O jornalista peruano Christopher Acosta, condenado a multa e dois anos de prisão por um tribunal criminal de Lima junto com o diretor da editora Penguin House, virou mais um exemplo do uso de processo judiciais por parte do Estado ou de figuras políticas para silenciar imprensa e opositores

Acosta e Jerônimo Pimentel foram sentenciados no dia 10 de janeiro em um processo movido pelo político César Acuña em reação a um livro publicado sobre ele pelo jornalista. 

O caso não é isolado. No dia 8 de janeiro, o jornalista Pedro Salinas teve sua casa invadida e o computador confiscado pelo Ministério Público, gerando reações de órgãos internacionais, incluindo a ONU e a União Europeia. 

Condenação e invasão violam liberdade de expressão 

O Conselho de Imprensa do Peru divulgou um comunicado demonstrando preocupação com a liberdade de expressão no país diante dos casos de Acosta e Salinas.

“Em ambos os casos, o Ministério Público e o Poder Judiciário estão se prestando a defender os interesses de grupos e peronagens detentores de poder, tentando impedir que se conheçam fatos que são de interesse público.

A liberdade de expressão, o direito dos cidadãos de ter acesso às informações e o exercício da profissão são direitos fundamentais que estão tentando violar nestes dois casos.”

Jornalista e editor condenados por difamação

Christopher Acosta, editor de investigações da emissora privada de TV Latina Noticias de Lima, é um jornalista altamente respeitado no Peru. 

A pena estabelecida pelo tribunal para o crime de difamação foi de dois anos de prisão com suspensão condicional e  pagamento de uma multa no valor de 400.000 sóis (US$ 102.608) ao político. 

Acuña entrou com sua ação em resposta ao livro “Plata como cancha: Secretos, impunidad y fortuna de César Acuña”, publicado em fevereiro de 2021 pela Penguin Random House Peru. 

O político já foi prefeito, governador, deputado federal e concorreu duas vezes à presidência do país, mas não conseguiu se eleger.

O nome do livro é uma referência a uma polêmica frase de Acuña durante a campanha política de 2015, interpretada como um aceno a aliados com abundância de dinheiro para ajudar na eleição. 

O livro de Acosta é uma investigação sobre a origem da fortuna do político e de seus atos. Várias fontes identificadas afirmam que Acuña se envolveu em compra de votos, apropriação indébita de fundos públicos e plágio.

Ele nunca foi condenado pelos crimes. Em sua decisão de 49 páginas contra o jornalista e o editor, o juiz Raúl Jesús Vega considerou que 35 citações no livro prejudicaram a honra e a reputação de Acuña.

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Judiciário peruano contra jornalistas

O Centro de Proteção a Jornalistas fez um comunicado em defesa do jornalista condenado:

“Estamos indignados com a decisão de um tribunal peruano de condenar Christopher Acosta e Jerónimo Pimentel por difamação pelo livro de Acosta sobre o político César Acuña”, disse Natalie Southwick, coordenadora do programa América Latina e Caribe do CPJ, em Nova York.

“Esta condenação absurda é o mais recente exemplo flagrante de como as leis de difamação criminal e o sistema judiciário peruano são consistentemente usados ​​para sufocar reportagens sobre casos de interesse público.”

Ele disse ao CPJ que todas as alegações do livro contra Acuña estão contidas em citações diretas de pessoas que ele entrevistou, notícias da mídia peruana, investigações realizadas pela Procuradoria-Geral e depoimentos de ações judiciais e audiências no Congresso.

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O jornalista peruano condenado chamou o veredicto de culpado de “absurdo” e disse que, a menos que seja revertida na apelação, a decisão estabelece um perigoso precedente legal de colocar a responsabilidade dos jornalistas de provar as alegações feitas por suas fontes. 

Juiz é alvo de queixa formal

Acosta também declarou que não fazia sentido incluir Pimentel no processo porque, embora ele lidere a divisão peruana da Penguin Random House, não teve nenhum papel na edição do livro.

O advogado de Acosta, Roberto Pereira, entrou com uma queixa formal contra o juiz Raúl Rodolfo Jesús Vega, responsável pela condenação.

De acordo com a queixa, o juiz leu a sentença de forma irregular, com base em um documento não finalizado.

A reclamação afirma ainda que a defesa de Acosta não foi notificada no mesmo dia sobre o veredicto. Segundo ele, após a leitura da sentença, ela deve ser entregue às partes, o que não teria acontecido. 

No documento, Pereira afirma ainda que existem diferenças entre o que foi lido na audiência e a notificação que ele recebeu.

“Isso confirmaria nossa suspeita inicial de que um projeto ou minuta foi lido na audiência e não uma sentença em sentido estrito , o que explicaria por que as partes não foram notificadas imediatamente, mas até que tal conteúdo fosse adicionado e somente após ter uma sentença com todas as formalidades essenciais que esta resolução exige”. 

Pimentel disse que também recorrerá do veredito de culpado. A Penguin House do Peru emitiu um comunicado reclamando da sentença e defendendo a liberdade de expressão. 

Acuña, que terminou em sétimo na eleição presidencial do Peru no ano passado, aplaudiu o veredicto. “Esta é minha chance de mostrar que sou inocente”, disse ele à emissora de TV peruana Willax.  “Não sou contra a liberdade de imprensa, mas sou contra a difamação.”

Jornalista peruano divulga documentos

Após a condenação, Christopher Acosta declarou ter provas de que as acusações feitas por ele em seu livro são verídicas. 

Para tanto, o jornalista enviou arquivos e documentos que comprovassem suas investigações e denúncias. E utilizou seu perfil no Twitter para exibi-los publicamente:

Abro meu arquivo jornalístico e começo a compartilhar com a mídia os documentos nos quais Money Like Popcorn foi baseado.

Hoje, no IDL Reporteros as listas de visitantes ao Serviço Nacional de Inteligência (SIN) entregues por colaboradores de Montesinos ao Congresso: Acuña aparece em todas elas”

Em outra publicação na mesma rede social, Acosta fala sobre a acusação de plágio por parte de Acuña:

“Documentos do meu arquivo jornalístico hoje no La República:

O informe de que a Universidade de Lima enviou a Superintendencia Nacional de Educación Superior Universitária (SUNEDO) comunicando a retirada da tese de Acuña de sua biblioteca por plágio, encontrada em quatro modalidades (documento que o juiz não considerou).”

Liberdade de imprensa e democracia

A notícia da condenação de Christopher Acosta veio dois dias depois de um ato considerado como assédio político e fiscal  contra o jornalista Pedro Salinas.

Ele teve sua casa invadida por representantes do Ministério Público e da polícia e seu computador foi confiscado.

Salinas é autor de uma série de denúncias contra o Sodalício, uma comunidade religiosa acusada de utilizar técnicas para manipular a mente de crianças, adolescentes e jovens que seguiam sua doutrina.

Ele pertenceu à comunidade até os 22 anos, deixando-a em 1987. E liderou uma das mais importantes investigações sobre a vida sexual, física e abuso psicológico cometido dentro da organização, transformadas em livros e até em peças de teatro e expondo a Igreja Católica. 

Grupos de liberdade de imprensa e direitos humanos, associações de editores e vários meios de comunicação peruanos reagiram fortemente contra operação, assim como boa parte da imprensa peruana. 

Também as Nações Unidas, a União Europeia e a Embaixada dos EUA no Peru responderam com declarações declarando que a liberdade de imprensa é fundamental para a democracia

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