Londres – A China intensificou a repressão em Hong Kong nesta quarta-feira (29/12), com a invasão da redação do jornal de oposição  Stand News, congelamento de fundos e prisão de seis pessoas.

Entre os presos estão o editor-chefe, o presidente da Associação de Jornalistas local, que é uma os administradores do jornal, e Denise Ho, uma famosa cantora pop que já fez parte do conselho. 

No final da tarde (horário local) o Stand News anunciou nas redes sociais que estava fechando as portas. Ele seguiu o mesmo destino de outro jornal de oposição, o Apple Daily, que encerrou atividades após ter redações vasculhadas pela polícia, profissionais presos e seu dono, o magnata da mídia Jimmy Lai, condenado à prisão. 

Repressão à imprensa e a vozes dissidentes em Hong Kong 

A ação contra o Stand News motivou protestos de vários países.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse em um comunicado: “Apelamos às autoridades da China e de Hong Kong para que parem de visar a mídia livre e independente de Hong Kong e liberem imediatamente os jornalistas e executivos que foram injustamente detidos e acusados .”

Desde que retomou do Reino Unido o controle da cidade, em 1997, o governo chinês foi suprimindo as liberdades gradativamente, embora o acordo que devolveu o território à China estabelecesse que a autonomia seria mantida.

Em 2019, uma onda de protestos de rua explodiu, iniciando-se então uma cruzada de repressão a opositores e ao jornalismo independente que culminou com a extinção, em setembro, do principal grupo de mídia do país.

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O Next tentou resistir mas acabou sufocado pela repressão e pelo congelamento de seus bens, inviabilizando a operação. O Stand News passou a ocupar o lugar de principal mídia pró-democracia em Hong Kong, publicando matérias críticas ao governo e tachadas de subversivas. 

A exemplo do que também tinha acontecido com o Apple Daily, o jornal de propriedade do Next, a operação policial desta quarta-feira foi feita na redação do Stand News e em residências de profissionais ligados ao grupo. 

Os presos na operação que levou o Stand News a encerrar atividades são a advogada Margaret Ng e Denise Ho – ex-integrantes do conselho – o editor Patrick Lam, o vice-editor Ronson Chan, o ex-editor chefe Chung Pui-kuen e o ex editor de ciência Chow Tai-chi.

Coincidência ou não, na véspera Chan havia feito um discurso no jantar anual do HKJA (Associação de Jornalistas de Hong Kong) destacando a importância da liberdade de imprensa como pilar do sucesso da cidade, o que pode ter desagradado ainda mais Pequim.  

Pouco antes do amanhecer, o Stand News transmitiu ao vivo em sua página no  Facebook que a polícia de segurança nacional estava do lado de fora, falando com Chan.

No vídeo, os policiais disseram que tinham um mandado judicial para investigar as acusações de “conspiração para publicar publicações sediciosas” e que ele deveria parar de filmar.

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O departamento de segurança nacional da Polícia de Hong Kong informou em um comunicado que realizou uma busca no escritório da empresa de mídia online em Kwun Tong por “materiais jornalísticos relevantes”, acrescentando que mais de 200 policiais estavam envolvidos na operação.

 A polícia disse que a operação foi autorizada pela lei de segurança nacional de 2020, imposta para conter os protestos pró-democracia.

A prisão das seis pessoas afiliadas ao meio de comunicação foi por “suspeita de conspirar para cometer sedição sob a Lei de Crimes da era colonial”. Sedição é o crime de promover ou incitar revolta.

 

Cantora pop é ativista pró-democracia 

A artista Denise Ho, de 44 anos, havia renunciado ao cargo no Conselho em novembro, mas mesmo assim foi presa em casa. Ela é uma celebridade local e ativista pró-democracia. Sua prisão assustou os fãs e motivou protestos do governo do Canadá, pois ela tem cidadania canadense. 

Denise Ho (foto: Perfil Wikipedia)

É a primeira vez que uma estrela pop famosa é presa por um crime político sob a lei de segurança nacional. Ela postou uma mensagem no Facebook dizendo que estava “de bom humor”.

A prisão provocou reação de ativistas e políticos nas redes sociais.

Ameaças a outros jornalistas do Stand News 

A julgar pelo roteiro seguido pelo governo de Hong Kong comandado por Pequim no caso do jornal Apple Daily, as ameaças a jornalistas e pessoas ligadas ao Stand News não devem acabar com as seis prisões. 

A polícia recolheu caixas de documentos, como documentado pelo site de jornalismo independente Hong Kong Free Press, que podem ser usados para incriminar outros profissionais e apoiadores do Stand News. 

O que diz a polícia de Hong Kong 

Em uma entrevista coletiva, o chefe da polícia de Hong Kong, Steve Lee, justificou a repressão de Hong Kong ao jornal, conforme reportagem do Hong Kong Free Press.

Ele disse que os indivíduos presos desempenhavam “papéis importantes na direção e estratégia editorial da empresa”. Durante a operação da redação, os policiais encontraram computadores, telefones celulares e HK $ 500 mil em dinheiro, disse ele, acrescentando que outros mandados de prisão foram emitidos.

Li acusou o Stand News de publicar “materiais sediciosos” entre a promulgação da lei de segurança em junho passado e novembro de 2021, “com a intenção de causar ódio ao governo, ao judiciário e causar descontentamento entre o público, o que pode levá-los a desobedecer à lei ou ao ordens do governo”.

Esses artigos são normalmente escritos por pessoas que foram presas ou exiladas no exterior que atuaram como blogueiros para a plataforma, disse Li. Algumas também foram entrevistas exclusivas com tais figuras, em que os entrevistados descreveram como pressionaram as autoridades estrangeiras para impor sanções “sem reservas”.

O Hong Kong Free Press relatou que o chefe da polícia afirmou que as reportagens contêm “muitos elementos subjetivos”, por meio dos quais os repórteres podem “usar citações dos entrevistados para entregar uma mensagem ou mostrar simpatia”.

Li também disse que a maioria dos fundos congelados foi transferida para o Stand News de forma “oculta” e a quantia era suficiente para a abertura de um escritório no Reino Unido.

“Por que eles precisam de um escritório no Reino Unido, se eles noticiam as notícias em Hong Kong?” ele perguntou, alegando que o escritório de Londres tinha responsabilidades “suspeitas” que significavam “mais do que apenas reportar.

Ele negou que a polícia esteja tentando regulamentar a mídia, e que a intenção seria apenas responsabilizar as pessoas perante a lei indiscriminada de seu setor ou organização.

Mas o entendimento do que é limite para o jornalismo em Hong Kong está cada vez mais explícito. Neste vídeo, o Secretário-chefe da administração da cidade, John Lee, pede que os jornalistas se distanciem de “maçãs podres” e de “elementos diabólicos”. 

Reação internacional  

O fechamento de mais um jornal de oposição e prisão de pessoas associadas a ele em Hong Kong foi imediatamente noticiado nos principais jornais internacionais e provocou reação de ativistas e entidades de liberdade de imprensa e de defesa dos direitos humanos. 

O Comitê de Proteção a Jornalistas emitiu uma nota condenando a ação da China.

“As prisões de seis pessoas ligadas ao Stand News representam um ataque aberto à já esfarrapada liberdade de imprensa de Hong Kong, à medida que a China aumenta o controle direto sobre a ex-colônia”, disse Steven Butler, coordenador do programa do CPJ na Ásia. 

“As autoridades devem liberar os seis e retirar todas as acusações contra eles imediatamente se Hong Kong quiser manter qualquer aparência da liberdade de que seus residentes gozavam há apenas alguns anos”, completou.

A associação de correspondentes estrangeiros de Hong Kong também se manifestou, expressando “preocupação profunda” com os acontecimentos, classificados como novo golpe na liberdade de imprensa em Hong Kong. 

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