Londres – A violência que tomou do Cazaquistão nos últimos dias, iniciada com protestos contra o aumento do preço do gás,  está atingindo também os repórteres que estão na linha de frente e os veículos de comunicação independentes.

Desde o início dos conflitos entre manifestantes e forças de segurança, em 4 de janeiro, autoridades da ex-república soviética na Ásia Central já prenderam menos oito jornalistas e bloquearam pelo menos dois sites de notícias, conforme relatos colhidos pelo Comitê de Proteção a Jornalistas.

Em um pronunciamento, o presidente do país, Kassym-Jomart Tokayev, criticou “a cumplicidade e até o incitamento dos meios de comunicação “livres”, descritos por ele como “demagogos”, segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras.

Internet suspensa no Cazaquistão

A repressão ao trabalho da imprensa já acontecia antes dos protestos.

Em outubro, fundadores do jornal online HOLA News renunciaram depois de pressões do governo devido à publicações de informações da série de jornalismo investigativo Pandora Papers envolvendo pessoas ligadas ao ex-presidente Nursultan Nazarbayev, ainda hoje chamado de “líder da nação”. 

A cobertura dos protestos desta semana também desagradou.

Repórteres contaram ter sido baleados e atacados tanto por manifestantes como por policiais durante os atos deflagrados por um aumento de 100% do GLP (Gás Liquefeito de Petróleo) no país.

Em meio ao aumento das tensões no Cazaquistão, forças de segurança informaram à imprensa internacional já terem matado dezenas de manifestantes antigoverno na principal cidade do país, Almaty, onde podem ter ocorrido os principais conflitos com jornalistas, segundo o CPJ. 

Por volta das 17h de quarta-feira (5/1), o governo chegou a suspender a internet em todo o país e as telecomunicações na capital Nur-Sultan e na maior cidade do casaque, Almaty, mas os serviços voltaram a funcionar. 

“O CPJ está extremamente preocupado com a situação no Cazaquistão, pois recebemos relatos sobre a prisão de jornalistas e atos de violência contra eles”, disse Gulnoza Said, coordenador do programa do CPJ para a Europa e Ásia Central, em Nova York.

Governo do Cazaquistão tenta controlar imprensa

O Ministério da Informação do Cazaquistão advertiu os  meios de comunicação de que a legislação de estado de emergência autoriza a ampliação para a pena máxima por “espalhar informações falsas conscientemente”, que pode ser de três a sete anos de prisão.

“Apelamos ao governo do Cazaquistão para que cesse a detenção de membros da mídia, garanta o livre fluxo de informações e tome todas as medidas possíveis para assegurar a integridade dos jornalistas no local”, disse o representante do CPJ.

Entre 180 países, o Cazaquistão ocupa o 155º lugar no ranking de liberdade de imprensa da organização Repórteres Sem Fronteiras.

A organização também protestou contra a repressão ao jornalismo no Cazaquistão, condenando as ameaças feitas à imprensa pelo presidente da nação. 

Sites de notícias cazaques inacessíveis

Gulnara Bazhkenova, editora-chefe do site independente de notícias Orda, postou mensagem no Telegram, informando que o site ficou inacessível dentro do Cazaquistão.

O veículo havia informado na terça-feira que os manifestantes pediam a renúncia do governo e o fim da influência do ex-presidente Nursultan Nazarbayev nos assuntos públicos.

Pouco depois, a agência de notícias independente KazTAG  também informou pelo Telegram que seu site ficou inacessível.

Tudo porque a agência se recusou a cumprir uma exigência por escrito do Ministério da Informação e Desenvolvimento Social do Cazaquistão para remover um artigo que o ministério julgou conter “informações propositalmente falsas” sobre o uso da força pela polícia contra os manifestantes.  

Por meio do Telegram, a KazTAG afirmou “considerar as ações do Ministério da Informação um ato de censura, o que é oficialmente proibido na República do Cazaquistão.” Além disso, pediu ao “presidente Kassym-Jomart Tokayev que preste atenção a esta situação.”

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Repórteres detidos no Cazaquistão

Em 4 de janeiro, a polícia de Almaty deteve brevemente Qasym Amanzhol, chefe interino do escritório de Almaty da Rádio Azattyq, o serviço cazaque da emissora financiada pelo Congresso dos Estados Unidos Radio Free Europe/Radio Liberty, enquanto ele filmava protestos na cidade, segundo reportagem no site. 

Apesar de Amanzhol ter mostrado suas credenciais de imprensa, a polícia deteve o jornalista por duas horas na delegacia de polícia de Medeu antes de libertá-lo e se desculpar, mas sem explicar o motivo de sua detenção.

Em outras prisões em 4 de janeiro, a polícia na cidade de Taraz, no sul do país, deteve a jornalista Aizhan Auelbekova, correspondente do jornal independente Vremya; Daniyar Alimkul, correspondente da estação de TV independente 7 Kanal; e Nurbolat Zhanabekuly, correspondente da estação de TV independente 31 Kanal.

Em comum, eles cobriam protestos locais, de acordo com as reportagens. 

Os policiais libertaram Alimkul e Zhanabekuly no local, mas mantiveram Auelbekova por mais de três horas em uma delegacia de polícia da região de Zhambyl antes de liberá-la sem dar o motivo de sua detenção, como contou a jornalista em seu perfil no Facebook.

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Foto: reprodução vídeo RSF

Jornalista agredido 

Em Almaty, a polícia deteve Bek Baitas, um editor da Orda, enquanto ele filmava protestos na noite de segunda-feira, apesar de ter apresentado sua credencial de imprensa, conforme denúncia feita pela jornalista Bazhkenova.

Ela contou que a polícia levou Baitas para a delegacia distrital de Almaly, onde ele foi agredido e teve seu smartphone destruído.  

Em Nur-Sultan, policiais à paisana cercaram o apartamento de Makhambet Abzhan, um repórter do site de notícias independente  Exclusive,  cortando a eletricidade da casa e impedindo que ele saísse à noite.

Ele cobriu os protestos em seu blog do Telegram, o Abzhan News. As denúncias foram feitas por meio do blog. 

Prisão ao vivo

A polícia de Nur-Sultan prendeu também o editor da Radio Azattyq, Darkhan Omirbek, enquanto ele cobria os protestos de segunda-feira à noite, apesar de apresentar suas credenciais. A prisão foi transmitida ao vivo pelo Facebook e o caso denunciado pela Rádio Azattyq.

A polícia levou o repórter para a delegacia distrital de Almaty e interrogou-o por quatro horas e meia antes de libertá-lo. O jornalista disse ao CPJ, por meio de um aplicativo de mensagens, que não está claro se ele é suspeito de cometer algum delito.

Jornalista Darkhan Omirbek (ao centro), preso junto com ativistas enquanto cobria os protestos no Cazaquistão (foto: Twitter)

Em 5 de janeiro, Leonid Rasskazov, repórter da Orda, foi atingido nas costas por uma bala de borracha disparada pela polícia e Baitas foi atingido no rosto por estilhaços de uma granada de choque policial enquanto fazia uma reportagem em Almaty, contou a jornalista Gulnara Bazhkenova.

Suspensa a cobertura nas ruas

O jornalista Omirbek disse ao CPJ que indivíduos não identificados em Almaty atiraram contra em seu colega, o repórter Ayan Qalmurat, da Rádio Azattyq, e o operador de câmera Sanat Nurbek em 5 de janeiro.

A Rádio Azattyq foi então obrigada a tirar os repórteres das ruas devido ao aumento da tensão e do perigo.

Em Nur-Sultan, a tropa de choque atingiu o repórter da Rádio Azattyq, Nurgul Tappayeva, nas costas, contou Omirbek.

Por volta das 11h do dia 5 de janeiro, a polícia de Uralsk prendeu o jornalista independente Lukpan Akhmedyarov e o interrogou em uma delegacia local sobre a alegada participação em uma organização extremista. 

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Ele foi libertado por volta das 14h, com uma intimação para comparecer a outro interrogatório no final daquele dia, às 16h, mas o CPJ não pôde confirmar mais detalhes.

Na mesma data, também em Uralsk, a polícia deteve também Serik Yesenov, um repórter do site de notícias independente do Cazaquistão Uralskaya Nedelya, enquanto ele filmava veículos do Exército no centro da cidade, de acordo com reportagem publicada no site.

Yesenov informou à polícia que era jornalista, mas a situação só piorou: eles agarraram sua câmera, apagaram as imagens e o levaram para a delegacia distrital de Abay, antes de liberá-lo após um período de tempo não especificado, ainda segundo a matéria.

Redações do Cazaquistão invadidas

Na tarde de quarta-feira, manifestantes em Almaty invadiram um prédio onde ficam as redações de várias emissoras de TV, incluindo a estação de televisão independente do Cazaquistão KTK, e as emissoras Mir 24, financiada pela Comunidade dos Estados Independentes, e Sputnik, financiada pelo estado russo.

Na invasão, foram danificados vários equipamentos usados no trabalho. Jornalistas ficaram detidos no prédio por cerca de uma hora, mas conseguiram sair em segurança.

O CPJ disse ter enviado um e-mail ao Ministério do Interior do Cazaquistão e ao Ministério da Informação e Desenvolvimento Social para comentários, mas não recebeu resposta.

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