As teorias conspiratórias e mitos difundidos pelo QAnon parecem sem fundamento, e muitos apostavam que o movimento se dissolveria após a saída de Donald Trump da presidência americana. 

Não foi o que aconteceu, como demonstram várias pesquisas recentes, embora uma das principais crenças era a de na última hora o ex-presidente conseguiria se manter no cargo.

O pesquisador americano Ian Huff, do Public Religion Research Institute (PRRI), identificou os quatro principais mitos relacionados ao futuro do QAnon que as pesquisas recentes contradizem, como o de que o movimento seria restrito a republicanos conservadores e às profundezas da “dark web”. 

O que é o QAnon

O QAnon é um movimento de extrema-direita que tem como guru uma figura anônima que só se manifesta em mensagens enigmáticas pela internet e atende pelo nome de Q.

Embora iniciado nos Estados Unidos, ele acabou se espalhando pelo mundo e influenciando comportamentos como o negacionismo da Covid, o movimento antivacina e a condenação aos EUA por atos relacionados à guerra na Ucrânia. 

Por ter a visão apocalíptica de que um dia de ajuste de contas está próximo (conhecido pelos seguidores como “A Tempestade” ou “O Grande Despertar”), o movimento assume ares de seita religiosa. Só que o todo-poderoso venerado é Donald Trump. 

Atuando como uma rede viral de apoio ao Partido Republicano, o QAnon defende  que Trump foi eleito para proteger os norte-americanos e comandar uma guerra secreta (a Operação Storm) contra uma elite mundial de pedófilos adoradores de Satanás (a cabala) que trafica e abusa impunemente de crianças, além de sumir com elas (geralmente em túneis).

Os adeptos mais radicais adicionam as práticas de canibalismo e a extração de uma substância do sangue das crianças para o prolongamento da vida e a manutenção da juventude.

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Ao longo de 2021, o PRRI rastreou a concordância dos norte-americanos com três declarações que formam os pilares das crenças da QAnon:

(1) O governo, a mídia e o setor financeiro são controlados por um grupo de pedófilos adoradores de Satanás que administram uma operação global de tráfico sexual infantil;

(2) Há uma tempestade em breve que varrerá as elites no poder e restaurará os legítimos líderes;

(3) Como tudo saiu de controle, os verdadeiros patriotas americanos podem ter que recorrer à violência para salvar o país.

Aqueles que concordaram com todas as declarações foram classificados pelo instituto como apoiadores do QAnon; quem discordou completamente das três afirmações, foi identificado como contrário ao grupo de extrema direita, e quem ficou indeciso, mas discordou da maioria das frases, foi rotulado como cético à teoria de conspiração.

A partir dessa classificação, o PRRI identificou os quatro principais mitos sobre o QAnon entre aqueles que não acreditam na força da teoria conspiratória.

Mito 1 : QAnon seria apenas uma crença da internet

Os dados do PRRI mostram que 16% dos americanos – cerca de 41 milhões de pessoas, acreditam no QAnon mesmo depois que o “Grande Despertar” que manteria Trump na presidência não aconteceu. 

E esse público não se limita apenas aos cantos mais sombrios da internet. Muitas dos presos por causa da invasão ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021 proclamaram laços com QAnon, assim como os caminhoneiros que protestaram contra as medidas anti-covid nos EUA em fevereiro deste ano. 

Além disso, 56 candidatos atuais ou ex-candidatos ao Congresso em 2022 apoiaram o movimento QAnon ou o citaram nas redes sociais.

Mito: QAnon seria composto apenas por alguns republicanos ultraconservadores

Menos da metade dos apoiadores do QAnon se identifica como republicano (43%). Outros 27% se identificam como independentes, 19% como democratas e 12% outra coisa.

Partidarismo e ideologia ainda são fatores importantes para quem prospectar quem acredita no QAnon. Em um modelo projetado pelo PRRI, republicanos e moderados são cerca de duas vezes mais propensos do que democratas e liberais, respectivamente, a serem seguidores das teorias conspiratórias do QAnon.

Além disso, os americanos que se identificam como conservadores são quase três vezes mais propensos a acreditar no movimento de extrema-direita do que aqueles que se identificam como liberais.

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Mesmo com Trump não estando mais no cargo de presidente dos EUA, o movimento continua estável em número de apoiadores, com a proporção de novos seguidores aumentando ligeiramente em 2021.

Em março, 14% dos americanos acreditavam no QAnon, em comparação com 16% em julho, 17% em setembro e 17% em outubro.

A proporção de céticos do QAnon permaneceu relativamente estável (46% em março, 49% em julho, 48% em setembro e 49% em outubro), enquanto a participação daqueles que rejeitam o QAnon diminuiu significativamente, de 40% em março para 35% em julho, 35% em setembro e 34% em outubro.

Além disso, Trump continua a dominar como figura líder do movimento mesmo após sua derrota eleitoral e a posse do presidente Joe Biden.

Sete em cada dez seguidores do QAnon (69%) concordam que a eleição de 2020 foi roubada de Trump, em comparação com cerca de metade do número de céticos do QAnon (36%) e apenas seis por cento dos rejeitadores do QAnon.

Mito: Ninguém acredita de verdade que pedófilos administram o governo dos EUA

Quase um em cada cinco americanos (16%) concorda com a afirmação: “O governo, a mídia e o setor financeiro são controlados por um grupo de pedófilos adoradores de Satanás que administram uma operação global de tráfico sexual infantil”.

O apoio à declaração é ainda maior entre os republicanos (23%), os americanos que mais confiam na Fox News (23%) e os que mais confiam em meios de comunicação de extrema-direita, como One America News Network (OANN) ou Newsmax (42%).

Vários republicanos proeminentes fizeram recentemente comentários que implicam que seus oponentes são ou apoiam pedófilos.

Em março de 2022, um porta-voz do governador da Flórida, Ron DeSantis, disse que alguém que se opõe ao controverso projeto de lei “Não Diga Gay” é “provavelmente um abusador de crianças”.

Na Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), em fevereiro, a conservadora Candace Owens acusou os oponentes políticos de terem tendências pedófilas e de “sexualizar” crianças falando sobre identidade de gênero.

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