Londres – A Hungria, onde Jair Bolsonaro esteve na quinta-feira (17), levou ao limite o desconforto com o noticiรกrio sobre a covid-19, adotando uma forma de censura direta: a imprensa independente foi proibida de fazer reportagens em hospitais pรบblicos, privilรฉgio concedido apenas a veรญculos estatais. 

O caso virou uma briga jurรญdica iniciada pelo site de notรญcias de oposiรงรฃo Telex contra o governo de Viktor Orbรกn, um dos 37 governantes incluรญdos na lista de predadores mundiais da liberdade de imprensa da organizaรงรฃo Repรณrteres Sem Fronteiras, da qual Bolsonaro tambรฉm faz parte.

Embora a justiรงa tenha considerado a proibiรงรฃo ilegal, o governo contornou a decisรฃo emitindo na semana passada um decreto que autoriza acesso da imprensa mediante autorizaรงรฃo do รณrgรฃo nacional de gestรฃo da pandemia. 

‘Importante รฉ tratar pacientes de covid, nรฃo fazer reportagens’

A situaรงรฃo foi denunciada esta semana pelo Comitรช de Proteรงรฃo a Jornalistas (CPJ), que cobrou do governo a reversรฃo do decreto.

“As autoridades hรบngaras nรฃo podem conceder ร  mรญdia estatal acesso preferencial a instalaรงรตes pรบblicas e devem garantir que meios de comunicaรงรฃo independentes possam cobrir livremente a pandemia da covid-19”, disse o CPJ em nota. 

A resposta do porta-voz internacional do governo hรบngaro, Zoltรกn Kovรกcs, foi de que durante a pandemia โ€œรฉ importante curar pacientes e nรฃo fazer reportagensโ€. 

Censura chegou junto com a covid 

De acordo com o CPJ, a censura ร  cobertura de imprensa sobre a covid na Hungria chegou junto com a pandemia.

Em marรงo de 2020, foi aprovada uma nova legislaรงรฃo que ameaรงava jornalistas com pena de prisรฃo por divulgar informaรงรตes falsas- sob a รณtica do governo de Orbรกn – a respeito do vรญrus.

Csaba Lukรกcs, chefe da Magyar Hang, uma revista independente do paรญs, disse ao CPJ que a pandemia deixou os veรญculos independentes ainda mais isolados, e que nenhuma pergunta sobre a Covid era respondida pelo governo. 

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Um ano depois, o Telex assinou junto com outros 27 veรญculos de mรญdia independentes uma carta aberta reclamando de obstรกculos para obter informaรงรตes sobre a covid, entendidas como atos de censura para evitar notรญcias desfavorรกveis. 

No texto, eles afirmavam que mรฉdicos e enfermeiros nรฃo podiam falar sobre o coronavรญrus livremente em pรบblico.

E protestavam contra a proibiรงรฃo de equipes de reportagens entrarem em hospitais pรบblicos para informar ร  sociedade o que acontecia lรก dentro. 

Na carta, o grupo de empresas jornalรญsticas acusava o governo de colocar vidas em risco ao impedir a mรญdia de cobrir toda a extensรฃo do surto de coronavรญrus.

A resposta nรฃo foi a esperada. O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbรกn, disse em entrevista ร  emissora estatal M1 que โ€œnรฃo era hora de entrar em hospitais,  gravar vรญdeos falsos e produzir notรญcias falsasโ€.

Informaรงรตes sobre a Covid sob censura 

Inconformado ao ter mais de 50 solicitaรงรตes de entrada em hospitais negadas, o Telex levou o caso ร  justiรงa, com apoio da organizaรงรฃo de direitos civis Society for Freedom (Sociedade para a Liberdade), exigindo tratamento igual ao concedido ร s empresas de mรญdia estatais. 

Em 27 de janeiro deste ano o Tribunal Regional de Budapeste anunciou a sentenรงa desfavorรกvel ao governo.

A decisรฃo foi de que a proibiรงรฃo de acesso dos jornalistas por parte do Ministรฉrio de Recursos Humanos, que supervisiona os hospitais pรบblicos, era ilegal.

A corte ordenou que o governo permitisse que os administradores de cada hospital tomassem decisรตes sobre os pedidos de acesso caso a caso. 

Mas a alegria durou pouco. 

No dia 4 de fevereiro, o governo hรบngaro emitiu um decreto designando o Corpo Operacional, o รณrgรฃo de gestรฃo da pandemia do governo, a julgar os pedidos de acesso de jornalistas a hospitais pรบblicos e unidades de saรบde – e dessa forma retomando o controle sobre as autorizaรงรตes. 

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Segundo o Comitรช de Proteรงรฃo dos Jornalistas (CPJ), trata-se de um recurso encontrado pelas autoridades para nรฃo seguir a decisรฃo judicial de janeiro. 

Na opiniรฃo de Gulnoza Said, coordenador do programa Europa e รsia Central do CPJ, em Nova York, as autoridades hรบngaras deveriam revogar esse decreto, que indiretamente representa uma censura ร  cobertura da Covid no paรญs. 

โ€œOs tribunais hรบngaros jรก determinaram que os jornalistas devem ter acesso a essas instalaรงรตes.

O decreto nรฃo apenas limita o trabalho dos jornalistas, mas mostra atรฉ onde o governo avanรงa ao tentar controlar a cobertura da imprensa.โ€

Emese Pรกsztor, advogado constitucionalista e gerente da Society for Freedom, disse que a organizaรงรฃo estรก examinando como contestar o decreto governamental.

โ€œO respeito pelo estado de direito significa que a autoridade respeita as decisรตes do tribunal, nรฃo as anula pela forรงa.

A legislaรงรฃo arbitrรกria viola a Constituiรงรฃo pelo padrรฃo da Lei Bรกsica, razรฃo pela qual estamos analisando as possibilidades de impugnaรงรฃo do decreto.โ€

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