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Como a crise de Boris Johnson está se refletindo na imprensa, nas pesquisas e nas redes sociais

Imagem: Mark Hillary / Twitter

Londres – Espelhando o (mal) humor da população, a imprensa britânica foi incisiva nas críticas ao primeiro-ministro do Reino Unido, agravando a crise vivida Boris Johnson depois de sua fala no Parlamento nesta quarta-feira (12/1), a respeito de festas ocorridas na sede do governo no auge do lockdown. O mesmo aconteceu nas redes sociais. 

Pela primeira vez, Johnson admitiu que esteve em uma delas enquanto a população era proibida de se reunir. Ele se desculpou, mas ao mesmo tempo apresentou justificativas que provocaram risos no plenário e irritação fora dele. Afirmou não ter se dado conta de que o encontro “era uma comemoração”. 

Uma das manchetes mais fortes foi a do tabloide Daily Mirror, cuja editora de política, Pippa Crerar, é uma das mais respeitadas jornalistas britânicas. O jornal estampou a palavra “desgraça” na capa, elevando as pressões por renúncia. 

Crise de Boris Johnson espalha-se nas redes 

O tratamento impiedoso não vem apenas da mídia. Nas redes sociais, a revolta pela quebra das regras de isolamento social por aqueles que as impuseram não sai dos trending topics britânicos.

Uma das hashtags mais concorridas é #ToriesPartiedWhilePeopleDied (Conservadores festejavam enquanto pessoas morriam), com usuários postando imagens de seus entes queridos sofrendo no dia em que aconteceu a festa com a participação de Johnson.  

Uma análise dos nomes das hashtags mais populares não deixa dúvidas sobre como pensam os usuários das redes, com referências às festas, às mentiras e a uma possível renúncia: #JohnsonOut,  #JohnsonOutToday, #BorisMustGo, #BorisOut e #BorisTheLiar.

Parece até ironia do destino, mas na manhã desta quinta-feira o chefe do governo do país cancelou uma viagem porque um membro de sua família testou positivo para o coronavírus. 

Por outro lado, não deixa de ser conveniente uma boa justificativa para ficar fora dos holofotes da mídia durante uma semana, como rapidamente usuários de redes sociais observaram. 

https://twitter.com/humphreys_dad/status/1481646957009375235?s=20

BYOB, as quatro letras que atingiram Boris Johnson

A imagem do ex-jornalista Johson que virou político, e que por isso sabe como a imprensa e a opinião pública funcionam, já vinha comprometida há um tempo. A pressão já vinha aumentando desde as notícias sobre doações mal explicadas para obras em sua residência oficial e sobre encontros proibidos durante o lockdown em Downing Street, a sede do governo.

Tudo vinha sendo justificado como encontros de trabalho, sem que o primeiro-ministro tivesse participado de nada que não fosse profissional. 

Até que veio uma novidade expressa em uma sigla de quatro letras: BOYB, de Bring Your Own Booze (traga sua própria bebida). Foi a cereja do bolo do “Partygate”.

A sigla comprometedora estava em um e-mail revelado pela emissora ITV. Ele foi enviado a mais de 100 destinatários por Martin Reynolds, secretário pessoal de Johnson. 

Era um convite para um encontro aproveitando o “lovely weather” que fazia em 20 de maio de 2020. Justamente no auge da crise, quando o Reino Unido chorava por mortos, internados e pelos prejuízos de uma Covid descontrolada. 

As sessões das quarta-feiras no Parlamento britânico são denominadas PM Questions (Perguntas ao primeiro-ministro) e acontecem semanalmente, com transmissão pela maioria dos canais de TV. Mas esta última foi especial. 

Algumas emissoras transmitiram com tomadas de helicóptero a ida de Boris Johnson para o Parlamento. Desde cedo, comentaristas e entrevistados revezavam-se para comentar ao vivo o caso.

Depois do pronunciamento em que Johnson pediu desculpas desajeitadas à nação, a conversa mudou para fortes críticas às respostas dadas aos opositores na tentativa de ganhar tempo com o pedido de aguardar o resultado da comissão que investiga a história das festas. 

A conta do programa humorístico Have I Got News For You tuitou dizendo que ” O primeiro-ministro insiste que não percebeu que era uma festa, e retornou ao escritório logo que o equipamento de karaokê foi ligado”. 

Um dos pontos mais criticados da fala foi a afirmação de que o encontro era para reconhecer o trabalho dos funcionários. Não apenas isso não está indicado no email, como é um direito que nenhuma outra empresa ou instituição do país teve no auge da crise da pandemia, quando muitos arriscaram a vida em hospitais e transporte, e não puderam se reunir para festejar. 

Outro ponto questionado no Parlamento foi o fato de Johnson ter destituído ou aceitado a demissão de assessores que haviam se comportado mal, e que por isso deveria fazer o mesmo agora. 

O caso mais retumbante foi o da então chefe da comunicação, Allegra Stratton, que em uma simulação de entrevista ano passado fez troça com a resposta que daria caso as supostas festas chegassem ao conhecimento da mídia. 

Pesquisas constatam extensão da crise 

O caos na imagem do político que tinha altos índices de popularidade apareceu rapidamente nas pesquisas, mas ainda podem piorar, pois elas não captaram o efeito do pedido envergonhado de desculpas. 

O tamanho da corrosão de Johnson foi medido por uma pesquisa do Instituto YouGov para a Sky News, revelada no início da semana, antes da fala desastrosa no Parlamento. 

Pela primeira vez em sua gestão, mais da metade da população (56%) disse achar que ele deveria renunciar e 17% não tinham certeza, restando apenas 27% ainda confiantes em sua liderança. 

O resultado foi comentado nas redes, em alguns casos com a fina ironia inglesa, como a de uma usuária do Twitter que perguntou a respeito dos que ainda apoiam o primeiro-ministro: “o que há de errado com os 27%?”.

Nesta quinta-feira, outra enquete do mesmo instituto para o jornal The Times constatou que um em cada seis eleitores querem que o primeiro-ministro deixe o cargo, incluindo 38% dos que haviam votado em seu partido, o Conservador, nas últimas eleições gerais. 

São os piores índices já registrados, e refletem os atos de alto risco que o primeiro-ministro ousou praticar quando permitiu (ou patrocinou) encontros sociais dentro da residência oficial. 

Crises anteriores de Boris Johnson foram contornadas

Johnson já enfrentou graves denúncias e forte oposição a outros fatos ocorridos em sua gestão. 

Recentemente, foram reveladas mensagens trocadas entre ele e um doador do partido Conservador. Elas sugeriam ajuda financeira para reformas na residência oficial em troca de acesso a ministros para discutir projetos, num episódio que foi jocosamente chamado de “wallpaper for access” (papel de parede em troca de acesso). 

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Boris Johnson, em pronunciamento à nação em 12/12 (reprodução)

A turbulenta saída do Reino Unido da União Europeia também motivou críticas ao primeiro-ministro, até mesmo por parte da metade do país que votou pelo Brexit – e depois se arrependeu ao perceber as consequências financeiras e imigratórias que poucos haviam pensado antes. 

A gestão inicial da Covid foi desastrosa no país, com uma demora na tomada de decisões que acabaria por custar vidas e grandes perdas na economia. 

Mas tudo isso foi sendo contornado com a ajuda do enorme carisma de Boris Johnson, uma figura que muitos acham até folclórica, de gestos largos, frases de efeito e os cabelos desgrenhados que viraram marca registrada e deliciam os cartunistas. 

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Traição e mentira foram a gota d’água 

Desta vez, o que o povo e a imprensa não estão perdoando foi a quebra de confiança no momento crítico da Covid, além das seguidas faltas com a verdade.

A TV repete à exaustão as falas do primeiro-ministro nas últimas semanas assegurando que nunca soube de festa alguma na sede do governo. Os clipes são compartilhados pelas redes sociais. 

O subtítulo da capa do Daily Mirror resume o que levou à atual – e talvez a última – crise enfrentada por Boris Jonhson: 

 “Primeiro, Johnson disse que nenhuma regra foi quebrada … então ele disse que não sabia sobre nenhuma festa … agora ele admite que estava em uma delas … mas não percebeu que era uma festa.”

Isso é percebido como uma traição, agravada pelo fato de que as pessoas que perderam familiares para a Covid não puderam velar seus mortos ou visitar seus parentes doentes em respeito à legislação desrespeitada por Johnson. 

As redes sociais estão cheias de exemplos, como o de um usuário do Twitter que relembra enterros sem parentes, apenas com funcionários vestidos com  roupas de proteção. E afirma que o Reino Unido não perdoará Johnson jamais. 

https://twitter.com/tmwsag4426/status/1481378885610659846?s=20

O desastre da atual crise ensina algumas lições.

Uma delas é o tipo de pecado que a sociedade perdoa. Pelo menos no Reino Unido, corrupção pode até ser perdoada se o governo vai bem. Má gestão também.

Mas mentira e traição estão se demonstrando como os pecados que rompem os limites de tolerância, até no país conhecido pela chamada “fleuma”. 

E que vive ao mesmo tempo duas crises de imagem severas, que se agravaram nesta quarta-feira, quando o príncipe Andrew, o terceiro filho mais velho da rainha, recebeu a má notícia de que o processo a que responde nos EUA por assédio sexual de uma menor vai seguir adiante.

Nas redes sociais, o infortúnio de ambos virou piada, como esta que aproveitou uma foto dos dois juntos e acrescentou a fala: “está sentindo cheiro de m*?”

O que dizem os jornais sobre Boris Johnson 

Os jornais britânicos dividem-se entre os “sérios” e os tabloides, conhecidos por manchetes sensacionalistas e perseguição a famosos. Mas eles são mais do que isso.

Muitos “furos de reportagens” recentes na política britânica foram de autoria de alguns deles. E o acompanhamento de fatos políticos é sempre destaque. 

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Outra característica é que no país os jornais assumem claramente um lado do espectro político, de forma declarada. Cada um apoia um dos dois partidos principais, o Trabalhista (de inclinação para a esquerda) ou o Conservador (mais inclinado à direita). 

O tamanho do desastre de imagem de Boris Johnson pode ser observado pelo fato de que até os jornais alinhados ao seu partido não aliviaram a barra depois de sua fala no Parlamento. 

Um dos principais deles, o Daily Telegraph, onde Johnson trabalhou quando era jornalista e no qual assinava uma coluna semanal (paga) até virar primeiro-ministro, destacou a falta de apoio de um importante integrante do governo, o chanceler Rishi Sunak, uma das apostas para substituir o político na liderança do país. 

A manchete diz “Sunak deixa Johnson no limbo”, referindo-se à manifestação discreta feita pelo chanceler após a sessão no Parlamento. E destacou na capa o artigo de opinião assinado por Juliet Samuel, em que afirma  “Primeiro-Ministro ganha tempo ao custo da zombaria pública admitindo que é um idiota”, em alusão ao fato de ele não ter percebido que a festa era… uma festa. 

O Daily Mirror destacou a palavra “Desgraça”, com a foto de Johnson durante sua fala no Parlamento.

Já o Metro, jornal gratuito distribuído no transporte público e um dos de maior circulação no país, foi mais explícito na ironia sobre as desculpas com ressalvas feitas pelo primeiro-ministro, com a manchete que em tradução livre seria “Pedindo desculpas… mas não arrependido”. 

O mais esquerdista de todos, o The Guardian, apostou no fim do mandato de Boris Johnson com a manchete: “O futuro do Primeiro-Ministro no fio da navalha após o pedido de desculpas”. O jornal relata que há um “escárnio” generalizado por sua alegação de não perceber que estava numa festa.

 

O The Times, que apoia o Partido Conservador, tem sido uma pedra no sapato de Boris Johnson. Com denúncia após denúncia, destacou a resistência do político: “Primeiro-Ministro desafiador se recusa a desistir à medida que as pesquisas caem ainda mais”.

O assunto também dominou a primeira página do Financial Times, causando um baque para a imagem do Reino Unido perante o mundo econômico e financeiro. O jornal fala das pressões do próprio partido Conservador para que Johnson renuncie depois de assumir ter participado de festas durante o confinamento. 

 

O jornal i priorizou em sua chamada de capa o desconforto do partido com Boris Johnson e as gestões para que ele desista do posto.

Já o Daily Express e o Daily Mail ainda parecem nutrir esperança de que o primeiro-ministro siga no cargo apesar de todo o desgaste de imagem. O primeiro insta-o a provar que pode entregar o que prometeu ao país, enquanto o segundo chama a atenção para a “operação de salvamento”

O que pode acontecer com Boris Johnson? 

No regime parlamentarista, o cargo não é do político, e sim do partido escolhido nas eleições gerais. Ao vencer as eleições, o partido escolhe internamente, por meio de eleição entre seus filiados, o nome do primeiro-ministro.

Boris Johnson foi eleito com uma ampla maioria em 2019, depois da renúncia de Theresa May por causa do insucesso nas negociações difíceis do Brexit. 

O atual desgaste de Johnson não é apenas pessoal, mas se estende a todo o partido. E isso pode custar caro a outros parlamentares, que passam a correr o risco de não serem reeleitos em suas comunidades, devido à insatisfação dos eleitores com a conduta do primeiro-ministro que representa o partido. 

Por isso, as pressões para a renúncia não estão apenas nas redes sociais e na imprensa. O pior efeito da crise é a pressão interna, com membros importantes do partido sendo pressionados pelos seus eleitores. 

Um bom exemplo é a do usuário do Twitter que se apresenta como eleitor da comunidade do parlamentar James Daly e pergunta se ele já propôs um voto de desconfiança contra o primeiro-ministro. 

Postagens como esta se multiplicam nas redes e devem estar deixando os assessores de imagem em pânico, medindo os efeitos dos estilhaços da bomba que explodiu sobre Boris Johnson. 

https://twitter.com/StevenOpenshaw/status/1481563674661773313?s=20

Johnson pode renunciar, como fez Theresa May, e uma nova eleição interna definir seu sucessor. Ou pode ser objeto de um pedido de votação, chamado de “voto de não-confiança”, em que se perder, fica obrigado a deixar o cargo. 

Uma petição online já passa de 300 mil assinaturas. 

Mesmo que a crise política seja abafada, a extensão da crise de imagem é tão grande que dificilmente ele conseguiria recuperar a popularidade que chegou a ter no passado, pois a percepção de traição e de desrespeito ao sentimento das pessoas abaladas pela crise do coronavírus é uma ferida difícil de cicatrizar. 

E de novo, as redes sociais já fizeram a possível falta de emprego do político virar piada, como no post de um britânico que vive no Brasil usando a imagem do primeiro-ministro com o rótulo de quem procura uma vaga na rede social LinkedIn.  

https://twitter.com/markhillary/status/1481611682795433986?s=20

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