Londres – A saga jurídica de Julian Assange teve nesta segunda-feira um capítulo comemorado como vitória pela defesa liderada por sua companheira, Stella Morris.
O Supremo Tribunal decidiu que o fundador do Wikileaks pode solicitar uma audiência ao mais alto tribunal do Reino Unido para apelar da decisão de dezembro, que deu aos EUA o direito de extraditá-lo para responder em solo americano pelo vazamento de segredos de guerra do país.
Os advogados de Assange agora têm 14 dias para fazer o pedido à Suprema Corte, e não há garantia de que a audiência será concedida. Por enquanto ele continua no Reino Unido.
Julian Assange, preso há quase três anos
Julian Assange está preso na penitenciária de segurança máxima de Belmarsh desde 2019, quando foi retirado da embaixada do Equador em Londres, onde se encontrava asilado para escapar da extradição.
Em janeiro de 2021 a extradição foi negada pela juíza distrital Vanessa Baraitser. Ela aceitou os argumentos da defesa de que Assange estava com a saúde mental debilitada e corria risco de cometer suicídio se fosse levado para os EUA.
O Departamento de Estado dos EUA conseguiu revogar essa decisão em dezembro de 2021, abrindo caminho para a extradição, mas a defesa do ativista anunciou que continuaria tentando evitar a transferência.
Após o resultado, ela afirmou que a decisão foi um “grave erro judiciário” e prometeu que a equipe jurídica de Assange “apelaria dessa decisão o mais rápido possível”.
Ela tem dois filhos com Assange, resultado de um relacionamento iniciado quando ele estava refugiado na embaixada equatoriana.
Diante do tribunal, Morris falou sobre a decisão, lembrando o sofrimento do fundador do Wikileaks:
“O que aconteceu no tribunal hoje é precisamente o que queríamos que acontecesse… a Suprema Corte tem bons motivos para ouvir esse apelo”.
“Julian continua sofrendo – por quase três anos, ele está na prisão de Belmarsh, e está sofrendo profundamente dia após dia, semana após semana, ano após ano.
“Mas estamos longe de fazer justiça neste caso porque Julian está preso há tanto tempo e não deveria ter passado um único dia na prisão.”
Jornalismo ameaçado no caso Assange
Embora Julian Assange não seja um jornalista empregado em um veículo de comunicação, o caso é tratado pelas organizações internacionais de defesa da liberdade de imprensa e de expressão como um risco para o jornalismo.
Os segredos militares das guerras do Iraque e do Afeganistão revelados por ele no site Wikileaks foram publicados pela imprensa em todo o mundo.
A punição para a exposição desses segredos é vista como um precedente que pode impedir revelações importantes para a sociedade.
A Federação Internacional de Jornalistas foi uma das que comemorou a decisão desta segunda-feira e cobrou sua libertação incondicional.
#FreeAssange: Some good news for Julian Assange👏🏾. It’s clear that extraditing Julian to the United States would put his life in extreme danger. Once again, we demand his unconditional release. #PressFreedom https://t.co/5ORGpaMywo
— IFJ (@IFJGlobal) January 24, 2022
Julian Assange pode pegar 175 anos de prisão
O fundador do Wikileaks, que completou 50 anos na cadeia em agosto, é processado pelos Estados Unidos sob alegação de uma conspiração para obter e divulgar informações de defesa nacional após a publicação de centenas de milhares de documentos vazados relacionados às guerras do Afeganistão e do Iraque no site.
Ele pode ser condenado a até 175 anos de prisão por 18 acusações.
Os EUA passaram o ano se empenhando em reverter o veredito de janeiro que impedia a extradição.
Em fevereiro a justiça britânica havia concedido ao país o direito de recorrer apenas em três aspectos processuais que não envolviam o laudo médico apontando risco de suicídio, e segundo analistas tinham pouca chance de mudar o veredito.
No entanto, os advogados do Departamento de Estado americano conseguiram reverter esta decisão, e apresentaram à Corte uma série de garantias com o objetivo de atenuar o suposto risco de suicídio, entre elas a de que ele não ficaria submetido a regime especial de isolamento em uma prisão de segurança máxima.
Um dos advogados de Assange, Edward Fitzgerald , disse que as “garantias qualificadas e condicionais” foram apresentadas “tarde demais para serem devidamente testadas” e “não prejudicam as principais conclusões” do juiz distrital que aplicou a lei “estrita e inteiramente de forma adequada”.
Em nova audiência em outubro, o advogado sustentou que a juíza Vanessa Baraister produziu em janeiro um “julgamento cuidadosamente considerado e totalmente fundamentado”, acrescentando que estava “claro” que ela “aplicou corretamente o teste de opressão em casos de transtorno mental”.
E disse ao tribunal: “É perfeitamente razoável considerar opressor extraditar uma pessoa com transtorno mental porque sua extradição pode resultar em sua morte”, acrescentando que um tribunal deve ser capaz de usar seu poder para “proteger as pessoas da extradição para um estado estrangeiro onde não temos controle sobre o que será feito a eles ”.
Planos para matar Assange
Outro fundamento da defesa de Julian Assange na sessão de outubro foram as revelações feitas pelo site de notícias Yahoo em setembro a respeito de planos dos EUA para sequestrar e matar o fundador do Wikileaks em 2007, quando ele estava asilado na Embaixada do Equador.
Na época, Assange entrava em seu quinto ano asilado na embaixada do Equador em Londres, e, segundo o Yahoo, funcionários do governo Trump debatiam a legalidade e a viabilidade de uma operação para retirar o ativista do local, segundo a apuração.
Altos funcionários da CIA e da administração Trump teriam solicitado “esboços” de como assassiná-lo. As discussões sobre o sequestro e possível assassinato de Assange ocorreram “nos escalões mais altos” do governo Trump, disse um ex-oficial da contra-espionagem ao Yahoo.
A defesa de Assange tentou convencer a Suprema Corte de que ele não poderia ser extraditado para um país que tentou matá-lo.
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Assange, problema para Joe Biden
O caso do fundador do Wikileaks começou no governo de Barak Obama, passou por Donald Trump e veio cair no colo de seu sucessor, Joe Biden, pressionado a retirar as acusações contra o ativista.
Na semana passada, a organização Repórteres Sem Fronteiras fez um manifesto pedindo ao presidente americano que se empenhe para restaurar a liberdade de imprensa no país e use sua influência para que seja respeitada em outras nações.
Um dos itens do manifesto é a situação de Julian Assange. A organização disse:
“Enquanto o editor do Wilileaks, Julian Assange enfrenta uma possível prisão perpétua por publicar informações de interesse público, a RSF continua pedindo ao Departamento de Justiça de Biden que encerre o caso de mais de uma década contra o editor do Wikileaks de uma vez por todas, de acordo com seu compromisso declarado de proteger a liberdade de imprensa.”