Londres – Um dos filmes mais aguardados do ano, The Batman reconta a histรณria do bilionรกrio que se veste de morcego para combater o crime nas ruas da fictรญcia cidade de Gotham e vendeu US$ 8 milhรตes em ingressos em todo o mundo apenas no primeiro dia, arrecadando US$ 128,5 milhรตes no fim de semana de estreia.
Os nรบmeros mostram que o herรณi nรฃo envelheceu. Ou melhor: envelheceu bem, adaptando-se ao a cada momento histรณrico e refletindo medos, anseios e fatos que marcaram cada รฉpoca.
Esta รฉ a opiniรฃo do professor britรขnico Alex Fitch, um estudioso de quadrinhos, que dissecou a histรณria do homem-morcego ao longo dos anos e credita o sucesso duradouro do personagem ร capacidade de transformaรงรฃo.
De Adam West a The Batman: adaptaรงรตes contemporรขneas
Para Fitch, doutorando em Quadrinhos e Arquitetura pela Universidade de Brighton, na Inglaterra, do caricato Batman de Adam West dos anos 60 ร s versรตes mais sombrias dirigidas por Christopher Nolan, Batman foi representado com uma visรฃo pessoal do Cavaleiro das Trevas por cada diretor.
Isso oferece variedade dentro de uma รบnica franquia e mantรฉm o pรบblico interessado, como aconteceu com o novo The Batman.
O personagem apareceu pela primeira vez nas telas ainda na dรฉcada de 1940, em duas sรฉries para a televisรฃo. A primeira foi filmada durante a Segunda Guerra Mundial. Por isso, as aventuras refletiam a “paranoia da รฉpoca sobre espiรตes japoneses e novas tecnologias”, explica Fitch.
Foram as aventuras para as telas grande e pequena nos anos 60 que consagraram o herรณi entre o pรบblico geral. A sรฉrie “Batman”, estrelada por Adam West e Burt Ward, estava intimamente ligada ร sua รฉpoca, apresentando referรชncias ร cultura pop e com participaรงรตes especiais de astros do momento.
A produรงรฃo tambรฉm tinha estรฉtica camp, desenvolvida nos quadrinhos dos anos 1950, e se tornou marca registrada do Homem-Morcego vivido por West: o humor e as situaรงรตes cรดmicas se sobressaรญam na trama, algo que se perdeu ao longo do tempo para dar espaรงo ao drama obscuro.
Foi nessa รฉpoca que o super-herรณi ganhou o seu primeiro longa-metragem. O filme “Batman” foi lanรงado em 1966 entre a primeira e a segunda temporada da sรฉrie de TV. A produรงรฃo dividia o mesmo elenco, roteirista e diretor de muitos dos episรณdios do seriado cult.
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Batman com ‘estรฉtica MTV’
Batman voltou ร s telas dos cinemas nos anos 80 e 90 moldado pelas visรตes distintas de diferentes diretores.
Tim Burton foi o primeiro cineasta a mostrar o Cavaleiro das Trevas (desta vez vivido por Michael Keaton) como um milionรกrio sombrio com uma histรณria de origem trรกgica que o leva a buscar justiรงa e vinganรงa.
“Batman” (1989) e “Batman: O Retorno” (1992) mostram o interesse do diretor pela โnatureza violenta e grรกfica de certos contos de fadasโ, diz o artigo de Fitch.
O segundo filme de Tim Burton traz a origem do vilรฃo Pinguim, que muito lembra a histรณria infantil alemรฃ Struwwelpeter โ um รณrfรฃo jogado nos esgotos que foi criado por fugitivos de um zoolรณgico abandonado.
Alex Fitch explica:
“Os filmes de Burton tambรฉm refletem uma geraรงรฃo em que os quadrinhos do Batman foram desenhados por criadores peculiares como Frank Miller e Marshall Rogers, que o escritor do longa credita como influรชncias.
E o design de produรงรฃo de ‘Batman’, por sua vez, influenciou as histรณrias em quadrinhos contemporรขneas do herรณi.”
O pesquisador destaca que o final dos anos 80 e o inรญcio dos anos 90 tambรฉm foram um perรญodo em que o cinema adotou o claro-escuro (iluminaรงรฃo de alto contraste) e a moda dos vรญdeos pop, o que se reflete um pouco nos bat-filmes desse perรญodo.
A escritora Kay Dickinson observou a โestรฉtica MTVโ em “Batman Eternamente” (1995), de Joel Schumacher.
Essas influรชncias podem ser vistas nos filmes de Burton com sequรชncias marcadas por mรบsicas pop da รฉpoca. “Partyman”, de Prince, por exemplo, รฉ usada na รญntegra para um nรบmero musical com o Coringa, interpretado por Jack Nicholson.
Herรณis com referรชncias LGBT
Em contraste ร estรฉtica pop, o sucessor de Burton voltou-se para o camp e o esquema de cores brilhantes dos anos 60.
“Batman Eternamente” (1995) e “Batman e Robin” (1997), de Joel Schumacher, estrelados por Val Kilmer e George Clooney, respectivamente, eram consideravelmente mais โberrantes em cores neonโ do que os dois filmes anteriores, destaca o artigo do The Conversation.
Isso talvez ande de mรฃos dadas com uma maior visibilidade LGBTQ+ no cinema dos anos 90, avalia Alex Fitch.
Schumacher, assumidamente gay, negou que tenha retratado os herรณis como um casal, mas hรก referรชncias claras ร exaltaรงรฃo do corpo masculino nos filmes — como o uniforme que delineava bem os mรบsculos e nรกdegas dos personagens principais.
“No entanto, muitos fรฃs consideram a sequรชncia de 1997 como ‘o pior filme de todos os tempos’. Um crรญtico o chamou de ‘tรฃo ruim a ponto de ser totalmente incoerente’.
Por causa disso, a franquia seguiria um padrรฃo semelhante aos filmes contemporรขneos de James Bond, nos quais um filme ‘bobo, mas divertido’ foi seguido por um reboot corajoso quando Christopher Nolan assumiu as rรฉdeas.”
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Universo sombrio de Nolan preparou terreno para The Batman
A trilogia do Batman dirigida por Christopher Nolan entre 2005 e 2012 trouxe um grau de realismo ร sua visรฃo do Cavaleiro das Trevas, apesar de pecar ao retratar vilรตes, afirma o professor.
“Este foi um perรญodo em que os filmes de super-herรณis refletiriam as preocupaรงรตes contemporรขneas sobre a ‘ameaรงa do terrorismo ou a crise financeira'”.
Nรฃo querendo perder essa qualidade, os trรชs primeiros filmes com o Batman de Ben Affleck mantiveram uma pitada sombria ao mesmo tempo em que interagiam com personagens mais coloridos da DC Comics em “Batman vs Superman: A Origem da Justiรงa” (2016), “Esquadrรฃo Suicida” (2016) e “Liga da Justiรงa” (2017).
“No entanto, a aparรชncia geral e o tom desses filmes foram projetados para contrastar com o ‘pop amplamente atraente’ dos filmes contemporรขneos da Marvel, com a visรฃo do diretor Zack Snyder sugerindo ‘resultados negativos, sombrios ou cรญnicos que tornam ficรงรฃo mais autรชntica’โ.
O diretor de “The Batman”, Matt Reeves, tem a reputaรงรฃo de conciliar um senso de realismo com uma estรฉtica de quadrinhos. Todos os gadgets e equipamentos estรฃo lรก, mas, como observa um crรญtico citado por Alex Fitch, a versรฃo de Reeve รฉ โโmais um โdrama policial dos anos 70 do que um grande sucesso de bilheteriaโ.
Para o pesquisador, as diversas facetas do Batman nas telas ao longo de mais de 80 anos formam um “remix contemporรขneo” para a construรงรฃo do personagem naquele perรญodo retratado, ficando em algum lugar entre o pop e o neo-noir.
Em crรญtica ctiada no artigo, Pattinson elogiado por interpretar um Batman โcom uma vulnerabilidade atraente, um filantropo bem-intencionado cedendo ao peso da culpa de ser brancoโ โ um Batman para nossos tempos.
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