Jornalista candidato a presidente da França é condenado por discurso de ódio contra crianças migrantes
Luciana Gurgel
Londres – O jornalista e escritor francês Éric Zemmour, candidato da extrema direita à presidência do país, foi condenado pela justiça a uma multa de € 10 mil (R$ 62,8 mil) por discurso de ódio contra crianças migrantes.
O motivo foi um declaração feita em setembro de 2020 durante um debate na TV CNews. Ele afirmou que migrantes menores de idade desacompanhados eram ladrões, assassinos e estupradores, e que por isso deveriam ser enviados de volta aos seus países.
Zemmour apresentou um programa durante dois anos no canal, que por sua inclinação política à direita é conhecido como a “Fox News da França”. O editor-chefe da CNewws também foi punido com multa. Se não pagarem, ambos podem ir para a prisão.
Jornalista lançou-se candidato com bandeira nacionalista
A condenação, anunciada na segunda-feira (17/1) é um golpe na candidatura do jornalista de 63 anos. Pelas regras eleitorais da França, ele precisa reunir 500 endossos de políticos eleitos em todo o país até meados de março para ter seu nome na cédula do pleito de abril.
A declaração dada à emissora de TV não foi um caso isolado em sua polêmica trajetória, que registra passagens por veículos como Le Quotidien de Paris, Le Figaro e canais de TV.
Éric Zemmour aproveitou sua popularidade de jornalista para lançar-se candidato à sucessão de Emmanuel Macron, esperando atrair eleitores desconfortáveis com a presença de imigrantes no país, um problema crônico em toda a Europa.
Seu discurso sempre foi marcado por posições que agradam a grupos de extrema direita. Ele tem outras duas condenações por discurso de ódio, além de 16 inquéritos a respeito de comentários sobre muçulmanos e imigrantes.
Em 2011, Zemmour já tinha sido multado em € 10 mil (R$ 62,8 mil) por alegar na TV que “a maioria dos traficantes de drogas é negra e árabe”.
Em 2018, teve que pagar € 3 mil (R$ 18,8 mil) por comentários sobre o que chamou de “invasão” muçulmana da França.
Na próxima quinta-feira (20/1) o jornalista será julgado em outro processo por declarações sobre nazismo.
Multa diária para o candidato condenado
A condenação de Éric Zemmour nesta segunda-feira foi resultado de um julgamento realizado em novembro de 2021. O jornalista respondeu pelos crimes de “insulto público” e “incitação ao ódio ou violência” contra pessoas devido à sua origem nacional, étnica, religiosa ou racial.
Durante o debate da CNews em 2020, Zemmour respondeu com virulência a uma pergunta sobre um ataque a faca realizado por um jovem imigrante paquistanês radicalizado, alegando:
“Eles não têm nada a fazer aqui. Eles são ladrões, são assassinos, são estupradores, isso é tudo o que são.
“Eles devem ser mandados de volta e nem devem vir. É uma invasão permanente.”
Na época do julgamento, ele não retirou os comentários e insistiu que o debate político não deveria acontecer no tribunal.
Zemmour afirmou que o caso era “outra tentativa de intimidá-lo”, e disse: “eles não vão me calar”.
O jornalista não compareceu à sessão em que o veredito foi anunciado. A multa deve ser paga em parcelas diárias de €100 ao longo de 100 dias. O advogado Zemmour disse que recorreria da sentença.
O candidato já admite que pode não conseguir os endossos de que precisa para concorrer nas próximas eleições, embora continue tentando o apoio de prefeitos e parlamentares.
No Twitter, Zemmour manifestou revolta pela condenação. Ele adotou a narrativa de que estaria defendendo os franceses inocentes, os quais, na sua visão, seriam vítimas dos imigrantes.
“Meus adversários defendem delinquentes estrangeiros contra franceses inocentes.
Defendo franceses inocentes contra delinquentes estrangeiros. Nem a justiça, nem os políticos, nem a mídia, ninguém vai me calar.”
Mes adversaires défendent les délinquants étrangers contre les Français innocents. Je défends les Français innocents contre les délinquants étrangers. Ni la justice, ni les politiciens, ni les médias : personne ne me fera taire.
O candidato distribuiu um comunicado para a imprensa, classificando a decisão de “ideológica e estúpida”. Ele afirma que os “menores desacompanhados” não são uma raça nem um grupo étnico.
Zemmour também terá que pagar indenização a várias organizações de combate ao racismo, incluindo a SOS Racisme e a Ligue des droits de l’Homme.
“Os limites da liberdade de expressão foram ultrapassados”, disse Camille Viennot, representante do Ministério Público. Durante o julgamento ela ressaltou os “comentários desdenhosos e ultrajantes”, que refletiam uma “rejeição violenta” e um “ódio” aos imigrantes.
O editor-chefe da CNews foi multado em € 5 mil ( (R$ 31,4 mil) pelos comentários feitos durante o debate. A promotoria argumentou que o “discurso de ódio” é a “base do negócio” do canal.
Éric Zemmour foi apresentador do programa diário Face à l’Info, transmitido pelo CNews de 2019 a 2021.
Mais processos à vista para o jornalista
Mesmo que consiga reverter a decisão, Zemmour ainda enfrenta outros problemas legais. Na quinta-feira (20/1), ele responderá à acusação de contestar crimes contra a humanidade, o que é ilegal na França.
O motivo foi outro debate na TV, em 2019. Na ocasião, ele argumentou que o marechal Philippe Pétain, chefe do governo colaboracionista de Vichy durante a Segunda Guerra Mundial, teria salvado os judeus franceses do Holocausto.
O novo julgamento pode rever a absolvição obtida por Zemmour no ano passado, quando a defesa conseguiu convencer o tribunal de que ele “teria falado no calor do momento”.
Pesquisador analisou pensamento do jornalista candidato
Em artigo publicado no portal de textos acadêmicos The Conversation, o pesquisador em ciência política Alain Policar analisou o discurso político de Éric Zemmour.
Para Policar, ele quer ligar a grandeza da França a uma suposta posição no topo de uma “hierarquia de culturas ”.
“Esta posição fecha os olhos aos horrores do racismo colonial francês, considerando-o um preço necessário para oferecer aos colonizados sua iluminação moral”, diz o pesquisador.
Policar destaca que para Zemmour, a vida e os valores franceses estão sob a ameaça do Islã, e que o país estaria contaminado pelo “separatismo ”:
“Separatismo” é um termo pesado na França.
Já foi usado para descrever lutas anticoloniais, particularmente na Argélia. Tem sido a acusação padrão lançada ao povo judeu desde a antiguidade, e forma a base de grande parte do antissemitismo moderno .
Mas também é política do governo atual erradicar o “separatismo” por meio de uma nova lei que promova o “respeito aos princípios da República”.
O cientista político aponta que o jornalista candidato à presidência da França também é um grande defensor da “assimilação de migrantes”, conceito que já foi usado para justificar a política de privilégios de que gozavam os colonos franceses, que os transformaram em uma quase aristocracia.
Ele cita o historiador americano Tyler Stovall, que escreveu:
“Foi nas colônias que o entendimento da ideia nacional francesa pela primeira vez se confundiu com a ideia racial de brancura.”
Na opinião de Alain Policar, a defesa desse conceito por Zemmour implicaria em não assimilar certos grupos.
“Ele regularmente argumenta, por exemplo, que o Islã não é compatível com a República – o oposto da política assimilacionista.”
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