Londres – O portal de notícias filipino Rappler, fundado e dirigido pela ganhadora do Nobel da Paz Maria Ressa, está sendo ameaçado de mais um processo judicial para se somar aos muitos a que a jornalista que já responde.
O motivo é um artigo de fact checking (verificação de fatos) rotulando como falsa uma declaração da subsecretária de Comunicações da presidência.
Lorraine Marie Badoy usou as redes sociais para anunciar a intenção de processar o Rappler, o serviço de verificação de fake news Vera Files e também o Facebook. Os sites são os representantes das principais rede globais de verificação de fatos para as Filipinas e únicos credenciados pela rede social para esclarecer fake news.
Nobel não protegeu jornalista de ataques
Badoy atua como porta-voz da Força-Tarefa Nacional para Acabar com o Conflito Armado Comunista Local, que faz parte do governo de Rodrigo Duterte.
Ele é conhecido pela perseguição a jornalistas, incluindo Maria Ressa.
Segundo o Centro de Proteção a Jornalistas (CPJ), a acusação feita pela representante do governo refere-se a um artigo publicado no Rappler, fundado e dirigido pela Nobel da Paz, em 31 de janeiro.
O artigo rotula como falsa uma declaração dela de que participantes do bloco Makabayan seriam comunistas.
Na checagem do site, verificou-se que o bloco é, na verdade, uma coalizão política credenciada pela Comissão Eleitoral formada por grupos e indivíduos de listas partidárias progressistas.
Em tom de ameaça, a subsecretária declarou via Facebook que irá “tomar medidas legais contra o Rappler por espalhar sua desinformação que trouxe e continua trazendo grande dano ao nosso povo e ao nosso amado país.”
Na mesma nota, Badoy ameaça ainda adotar medidas judiciais contra o Facebook.
Ela diz que irá responsabilizar a plataforma “por permitir que seus verificadores de fatos, Rappler e Vera Files, abusem dos imensos poderes dessa designação”
O Rappler e o VERA Files são os únicos aprovados pelo Facebook para atuarem como verificadores de fatos no combate à desinformação nas Filipinas.
Mas não são exatamente aliados, apesar de terem sido enquadrados juntos pela secretária de comunicações. Maria Ressa é crítica feroz do poder das plataformas digitais e do próprio Facebook.
A chefe de estratégia digital do Rappler, Gemma Mendonza, disse ao CPJ que o veículo não recebeu nenhuma reclamação legal oficial e que não estava claro sob qual lei poderia ser processado.
‘Afronta à liberdade de expressão’
Na terça-feira, o grupo filipino Movimento Contra a Desinformação (MAD) emitiu uma nota condenando declaração divulgada pela subsecretária.
Chamando a declaração de Badoy de “uma afronta à liberdade de expressão e ao direito do povo de saber”, o MAD disse:
“Nunca devemos permitir que um funcionário público abuse de seus poderes […] a pretexto de proteger os interesses dos cidadãos. Esse tipo de comportamento quebra a confiança do público nos verificadores de fatos e cria um ambiente propício para sua perseguição e acusação.”
Fazem parte do MAD advogados, acadêmicos, grupos da sociedade civil, organizações não governamentais locais e internacionais e outros grupos de defesa preocupados com a desinformação relacionada às eleições.
Site da jornalista Nobel da Paz vítima de red-tagging
A tática do governo de associar jornalistas ou ativistas a grupos de esquerda ou comunistas é conhecida como red-tagging (rotulagem vermelha) nas Filipinas.
Segundo o Rappler, a prática já resultou em processos criminais, detenções e até mesmo o assassinato de ativistas.
De acordo com o CPJ, o próprio veículo já foi vítima do red-tagging. Em março de 2021, a força-tarefa acusou o Rappler de ser “amigo e aliado” e ainda “porta-voz” dos rebeldes comunistas.
A acusação teria sido feita após Badoy se queixar sobre dois artigos de verificação de fatos da agência de notícias online.
Em defesa da liberdade de expressão
A ameaça de Lorraine Marie Badoy é apenas a mais recente dentre as várias acusações e assédios governamentais à Maria Ressa e ao Rappler.
Fundado e dirigido por Ressa em 2012, o Rappler é um dos mais importantes sites de jornalismo investigativo das Filipinas.
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Maria Ressa desafiou o governo de Rodrigo Duterte e outros poderosos ao expor abusos, violência e autoritarismo no país. Por isso, passou a ser bombardeada com uma sequência de processos judiciais.
Desde então se tornou um símbolo mundial de perseguição contra a imprensa.
Prisão após denunciar governo
Em fevereiro de 2019, Ressa chegou a ser presa por por “difamação cibernética” em meio a acusações de vários casos de notícias falsas e sonegação de impostos corporativos.
No ano seguinte, foi considerada culpada de difamações em ambiente cibernético por um tribunal de Manila.
Em um documentário, a jornalista mostrou como é a atuação do sistema de desinformação das Filipinas, que tem como alvo principal as mulheres – incluindo ela mesma.
A obra foi exibida pela TV pública americana PBS.
Jornalista tem Nobel, mas ainda sofre perseguição
Em 2021, a jornalista ganhou o Nobel da Paz juntamente com o também jornalista russo Dmitry Muratov.
Os dois foram escolhidos pelo comitê norueguês do Nobel “por seus esforços para salvaguardar a liberdade de expressão, que é uma pré-condição para a democracia e a paz duradoura”.
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Também em 2021, uma coalizão formada por mais de 80 veículos, liderados pelo CPJ em parceria com o Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ) e a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), criaram a #HoldTheLine.
A campanha tem por objetivo defender Maria Ressa. Centenas de vídeos em apoio à jornalista ganhadora do Nobel foram transmitidos em uma live ininterrupta.
Atualmente, as Filipinas ocupam a 138ª posição entre 180 países no ranking de liberdade de imprensa da Repórteres Sem Fronteiras de 2021.
O Brasil caiu quatro posições e está um pouco à frente do país de Ressa, na 111ª posição.
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