Londres – Um dia depois das criticadas explicações de Boris Johnson ao Parlamento sobre o escândalo de festas na sede do governo durante o lockdown, uma nova revelação agravou ainda mais a crise de imagem do chefe do governo britânico.
Nesta sexta-feira, Johnson teve que pedir desculpas por duas festas na sede do governo realizadas na véspera do funeral do príncipe Philip, uma delas promovida pelo chefe da área de comunicação. Os eventos foram revelados pelo jornal Daily Telegraph.
Um porta-voz do governo disse que é “profundamente lamentável que isso tenha ocorrido em um momento de luto nacional”, e que o primeiro-ministro pediu desculpas ao Palácio, segundo relatos da imprensa britânica.
Boris Johnson e o ‘Partygate’
Na noite de quinta-feira (13/1), o jornal Daily Telegraph informou que duas festas de despedida, animadas por música e regadas a bebidas alcoólicas, aconteceram na sede do governo na noite de 16 de abril de 2021. As comemorações desrespeitaram não apenas o isolamento social imposto pelo próprio governo, mas também o luto oficial e a dor da rainha, retratada no dia seguinte sozinha na capela, em uma cena que comoveu o mundo.
Uma das festas foi o “bota-fora” do então diretor de comunicação de Johnson, James Slack, que tinha a função de proteger a imagem do governo e acabou por criar um grande constrangimento em sua despedida. Depois das revelações do jornal, ele também se desculpou pela “raiva e mágoa” que provocou.
A notícia de mais uma festa quando o país estava isolado aumenta as pressões pela renúncia do primeiro-ministro.
A crise de reputação vivida por Boris Johnson ganhou o apelido de ‘Partygate’. Trata-se de uma alusão ao escândalo de Watergate, ocorrido na década de 70 nos Estados Unidos. Na ocasião, um informante apelidado de “garganta profunda” passava informações sobre atos do governo de Richard Nixon aos jornalistas Carl Bernstein e Bob Woodward, do Washington Post.
A julgar pela quantidade de fontes que têm vazado notícias sobre festas irregulares, Johnson está vivendo uma situação pior que a de Nixon. Há vários “gargantas profundas” ávidos por fazer revelações cada vez mais constrangedoras.
Essa última é mais grave do que as anteriores, pois afronta a rainha adorada por muitos. E que conta com o respeito mesmo daqueles que são contra a monarquia.
Não há indicações de que o líder do governo tenha participado das festas reveladas pelo jornal. Pelo menos segundo os registros da agenda oficial, naquela noite Boris Johnson estaria na residência oficial de Chequers.
Mas o caso agrava o Partygate, dando mais combustível aos que criticam Johnson por não ter impedido que seus auxiliares quebrassem as regras impostas pelo próprio governo ao país inteiro – incluindo a rainha enlutada e toda a sua família.
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Outro constrangimento para Boris Johnson foi um vídeo que recentemente se tornou público. Nele, sua então chefe de comunicação, Allegra Stratton, referia-se em dezembro a festas realizadas na sede do governo de forma jocosa, em uma simulação de entrevista.
Quando o vídeo veio à tona, exibido pela rede ITV, Stratton pediu demissão do cargo e Boris Johnson criticou sua conduta em uma fala no Parlamento.
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Assessor de Boris Johnson se desculpa
O funeral do príncipe Philip ocorreu na capela privada do Castelo de Windsor no dia seguinte ao das festas, no sábado, em 17 de abril.
O país estava sob restrições de coronavírus e em período de luto nacional. Os planos cuidadosamente elaborados por ele próprio tiveram que ser abandonados devido à pandemia.
No dia em que as festas da equipe de Boris Johnson aconteceram, os britânicos eram obrigados a manter uma distância de pelo menos 2 metros uns dos outros.
Reuniões ao ar livre, inclusive em jardins, estavam limitadas a seis pessoas ou duas famílias. A população era orientada a realizar encontros apenas com vivesse na própria casa ou com os integrantes do mesmo núcleo familiar, como filhos que cuidassem de pais idosos.
Por causa disso, a cerimônia fúnebre do príncipe Philip teve apenas 30 convidados, selecionados de uma lista inicial de 800.
A rainha compareceu ao funeral usando uma máscara facial e socialmente distanciada do resto de sua família, durante o serviço religioso na Capela de São Jorge, no Castelo de Windsor.
Os participantes do cortejo foram obrigados a colocar máscaras antes de entrar na capela. A tristeza da rainha solitária foi destaque em jornais de todo o mundo.
Os planos originais para procissões militares por Londres ou Windsor foram descartados. A família real pediu ao público que não acorresse ao castelo ou às outras residências reais.
O coral do serviço religioso foi limitado a quatro cantores, enquanto os poucos convidados foram proibidos de cantar, em obediência aos regulamentos de prevenção da pandemia.
Investigações do Partygate
Políticos de oposição ao governo de Boris Johnson cobram a apuração rigorosa dos fatos e a responsabilização dos que desrespeitaram as regras.
Usuários das redes sociais pressionam parlamentares nos quais votaram para que apoiem um voto de desconfiança contra Boris Johnson, mecanismo que poderia retirá-lo do cargo de primeiro-ministro.
Mas até a revelação das duas festas na véspera do funeral, a situação parecia estar se acalmando.
A responsável pela investigação nomeada pelo primeiro ministro, Sue Gray, havia sinalizado que o relatório a ser apresentado na semana que vem não seria encaminhado à polícia pela ausência de provas suficientes – e que poderia se limitar a fazer apenas uma censura a Boris Johnson.
Gray é uma ex-funcionária governamental que havia deixado o serviço público no final dos anos 80 para administrar um pub com seu marido.
Ela tem fama de eficiente, e foi convidada por Johnson para substituir o responsável anterior pelo inquérito, o qual também foi acusado de ter participado de uma festa.
A posição de Gray pode acabar mudando diante da escalada das provas de que as festas de fato aconteceram, sem qualquer sinal de que pudessem ser confundidas com encontros de trabalho, como disse Johnson ao parlamento.
O Daily Telegraph informou durante a manhã em sua edição online que Gray investigaria as festas de despedida reveladas pelo jornal.
Dependendo do conteúdo do relatório, o Partygate pode virar caso de polícia.
A Scotland Yard, polícia metropolitana de Londres, vem sendo questionada por não abrir um inquérito, como foi feito com outras pessoas que quebraram as regras de isolamento, com algumas delas tendo sido multadas e até presas.
Nesta manhã, porta-vozes informaram que a Scotland Yard está em contato com o governo sobre o caso, e que “se o inquérito identificar evidências de comportamento que configurem potencialmente uma ofensa criminal, elas serão encaminhadas à polícia metropolitana para análise posterior”.