Londres – Vladimir Zelensky, o presidente da Ucrânia que virou figura central no conflito com a Rússia que alarma o mundo, não é o primeiro artista da história a migrar das telas para a política.
Mas a trajetória dele tem lances dignos de filme. Há menos de três anos, ele surpreendeu ao vencer as eleições presidenciais com 74% dos votos do segundo turno, embalado pela popularidade do programa Servant of the People (Servo do Povo).
Na ficção, o então ator interpretava um homem que se tornava presidente do país por acaso.
“Servo do Povo” e o presidente acidental da Ucrânia
Vladimir Zelensky conquistou a presidência com apenas 41 anos, em abril de 2019. Ele tomou o cargo do então líder do país Petro Poroshenko, que tentava a reeleição e terminou com apenas 24% dos votos.
Na série Servant of the People, o personagem Vasyl Petrovych Holoborodko é um professor de história do ensino médio na casa dos trinta anos. Ele é inesperadamente eleito presidente do país depois que um vídeo viral filmado por um aluno o mostra fazendo um discurso cheio de palavrões contra a corrupção do governo.
O candidato explorou bem a associação com a série. Numa bem-sucedida estratégia de marketing, o partido político pelo qual concorreu foi batizado de Servos do Povo.
Líder no centro do conflito com a Rússia sem experiência política
A agremiação foi oficialmente registrada em 31 de março de 2018 e acabou conquistando 124 cadeiras no Parlamento, além da presidência.
A candidatura do ex-comediante foi inicialmente recebida com descrédito e críticas.
Sem experiência política anterior, Zelensky concentrou sua narrativa na diferença com os outros candidatos. Mas sem apresentar ideias políticas concretas, conforme os analistas escreveram na época.
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Durante a campanha eleitoral, Zelensky evitou entrevistas sérias e discussões sobre política, concentrando-se em postar vídeos divertidos nas mídias sociais.
Os eleitores não pareceram se importar muito com isso. Ele venceu o primeiro turno com quase o dobro dos votos de seu adversário.
A associação entre a ficção e a realidade foi ressaltada até nas mensagens oficiais de congratulações enviadas após a eleição.
O então Secretário de Estado do Reino Unido, Jeremy Hunt, tuitou dizendo que Zelensky passaria a ser “o verdadeiro servo do povo”.
Congratulations to Volodymyr Zelenskiy & @zeteam_official on your Presidential election success. You will now truly be the Servant of the People. We look forward to working together as the UK continues to support Ukraine, her chosen Euro-Atlantic path, reform process & security
— Jeremy Hunt (@Jeremy_Hunt) April 21, 2019
Presidente da Ucrânia agradou eleitores ao prometer limpar política
A razão do sucesso de Vladimir Zelensky nas eleições vai além de ser uma celebridade e de assumir um estilo informal na comunicação com o público.
Ele adotou a narrativa de muitos que se lançaram na política a reboque da insatisfação do povo com problemas como crise econômica e corrupção.
O ex-comediante teve como principal bandeira “limpar a política ucraniana”.
Na campanha, ele prometeu acabar com a corrupção e com o controle dos oligarcas sobre a Ucrânia.
Analistas creditam seu sucesso nas urnas à frustração do povo ucraniano com os políticos tradicionais e com o clientelismo. Os eleitores acabaram contagiados por uma figura com carisma e mensagem anticorrupção.
Rússia mandou recado ao novo presidente da Ucrânia
O conflito de fronteira entre a Rússia e a Ucrânia já era motivo de tensão na época das eleições. O país governado por Vladimir Putin apoia os separatistas do leste ucraniano.
O antecessor Petro Poroshenko havia sido eleito depois que uma revolta derrubou o governo anterior ucraniano, alinhado à Rússia.
Em um post no Facebook logo após a eleição de Zelensky, o então primeiro-ministro russo, Dmitry Medvedev, disse esperar que o novo líder demonstrasse “bom juízo”, “honestidade” e “pragmatismo” para que as relações pudessem melhorar.
Mas vaticinou que Zelensky “repetiria fórmulas ideológicas” usadas na campanha eleitoral, acrescentando: “Não tenho ilusões quanto a isso”.
No dia em que foi eleito, o atual presidente da Ucrânia garantiu à imprensa que reiniciaria as negociações de paz com os separatistas do leste.
“Acho que teremos mudanças. De qualquer forma, continuaremos na direção das negociações [de paz] de Minsk e seguiremos em direção à conclusão de um cessar-fogo”, afirmou.
Mas analistas questionavam sua força para combater as intenções de Vladimir Putin.
O ex-presidente derrotado nas urnas foi um dos primeiros a levantar a dúvida. Poroshenko disse achar que Zelensky era inexperiente para enfrentar a Rússia de forma eficaz.
Guerra Rússia x Ucrânia alarma Europa e EUA
O risco de invasão da Ucrânia pela Rússia, que poderia desencadear uma guerra no continente europeu, fez com que vários países se engajassem em um esforço para tentar evitar o plano de Putin.
Nesse assunto Zelensky não tem feito graça. E acabou entrando para o elenco principal da geopolítica internacional. Uma oportunidade que seu talento para o marketing está explorando muito bem.
As contas de mídia social do presidente da Ucrânia estão cheias de posts registrando encontros com grandes líderes globais, como Emmanuel Macron, presidente da França.
Вітаю в Україні доброго друга @EmmanuelMacron. Це – перший візит Президента Франції до нашої країни за останні 24 роки. Переконаний, він буде плідним для наших держав, адже 🇺🇦 й 🇫🇷 зацікавлені в поглибленні співпраці в безпековій сфері та посиленні економічної взаємодії. pic.twitter.com/ibFCFVa3Ds
— Volodymyr Zelenskyy / Володимир Зеленський (@ZelenskyyUa) February 8, 2022
No dia 13 de fevereiro ele conversou com o presidente dos EUA, Joe Biden, e disse ter convidado o líder norte-americano a visitar a Ucrânia.
A conversa foi devidamente registrada nas redes sociais, até com uma certa ‘esnobada’: ele enfatizou que passou uma hora conversando com Biden.
Had an hour-long phone conversation with @POTUS @JoeBiden. Talked about security, economy, existing risks, sanctions and Russian aggression. Details shortly.
— Volodymyr Zelenskyy / Володимир Зеленський (@ZelenskyyUa) February 13, 2022
Mas ele também demostra impaciência com a mídia, tendo reclamado inicialmente que a imprensa estrangeira estaria colocando lenha na fogueira e criando pânico a respeito da possível entrada de tropas russas.
Depois de sair da ficção para a realidade de comandar um país, o ex-comediante tem agora a chance de comprovar a promessa que fez aos eleitores em 2019:
“Eu nunca vou decepcioná-los”.