Londres – Uma série associando os incêndios florestais no estado da Virgínia aos conflitos raciais históricos da sociedade americana foi a vencedora da etapa “Fogo” do prêmio internacional Prix Pictet, que destaca entre as fotografias premiadas diferentes interpretações sobre o quarto elemento da natureza.
Fotógrafos de vários países documentaram os efeitos destrutivos do fogo, mas também como ele pode simbolizar renascimento e representar questões sociais contemporâneas, como no trabalho da renomada fotógrafa americana Sally Mann, conhecida por suas imagens em preto e branco e grandes formatos.
As fotografias premiadas e finalistas mostram a presença do fogo em celebrações e seus efeitos sobre as pessoas e sobre o meio ambiente, com registro da vida em um lixão de resíduos eletrônicos no Senegal, do trabalho de um médico para recuperar pessoas queimadas na Índia e da magia dos fogos de artifício no Japão.
As fotografias premiadas
Em “Black water” (2008-2012) , Sally Mann explora os devastadores incêndios florestais na região do Great Dismal Swamp, no sudeste da Virgínia (EUA), onde os primeiros navios negreiros atracaram na América.
Mann traça um paralelo entre o fogo e os conflitos raciais no país:
“Os incêndios no Great Dismal Swamp pareciam resumir o grande incêndio da luta racial na América – a Guerra Civil, emancipação, o Movimento dos Direitos Civis – no qual minha família esteve envolvida – a agitação racial do final dos anos 1960 e, mais recentemente, o verão de 2020”.
“Algo sobre o caráter americano profundamente falho parece abraçar o apocalíptico como solução”.
Veja as imagens finalistas do concurso de fotografia Prix Pictet
Left 3 Days, por Mak Remissa (Camboja)
‘Left 3 Days’ relembra as memórias da infância do fotógrafo durante o genocídio cambojano, particularmente em 17 de abril de 1975, quando as tropas do Khmer Vermelho assumiram o controle e ocuparam Phnom Penh.
“A imagem representa soldados do Khmer Vermelho assumindo o controle da capital do país. Soldados disparavam tiros para o ar, ouvidos a quilômetros ao redor da cidade, enquanto a fumaça das casas em chamas cobria toda a cidade”.
“Minha tia tirou seu filho doente de um hospital na cidade de Phnom Penh, pois os soldados do Khmer Vermelho forçaram todos os pacientes a deixarem o hospital na cidade sem informações, sem remédios e sem outros centros de saúde para onde pudessem ir. Cada família teve que se responsabilizar por si mesma pelos seus familiares doentes”.
“Meu tio carregou seus pertences e parentes por uma longa estrada acidentada, enquanto soldados do Khmer Vermelho montavam guarda ao longo do caminho”.
“Soldados do Khmer Vermelho forçaram todos os residentes a deixarem suas casas na capital Phnom Penh. A maioria dos moradores carregava seus pertences andando pela ruas, passando ao lado de cadáveres”.
LA Fire, por Mark Ruwedel (EUA)
‘LA Fire’ (LA Incêndios) faz parte de um projeto intitulado ‘Los Angeles: Quatro paisagens ecológicas’. As imagens documentam o incêndio de La Tuna, em 2017, considerado o maior da história da cidade.
Incêndio em La Tuna, Apicultor
Paramount Ranch Fire # 4
Fogo nas Montanhas Verdugo # 5
Sepulveda Wildlife Refuge Fire # 5
Burns capaital of the world, por Brent Stirton (África do Sul)
A série ‘Burns capital of the world’ (Capital mundial das queimaduras) documenta jovens se recuperando de queimaduras graves na Índia.
Apesar de mais de seis milhões de pessoas serem queimadas todos os anos, a Índia tem muito poucos locais para queimados em hospitais e clínicas, e os melhores são muito caros.
“Uma menina brinca com uma chama de querosene dentro de uma casa pobre na zona rural de Bengala. Os habitantes usam a chama aberta para iluminar, cozinhar e aquecer. Muitas vítimas estão condenadas a uma vida dolorosa, quando conseguem sobreviver”.
“O renomado cirurgião Subodh Singh, que trata de pessoas pobres, examina um menino com queimaduras infectadas em sua clínica. O médico promove um mutirão anual gratuito para atender a algumas das mais de 6 milhões de pessoas queimadas na Índia.
A maioria das vítimas é pobre e, como milhões de indianos, não têm condições de fazer a cirurgia necessária. Ele dedicou sua vida a fornecer cirurgias transformadoras aos mais pobres em Varanasi, Índia”.
“Ragini Kumari, 10 anos, foi queimada por uma fogueira de querosene quando tinha apenas 2 anos. Sofreu compressão no pescoço e nos ombros e vive com câimbras desde o acidente.
Sua família é pobre e não conseguiu a cirurgia necessária. O Dr. Subodh Singh encontrou Ragini em um acampamento de queimados e providenciou para que ela fosse atendida em sua clínica”.
“O Dr. Subodh Singh examina Kumkum, de 13 anos, para avaliar como realizar uma cirurgia que melhore sua vida. Há um ano ele desbloqueou suas mãos do jovem, e agora vai trabalhar em seu rosto e corpo.
É um processo extremamente doloroso, mas Kumkum deseja desesperadamente a cirurgia. As queimaduras são um grande estigma na Índia e o impedem de ter uma vida normal”.
Dois concursos de fotografia estão com inscrições abertas para profissionais e amadores. Confira
The Prophecy, por Fabrice Monteiro (Bélgica)
A série ‘The Prophecy’ (A Profecia) , finalista do concurso de fotografia Prix Pictet, começou em 2013, quando o fotógrafo retornou à África após vários anos e descobriu que a poluição devastadora havia tomado conta do continente.
A série foi baseada em problemas ambientais no Senegal, como destruição de florestas, incêndios, resíduos de plástico e derramamentos de óleo.
O artista utilizou figuras que inspiradas nas máscaras da África Ocidental, criadas em colaboração com o estilista senegalês Doulsy, que criou fantasias feitas de lixo e materiais naturais.
“Consuminos cerca de 15 mi litros de ar por dia: a qualidade do ar que respiramos é vital para a nossa saúde. Mas em Dakar e em muitas outras cidades africanas, o ar está carregado de substâncias nocivas.
Os veículos movidos a combustível poluem o ar com gases e partículas. O transporte urbano é uma das principais causas da poluição do ar, causando consequências ecológicas e graves doenças respiratórias”.
“Agbogbloshie, no coração de Accra, Gana, abriga um dos maiores depósitos de lixo eletrônico da África. Nesta área, as classes mais pobres de Accra desmontam, recuperam, pesam e revendem peças e metais extraídos de aparelhos descartados e de pilhas de lixo eletrônico.
O principal problema é a queima de cabos eletrônicos para extrair o cobre contido neles. Essa operação é feita principalmente por crianças”.
“Localizado a 30 km de Dakar (Senegal), Mbeubeuss é um depósito de lixo clandestino, onde a cada dia 350 caminhões despejam cerca de 1,3 mil toneladas de lixo doméstico, de Dakar e arredores.
É uma bomba ecológica: desde a sua criação em 1968, o aterro vem crescendo e ganhando cada vez mais espaço, poluindo o solo e as águas no entorno. Mas Mbeubeuss também é uma fonte de renda para 1, 8 mil pessoas que trabalham e ganham a vida no lixão”.
“Aproximadamente 40 mil hectares de floresta desaparecem todos os anos no Senegal, e 4 milhões de toneladas de madeira são utilizadas em cozinhas domésticas. Várias comunidades não tem eletricidade – a taxa de acesso é de apenas de 16% no campo.
Mas o consumo elevado de carvão também se deve aos hábitos tradicionais. O uso extensivo de madeira provoca desmatamento, erosão do solo e desertificação”.
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In the wake, por David Uzochukwu (Áustria/Nigéria)
A série ‘In the wake’ (Em consequência) mostra retratos ambientados em uma paisagem em chamas. Com todo o histórico e marcadores geográficos removidos de cada imagem, os corpos nas fotografias são submersos na paisagem e removidos de sua realidade social.
Fogo Selvagem
Acender
Canibal – Auto-rretrato
Mudanças tectônicas
Wonder Beirut, por Joana Hadjithomas e Khalil Joreige ( Líbano)
A série ‘Wonder Beirut’ (Beirute Maravilha) conta a história de um fotógrafo piromaníaco. O projeto é baseado em cartões postais dos anos 1960 e 1970 que ainda estão à venda nas livrarias libanesas, embora os lugares que retratam tenham sido destruídos em bombardeios ou alterados em programas de reconstrução.
Os artistas criaram um personagem fictício, o fotógrafo Abdallah Farah, imaginando que teria tirado fotos para produzir os cartões postais, depois queimadas para registrar o impacto das batalhas de rua durante as guerras civis libanesas.
Hanabi, por Rinko Kawauchi (Japão)
A série ‘Hanabi’ (Fogos de artifício) começou entre 1997 e 2001, quando Kawauchi morava sozinha em Tóquio e todo verão fotografava fogos de artifício. A série é uma coleção de fotografias que representam essas explosões no céu.
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Smoke, por Lisa Oppenheim (EUA)
Na série ‘Smoke’ (Fumça) a presença de fogo é indicada pela fumaça. Usando imagens encontradas em jornais ou na internet, Oppenheim ‘reprocessa’ as fotografias na câmara escura, usando a luz de um fósforo para expor o negativo.
“Enquanto íamos para Norfolk eu vi o fogo de Enfield, onde um centro de distribuição da Sony foi incendiado por manifestantes. A quantidade de fumaça foi surpreendente, e continuou cobrindo a rodovia no dia seguinte”.
“Homem segurando uma câmera grande fotografando um evento cataclísmico, possível erupção de um vulcão, 1908/2012”
“Espectadores sentados na encosta observando os incêndios consumirem a cidade após o terremoto de San Francisco de 1906, 1906/2016”.
Calendário, 1707-1762/2013
Immolation, por Carla Rippey ( México)
“Meu trabalho começou com uma coleta de imagens de fogo em revistas, jornais e na internet.
Para fazer as colagens da série ‘Immolation’ (Imolação) transferi fotocópias para papeis japoneses usando solvente e uma prensa de gravação, combinando cenas de vulcões, pessoas incendiadas (linchamentos no México), outras atirando fogo (palestinos) ou pessoas ateando fogo a si próprias como forma de protesto”.
Fogo
Imolação
Moda
O claustro
Matter/Burn out, por Daisuke Yokota (Japão)
A série de 2016, ‘Matter/Burn out’ (Queimar matéria), selecionada no concurso de fotografia Prix Pictet, documenta a queima em grande escala de impressões fotográficas na Trienal de Aichi (2010-2016), exposição realizada no Japão com o objetivo de familiarizar o público com a arte inovadora.
Fire, por Christian Marclay ( EUA)
O trabalho ‘Fire’ consiste em uma série de impressões fotográficas que começou como colagens de fragmentos de histórias em quadrinhos, fotos de filmes e imagens encontradas na internet. Mais de 1.500 fotografias mostradas em rápida sucessão sugerem um flip book, criando a ilusão de um fogo bruxuleante.
Vídeo Still
Queimando I
Queimando II
As fotografias premiadas e finalistas foram reproduzidas mediante autorização do concurso de fotografia Prix Pictet e da Candlestar
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