Londres – Mais uma pesquisa constata a tendência que vem sendo observada em tempos recentes: a chamada fadiga de notícias, que leva o público a evitar o noticiário da imprensa. No entanto, o desinteresse mostrado por este estudo não é generalizado.

A pesquisa feita pela Fundação Gallup para a Knight Foundation revelou que em dezembro passado apenas 33% dos americanos disseram estar acompanhando com muita atenção as notícias nacionais (em sua maioria políticas), uma queda de 19 pontos percentuais em um ano e a menor taxa desde que a medição começou a ser feita.

A boa notícia para o jornalismo americano é que essa fadiga de notícias não se aplicou a outros temas, como notícias locais ou internacionais. Os percentuais de interesse sobre esses assuntos se mantiveram inalterados em um ano, em 21% e 12% respectivamente. 

Fadiga de notícias, ameaça recorrente  

O acompanhamento do interesse dos americanos pelas notícias é feito regularmente pelo Gallup para a Fundação Knight, criando uma série histórica que permite comparar a evolução das percepções do público sobre a mídia.

Foram entrevistados para a pesquisa deste ano 4.221 adultos, entre 23 de novembro e 3 de dezembro de 2021. 

Uma novidade no estudo desta última rodada é que pela primeira vez os eleitores do partido Democrata, de Joe Biden, demonstraram menos interesse na cobertura nacional e política do que os alinhados ao partido Republicano, de Donald Trump. 

O resultado é um sinal de alerta para as redações repensarem a cobertura da política nacional e encontrarem novas formas de capturar a atenção do público, que pode estar cansado dos ataques e da polarização que domina o noticiário político nos EUA – e em boa parte do mundo. 

Entre os fatores para a queda apontados pelo Gallup estão a redução do interesse nas notícias sobre a covid no segundo ano da pandemia e um “senso geral de burnout” de notícias após um ano tumultuado politicamente.

Um ano depois das turbulentas eleições presidenciais que deram a vitória a Joe Biden e tiraram Donald Trump do centro dos acontecimentos políticos, o desinteresse tem se mostrado presente na maioria dos grupos demográficos.

Mas foi “desproporcionalmente pronunciado”, segundo o relatório, entre os eleitores do Partido Democrata com menos de 55 anos. 

2020, um ano sem espaço para fadiga 

Em março de 2020, 56% dos americanos declararam prestar muita atenção às notícias nacionais à medida que a pandemia atingiu uma escala global.

A atenção sobre fatos locais e internacionais também aumentou. De um lado, havia a necessidade de acompanhar as medidas de controle do coronavírus perto de casa e de saber como estava a situação nos hospitais da vizinhança.

De outro, a pandemia causava impacto em viagens, em empresas globais e mudava hábitos, como o de trabalhar em casa.

Alguns países enfrentavam dramas maiores, enquanto outros demonstravam ter a situação mais sob controle. Tudo isso era motivo de atenção dos leitores. 

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Em novembro, logo após a contestada eleição presidencial e em meio à controvérsia sobre a suposta fraude eleitoral, 54% dos americanos relataram prestar muita atenção às notícias nacionais.

Portanto, seria de se esperar alguma fadiga de notícias em 2021 – um ano em que nada de tão novo como a emergência inicial da pandemia e tão mobilizador como as eleições nacionais aconteceu no mundo e nos EUA. 

Contudo, a queda acentuada da parcela dos que disseram estar prestando muita atenção às notícias nacionais (33%) em dezembro de 2021 ficou substancialmente abaixo da média histórica da pesquisa, que é de 46%, segundo a Fundação Knight. 

“Essa queda de pontos é a maior mudança significativa na atenção às notícias que vimos nos últimos quatro anos, dissociada de qualquer fluxo e refluxo de atenção esperados após um grande evento nacional ou político.” 

Fadiga maior entre os democratas 

O interesse pelas notícias nacionais caiu entre os americanos de todas as afiliações políticas, mas entre os democratas é bem maior. 

O índice dos democratas caiu à metade. A parcela de 69% que dizia prestar muita atenção às notícias nacionais em 2020 foi reduzida a 34% em 2020 — uma queda de 35 pontos.

Entre os republicanos, a queda foi bem menor, de apenas 5 pontos, passando de 45% para 40% no mesmo período.

A pesquisa também capturou um declínio de 15 pontos entre os independentes, que não apoiam nenhum dos dois grandes partidos. O índice dos que demonstram interesse pelas notícias foi de 29%. 

O declínio mais acentuado entre os democratas foi o achado mais relevante da pesquisa para a Fundação Knight: 

“Pela primeira vez desde que começamos a medir essa tendência, no início de 2018, os democratas estão menos propensos a prestar atenção às notícias nacionais do que seus colegas republicanos.

Anteriormente, os democratas eram substancial e consistentemente mais propensos a demonstrar interesse em notícias nacionais do que republicanos e independentes.”

Depois de Trump, fadiga de notícias aumentou 

A série histórica da pesquisa mostra um aumento do interesse pelas notícias nacionais pelo menos entre os eleitores do partido derrotado nas eleições.

Os republicanos passaram a prestar mais atenção ao noticiário nacional durante a presidência de Barack Obama, enquanto os democratas o fizeram depois que Donald Trump assumiu o cargo.

No entanto, a última pesquisa não captou um aumento na atenção às notícias nacionais por parte dos republicanos desde a eleição do presidente Biden.

Em um comportamento inverso ao demonstrado nas pesquisas anteriores, a pesquisa registrou agora uma diminuição – embora menor do que a registrada entre os democratas. 

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Obsessão por notícias deu lugar a sentimento de fadiga

Um respondente da pesquisa externou sua obsessão por acompanhar o noticiário na época das eleições presidenciais de 2020:

“Acho que fiquei grudado nas notícias. Eu estava sempre no fivethirtyeight.com checando novidades […]. Comecei a perceber que o Twitter era o lugar para obter as últimas notícias relacionadas à política eleitoral. Eu meio que fiquei obsessivo”

Esse tipo de atenção “obsessiva” às notícias diminuiu drasticamente um ano depois, constatou a pesquisa.

Para a Fundação Knight, a associação da queda do consumo de notícias nacionais à mudança no cenário político nos EUA é apoiada pela conclusão de que o interesse por notícias locais e internacionais em 2021 permaneceu relativamente estável para todos os grupos de afiliação política.

Jovens democratas mais desinteressados 

A faixa etária da audiência também foi examinada pelo Gallup. A pesquisa registrou queda maior no interesse por notícias nacionais entre pessoas mais jovens ligadas ao partido Democrata. 

Entre os democratas com idade entre 18 e 34 anos, 24% disseram que prestam muita atenção às notícias nacionais, o que representa uma queda de 46 pontos percentuais em relação a 2020.

O declínio também foi muito significativo na faixa dos democratas entre 35 a 54 anos, chegando a 41 pontos percentuais – de 70% em 2020 para 29% na última pesquisa.

Entre os democratas mais velhos (com mais de 55 anos), o declínio não foi tão vertiginoso quanto entre os dois grupos mais jovens, caindo 20 pontos, de 68% para 48%.

Oportunidade perdida para a mídia

As oscilações reveladas pela pesquisa demonstram que os meios de comunicação não conseguiram segurar uma audiência conquistada no auge das eleições, sobretudo entre o público mais jovem. 

Em novembro de 2020, o número de entrevistados que disseram estar prestando “muita” atenção ao noticiário político aumentou 25 pontos percentuais entre os democratas mais jovens (18-34) e nove pontos entre os democratas com idade entre 35 e 54 anos em comparação com a rodada anterior da enquete.

O período das entrevistas que registrou o salto coincide com o frenesi pós-eleitoral, quando o então presidente Trump protestava  contra os resultados iniciais da eleição presidencial dos EUA.

Um ano depois, o declínio aparece em todas as faixas etárias, com os mais jovens entre os mais desinteressados.

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