Londres – O crescente movimento antivacina nas redes sociais, que ganhou ainda mais força durante a pandemia de covid-19, tem nas mães um alvo perfeito.

É o que constatou um novo estudo realizado pelos pesquisadores Stephanie Baker, da Universidade de Londres, e Michael James Walsh, da Universidade de Camberra, na Austrália, publicado na plataforma de divulgação científica Taylor & Francis.

O trabalho mapeou como esses influenciadores estrategicamente direcionam suas publicações para conquistar o apoio de mães contra a vacinação infantil, apelando para o chamado instinto maternal e com base em três perfis: a mãe protetora, a mãe intuitiva e a mãe amorosa.

Maternidade é invocada pelos antivacina

Para chegar aos resultados, os autores monitoraram a proliferação de conteúdo antivacina nas mídias sociais por 19 meses, de janeiro de 2020 a julho de 2021.

O objetivo era analisar as técnicas usadas por influenciadores digitais que promovem a recusa de vacinas de forma geral, não só da covid-19, no Instagram.

Os pesquisadores observam que a oposição à vacinação existe desde o surgimento da própria vacina.

“A partir do início da imunização em massa contra a varíola, ainda no século 19, a sociedade sempre registrou ciclos de questionamentos da segurança e eficácia das vacinas contra as mais diversas doenças.”

Enquanto a imprensa desempenha um papel fundamental na divulgação desses diversos pontos de vista, as mídias sociais aumentaram significativamente o alcance do movimento antivacina nos últimos anos, segundo os pesquisadores.

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Eles responsabilizam a internet também pelo nascimento de um exército de “influenciadores de saúde”, sejam eles médicos ou não.

“Muitos criam apenas conteúdo negando — sem base científica — os benefícios de imunizantes”.

No estudo, o principal foco dos pesquisadores foram perfis online que, sozinhos, correspondem a 65% do conteúdo antivacina compartilhado nas redes sociais durante a pandemia, um grupo conhecido como “A dúzia da desinformação”.

Quem são as mães antivacina

Entre as táticas utilizadas pelos influenciadores analisados está a invocação do lado materno das mulheres.

E um dos temas de destaque que eles usam para promover mensagens antivacinas é o da mãe protetora, como os autores da pesquisa explicaram em um artigo no portal acadêmico The Conversation:

“Aqui, o papel principal da mãe é garantir a segurança de seus filhos e protegê-los de riscos.

Esse perfil materno é associado a escolhas alimentares e de estilo de vida das crianças — uma “boa” mãe é aquela que protege seu filho do Estado, dos interesses corporativos e de produtos químicos usados em alimentos e vacinas.”

Para apelar às “mães protetoras”, os influenciadores antivacina fazem publicações de imagens de mães embalando seus filhos acompanhadas por mensagens contrárias à imunização.

A busca dos pesquisadores também encontrou vídeos que trazem textos com caligrafia manuscrita supostamente escritos por mães pedindo desculpas a seus filhos por não protegê-los de danos físicos.

A figura paterna, no entanto, está sempre ausente dessas publicações.

Publicação feita pelo perfil do casal Ty & Charlene Bollinger, que questiona os "mitos da máfia médica", como eles se referem a dados científicos que querem rebater com fake news (Foto: Reprodução/Instagram)
Publicação feita pelo perfil do casal Ty e Charlene Bollinger, que questiona os “mitos da máfia médica”, como eles se referem a dados científicos que querem rebater com fake news (Foto: Reprodução/Instagram)

Intuição e amor pelos filhos também são usados para manipulação

Além do perfil de “mãe protetora”, os pesquisadores encontraram os padrões “mãe intuitiva” e “mãe amorosa” como alvos preferidos dos influencers antivacina no Instagram para incentivar a recusa da imunização em crianças.

“A intuição materna é usada como uma forma superior de conhecimento derivada da emoção bruta e da experiência vivida somente pelas mães e se contrapõe ao conhecimento científico apresentado pelo establishment médico”, diz o trabalho. 

Postagens que querem atingir a mãe intuitiva trazem relatos pessoais na forma de citações, vídeos e publicações dedicadas a futuras mães.

Histórias de mulheres que supostamente tiveram os filhos afetados de forma negativa por imunizantes também são usadas para semear dúvidas sobre a segurança da vacinação.

As hashtags #TrustTheMoms (Confie nas Mães), #MotherKnowsBest (Mães sabem o que é melhor) e #Mothersintuition (Intuição materna) foram as mais usadas pelos influenciadores estudados para construir mensagens envolvendo a sabedoria inata da intuição das mães sobre o que é melhor para os filhos.

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Antivacina, um “ato de amor”

A mãe amorosa é terceiro perfil que os influenciadores antivacina buscam atingir com suas publicações falsas a respeito da vacinação.

Em postagens desse tipo, as mães expressam uma devoção inabalável aos filhos. Os autores desses posts normalmente são mães antivacina, ou seja, mulheres que assumidamente não vacinam seus filhos e incentivam, nas redes sociais, que outras façam o mesmo.

Nesses posts, opor-se firmemente às vacinas é retratado como parte de ser uma mãe amorosa. Uma influenciadora antivacina acompanhada no estudo que tinha foco nas “mães amorosas” fazia diversas publicações em casa com a filha.

Esses posts, no entanto, eram acompanhados por hashtags que divulgavam uma série documental com informações falsas sobre vacinas e tratamentos de câncer da própria influencer.

Na conclusão dos pesquisadores, as publicações pessoais de afeto com a filha eram essencialmente uma jogada de marketing para divulgar o documentário da mulher.

Publicação feita por Sherri Tenpenny contra o uso de máscaras por crianças na rede social Gab (Foto: Reprodução)
Publicação feita por Sherri Tenpenny contra o uso de máscaras por crianças na rede social Gab (Foto: Reprodução)

Mães são vítimas, e não responsáveis pelo movimento antivacina

Há um senso comum, perpetuado na mídia, de que as mães são em grande parte culpadas pelo movimento antivacina. A pesquisa de Baker e Walsh, porém, questiona essa visão ao revelar como as mães são deliberadamente visadas por influenciadores antivacinas.

Perfis online que são contrários à vacina infantil lucram financeiramente ao semear dúvidas, sem nenhuma base científica, sobre a segurança e eficácia dos imunizantes em crianças ao anunciar produtos, serviços e “curas” médicas alternativas à imunização, alertam os pesquisadores. 

Eles recomendam que, em vez de culpar as mães como as únicas responsáveis pela decisão de não vacinar os filhos, a sociedade e as autoridades devem investigar a fundo aqueles que tentam influenciar e manipular as mulheres nessa tomada de decisão.

“A sociedade julgar menos as mães que parecerem hesitantes em relação à vacinação dos filhos e fazer mais para evitar que elas sejam manipuladas facilmente por pessoas com interesses financeiros por trás dessa escolha”.

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