Tropas russas invasoras da Ucrânia estão aplicando uma nova tática para coagir jornalistas durante a guerra. Quatro profissionais ucranianos ligados à agência de notícias MV foram detidos na segunda-feira (21) e mantidos reféns por algumas horas antes de serem libertados.

Enquanto estavam em poder dos soldados russos, os jornalistas tiveram “conversas preventivas” com o objetivo de desencorajar reportagens sobre o conflito armado.

No mesmo dia, a repórter Viktoria Roshchina, do canal ucraniano independente Hromadske, foi libertada depois de 10 dias detida em território controlado pelo exército da Rússia.

Jornalistas são sequestrados e detidos durante a guerra

Ambos casos foram reportados pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), que denuncia a prática das forças russas na Ucrânia como forma de impedir que a imprensa nacional e estrangeira cubra a guerra livremente.

A jornalista Viktoria Roshchina desapareceu a caminho da cidade de Mariupol no dia 11 de março, informou o CPJ. Ela estava cobrindo os principais pontos de ataques russos no leste e sul da Ucrânia desde o início da invasão ao país, em 24 de fevereiro.

A emissora de televisão independente ucraniana Hromadske anunciou em um comunicado que a repórter foi libertada no dia 21 de março.

Segundo a empresa, a jornalista foi detida em território controlado pela Rússia por “invasores” que a forçaram a gravar um vídeo – postado na mídia e redes sociais pró-Kremlin – no qual ela negou ter sido detida pelos russos.

O comunicado afirma que Viktoria dirá “toda a verdade sobre a detenção e o cativeiro em um futuro próximo”. Ela está atualmente em território controlado pela Ucrânia e indo ao encontro da família.

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Gulnoza Said, coordenador do programa do CPJ na Europa e Ásia Central, em Nova York, condenou o sequestro dela e dos demais jornalistas ucranianos:

“Vários jornalistas desapareceram ou foram detidos em circunstâncias obscuras desde o início da guerra, e esses incidentes servem apenas para assediar a imprensa e sufocar a reportagem independente.”

No início da semana, o jornalista ucraniano Oleh Baturyn, repórter do jornal Novyi Den, também foi libertado após seu paradeiro ficar desconhecido por oito dias.

Ele não identificou seus captores, mas disse que foi humilhado e ameaçado de execução durante o período em cativeiro.

Guerra na Ucrânia: jornalistas foram coagidos em ‘conversas preventivas’

No mesmo dia em que Viktoria Roshchina foi libertada, quatro profissionais de imprensa ligados à agência de notícias ucraniana MV foram detidos por soldados russos.

O editor executivo do MV Yevgeniya Boryan, os jornalistas Yuliya Olkhovskaya e Lyubov Chayka e o editor aposentado Mykhaylo Kumok tiveram as casas invadidas pelo exército da Rússia na cidade de Melitopol, denunciou o Sindicato Nacional de Jornalistas da Ucrânia.

Há uma semana, as forças russas libertaram o prefeito da cidade, Ivan Fedorov, após duas mil pessoas irem às ruas protestar contra a detenção do político.

Os profissionais do MV, assim como alguns de seus familiares, foram levados para um local não revelado. Eles também tiveram os celulares e computadores apreendidos.

Em um post no Facebook, a filha de Kumok, Tatiana, que foi detida com o pai e a mãe, relatou que os soldados deram aos jornalistas “conversas preventivas” para desencorajar reportagens sobre a guerra e depois os libertaram.

Tatiana escreveu que os homens, aos quais ela se referiu como “invasores”, estavam “provavelmente tentando obter cooperação” dos jornalistas para dissuadi-los de fazerem matérias negativas sobre a invasão russa na Ucrânia.

 

O Sindicato Nacional de Jornalistas ainda reportou que a redação do MV foi revistada na semana passada por pessoas não identificadas.

Anna Medvid, diretora-geral da agência de notícias, afirmou que os homens que foram ao local queriam que os jornalistas fossem “leais e solidários. Eu não concordei e nos separamos.”

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Na Rússia, nova lei aumenta repressão contra jornalistas

Mas não são somente os jornalistas ucranianos que sofrem repressão na cobertura da guerra.

Na Rússia, o repórter Andrey Novashov foi detido na segunda-feira (21) por autoridades da região siberiana de Kemerovo.

Novashov é um repórter do projeto Sibir.Realii da emissora financiada pelo governo dos Estados Unidos RFE/RL (Radio Free Europe / Radio Liberty).

Ele é acusado de distribuir informações “falsas” sobre a guerra na Ucrânia por causa de uma publicação feita em 10 de março na rede social russa VKontakte.

Na plataforma, ele compartilhou um relato de testemunha ocular dos ataques russos à cidade ucraniana Mariupol, feito originalmente por um jornalista que estava no local.

Se condenado por espalhar “notícias falsas” sobre os militares russos, Novashov pode pegar até 15 anos de prisão de acordo com a nova lei de censura aprovada no início deste mês pelo governo da Rússia.

Reportagem da RFE/RL afirma que o jornalista está detido em um centro de detenção temporária.

Em sua página no VKontakte, Novashov frequentemente compartilha notícias e comentários sobre a política russa e a guerra na Ucrânia. A postagem de 10 de março tem cerca de 580 visualizações.

No Sibir.Realii, Novashov cobriu notícias locais em Kemerovo, incluindo protestos contra a invasão da Ucrânia pela Rússia e a repressão policial que se seguiu.

O CPJ também denuncia que, em 18 de março, as autoridades russas interrogaram a repórter do Sibir.Realii Svetlana Prokopyeva, ganhadora do Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa 2020. 

Outra jornalista do veículo, Yulia Paramonova, também foi convocada por autoridades em Kaliningrado para falar sobre seu trabalho com a afiliada da RFE/RL.

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