o veredicto provavelmente continuará sendo o princípio orientador nos próximos anos, com grandes consequências para os consumidores. 

Enquanto isso, alternativas como o buscador You.com podem não arranhar o império financeiramente, ou conseguir roubar usuários a ponto de ameaçar a hegemonia do Google. 

Mas há um efeito de reputação, que pode ser utilizado como argumento para os que criticam a privacidade e uso de dados. Se der certo, o You.com vai mostrar que é possível operar um sistema de buscas sem expor os usuários aos males apontados pelos críticos do Google e que estão sendo acatados por órgãos reguladores. 

Como o Google apresenta a busca para “You” ?

Coincidência ou não, os usuários do Google que quiserem saber mais sobre o concorrente You.com não vão encontrá-lo em primeiro lugar na lista. Em pesquisa feita na tarde do dia 11/11, a opção no topo da lista é o YouSearch do YouTube, que pertence ao…. Google. 

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