Menos de um mรชs depois de um atentado ao jornal Clarรญn, em Buenos Aires, outro veรญculo de imprensa da Argentina รฉ atacado com bombas incendiรกrias. 

Na noite de segunda-feira (20/12), manifestantes que protestavam contra uma lei envolvendo o uso de substรขncias tรณxicas pela indรบstria de mineraรงรฃo vandalizaram e incendiaram parte das instalaรงรตes do jornal El Chubut, na cidade de Trelew, regiรฃo da Patagรดnia argentina.

Enquanto no ataque ao jornal Clarรญn nรฃo havia quase ninguรฉm no prรฉdio, desta vez a aรงรฃo aconteceu por volta de 19h30, quando jornalistas e funcionรกrios trabalhavam no local, mas ninguรฉm ficou ferido. 

Atentado ao jornal danificou arquivos e equipamentos

Os manifestantes quebraram vidros e lanรงaram bombas incendiรกrias. O setor publicitรกrio foi o mais afetado, sofrendo a perda de arquivos e de computadores.

Janelas da administraรงรฃo do jornal, no segundo andar, foram apedrejadas. Funcionรกrios tiveram que ser evacuados com ajuda dos bombeiros. 

A controversa lei que deu origem ao protesto havia sido aprovada pelo legislativo da provรญncia na semana passada, apesar da oposiรงรฃo de vรกrios setores da sociedade, e foi revogada no dia seguinte ao atentado ao jornal. 

Ela beneficiaria a empresa canadense Pan American Silver, abrindo caminho para a exploraรงรฃo quรญmica de prata, cobre e chumbo em algumas zonas de mineraรงรฃo do local. 

Logo que o projeto passou na casa legislativa, prรฉdios pรบblicos foram atacados e incendiados em Rawson, capital da provรญncia.

O atentado ao jornal na segunda-feira foi convocado pelas redes sociais. Os organizadores propuseram “atacar El Chubut” por sua posiรงรฃo a favor da lei. Imagens do ataque foram postadas nas redes. 

 

Protestos contra ataque ao jornal 

Representantes do governo local, nacional e de entidades de defesa da liberdade de imprensa condenaram a aรงรฃo dos manifestantes. 

O presidente da Sociedade Interamericana de Prensa (SIP), Jorge Canahuati, declarou: โ€œEstamos enfrentando um ataque perigoso ร  vida dos profissionais da mรญdia e ร  liberdade de imprensaโ€.

Carlos Jornet, presidente do Comitรช de Liberdade de Imprensa e Informaรงรฃo da entidade, expressou sua solidariedade aos funcionรกrios do jornal e condenou “o uso da violรชncia contra o jornalismo independente, que nรฃo afeta apenas a liberdade do imprensa, mas tambรฉm a convivรชncia democrรกtica โ€.

A organizaรงรฃo fez um apelo urgente ร s autoridades para investigar, definir responsabilidades e garantir a seguranรงa dos jornalistas.

Atentado a jornal reflete intolerรขncia, afirma associaรงรฃo jornalรญstica 

A Associaรงรฃo de Entidades Jornalรญsticas Argentinas (Adepa) cobrou de todos os poderes constituรญdos aรงรฃo para “acabar com a violรชncia contra quem pensa diferente”, referindo-se tambรฉm ao atentado ao jornal Clarรญn e a um ataque na provรญncia de Rio Negro ocorrido no inรญcio do ano. 

A organizaรงรฃo afirmou ser “absolutamente condenรกvel” que em uma democracia haja uma escalada violenta diante de qualquer dissidรชncia no debate pรบblico,  quase 40 anos apรณs a restauraรงรฃo da democracia no paรญs. 

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A Adepa criticou os manifestantes que atearam fogo ao jornal por expressar posiรงรตes das quais discordam, e tambรฉm falta de firmeza das forรงas do Estado para prevenir o ataque ao jornal e prender os autores, o que considerou sinais de uma “forte degradaรงรฃo da convivรชncia democrรกtica”. 

E cobrou responsabilidade de autoridades que incitam a populaรงรฃo contra a imprensa: 

“As alusรตes estigmatizantes contra a mรญdia e contra jornalistas feitas por altos funcionรกrios pรบblicos, que passaram a comparar a crรญtica jornalรญstica com as botas das ditaduras militares, nรฃo ajudam a restaurar os valores democrรกticos . 

Assim como ameaรงas de processar jornalistas que fizeram seu trabalho, que nada mais รฉ do que investigar e informar a sociedade sobre questรตes de interesse pรบblico que permaneceriam ocultas.”

O atentado ao jornal Clarรญn 

O prรฉdio principal do jornal Clarรญn, de propriedade do maior grupo de mรญdia da Argentina, foi alvo de coquetรฉis molotov lanรงados por um grupo encapuzado na noite de 22 de novembro. 

Ninguรฉm ficou ferido. As chamas que atingiram a portaria do edifรญcio extinguiram-se antes da chegada dos bombeiros. Os autores foram filmados por cรขmeras de seguranรงa.

Alguns jรก foram identificados e estรฃo sendo processados. 

Apรณs o atentado ao jornal Clarรญn, o presidente Alberto Fernandez condenou o ato.

Argentina, 69ยบ em liberdade de imprensa no mundo 

Os atentados a jornais argentinos preocupam porque o paรญs nรฃo figura entre os mais perigosos para a prรกtica do jornalismo. A Argentina ocupa o 69ยบ lugar no รญndice anual de liberdade de imprensa Repรณrteres Sem Fronteiras, que tem 180 naรงรตes, mas caiu este ano quatro posiรงรตes em relaรงรฃo a 2020. 

A RSF aponta como principal ameaรงa ร  mรญdia local a censura por meios judiciais, e nรฃo os ataques fรญsicos que passaram a ocorrer este ano.

A organizaรงรฃo destaca que a polarizaรงรฃo entre a mรญdia estatal e privada ainda รฉ muito forte no paรญs, assim como o uso de aรงรตes na justiรงa: 

โ€œQuando jornalistas e meios de comunicaรงรฃo fazem alegaรงรตes prejudiciais em suas reportagens, especialmente sobre corrupรงรฃo polรญtica, costumam ser alvos de processos civis de difamaรงรฃo que geralmente terminam em indenizaรงรตes destinadas a estrangulรก-los financeiramente. 

Houve tambรฉm algumas queixas criminais em 2020 com o objetivo de intimidar e censurar a mรญdia que expรตe informaรงรตes embaraรงosas de interesse pรบblico.โ€

O paรญs nรฃo registrou ataques diretos a jornalistas recentemente, como os que ocorram em 2017 durante protestos de rua, em que profissionais de imprensa foram reprimidos por policiais. 

Mas os trรชs atentados a jornais em 2021 apontam para uma mudanรงa no quadro, que pode fazer o paรญs perder mais posiรงรตes em 2022. 

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