Usuários do Facebook que demonstram interesse em conteúdo negando a existência ou os efeitos das mudanças climáticas estão sendo direcionados cada vez mais para publicações com desinformação sobre o tema pelos algoritmos da plataforma, em vez de serem expostos a informações cientificamente comprovadas capazes de neutralizar o efeito das fake news.

A constatação foi feita pela ONG Global Witness, que fez uma investigação utilizando dois perfis para simular a experiência de usuários reais no Facebook: “Jane”, uma cética do clima, e “John”, que interagia com páginas de órgãos científicos confiáveis, comprovando o direcionamento para a tese que cada um já acreditava. 

A propagação de fake news é visto por especialistas como uma das barreiras para atingir a meta proposta pelo novo relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre o Clima) das Nações Unidas, publicado na segunda-feira (4), demonstrando que 2025 é o limite para que a média anual global das emissões de gases do efeito estufa comece a cair.

Facebook destaca fake news sobre mudanças climáticas

O experimento da Global Witness, sediada em Londres e com escritórios em Bruxelas e Washington, rastreou o que o algoritmo do Facebook sugeria para os perfis de Jane e John a partir de suas configurações iniciais.

Ao dar like e começar seguir páginas com conteúdo negacionista apoiadas por grupos conservadores,  Jane recebia imediatamente recomendações de outras que também desqualificam fatos científicos sobre a crise do clima — evidenciando as falhas do Facebook em cumprir suas promessas para combater a desinformação climática. 

Com o perfil desenhado para ser uma cética do clima, Jane logo viu em sua timeline conteúdos que classificam fatos científicos como “farsas” e atacam medidas para mitigar seus efeitos.

Ao curtir a página “Net Zero Watch”, uma organização que combate as políticas climáticas e vinculada ao deputado conservador britânico Steve Baker, por exemplo, Jane foi recomendada a seguir também o “Climate Depot” — página administrada pelo norte-americano Marc Morano e parte do CFACT, um grupo que chama as mudanças climáticas induzidas pelo homem de “um mito”.

Na esmagadora maioria dos casos, um padrão semelhante continuou ao longo da simulação. O perfil de Jane viu publicações que descreviam a ONU como um “regime autoritário que tem menos credibilidade do que o Pernalonga” e acusavam o “ movimento verde” de “escravizar a humanidade”.

A investigação da ONG constatou que, à medida que a simulação se aprofundava, o Facebook começou a recomendar até mesmo teorias da conspiração anticlimáticas, como a “chemtrail”, que afirma que a condensação deixada pelos aviões contém agentes químicos que controlam o clima.

Em outro exemplo, Jane curtiu uma página do Facebook chamada “I Love Carbon Dioxide”. Uma publicação que apareceu na timeline dela misturava fatos com mentiras relacionadas ao ex-vice-presidente dos EUA Al Gore

Em 2009, ele citou cientistas do clima, dizendo que havia 75% de toda a calota polar do Polo Norte durante alguns dos meses de verão possa estar completamente livre de gelo nos próximos cinco a sete anos.

A publicação ironiza a estimativa, apesar de Gore não ter feito uma previsão de que “todo o gelo derreteria até 2013”, como bem destacou a BBC News, nem repetir essas alegações nos próximos anos, como sugere o post.

No total foram recomendadas 18 páginas na simulação inicial, sendo que apenas uma não continha nenhuma desinformação climática. Dois terços das páginas foram dedicados exclusivamente à fake news ou teorias da conspiração relacionas ao clima.

A partir desse primeiro momento, durante um período de cerca de dois meses, Jane foi recomendada cada vez mais conteúdo conspiratório e anticientífico, dizem os pesquisadores.

As páginas que mostravam informações falsas não continham um rótulo de aviso apontando para o centro de ciência climática do Facebook, canal de informações criado no ano passado, depois que o presidente-executivo da Meta, Mark Zuckerberg, assumir ao Congresso americano que a desinformação climática era “um grande problema” na plataforma.

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Perfil no Facebook de John mostrava informações confiáveis

Enquanto Jane recebia uma enxurrada de notícias falsas e enganosas sobre as mudanças climáticas, o perfil no Facebook de John era o extremo oposto.

A simulação dele começou curtindo a página do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão científico das Nações Unidas.

E em contraste com Jane, John foi consistentemente exposto a conteúdo confiável baseado em ciência.

Os pesquisadores da Global Witness identificaram que à medida que a simulação continuava, o Facebook recomendava conteúdos ainda mais extremos e marginais para Jane, incluindo teorias da conspiração, enquanto, para John, desde o início, informações autênticas e confiáveis foram exibidas.

É o que os especialistas chamam “toca do coelho” – onde o conteúdo se torna cada vez mais marginal à medida que os usuários se envolvem com postagens sobre um tópico específico.

Fake news sobre mudanças climáticas atrapalha controle 

A pesquisa da Global Witness vem em um momento delicado para o combate às mudanças climáticas e ressalta a importância de plataformas de mídia social, como o Facebook, se engajarem em combater fake news sobre o tema.

O IPCC diz que a desinformação é uma das várias questões que impedem os governos e o público de abordar as mudanças climáticas.

O último relatório, apoiado por 195 governos, enfatiza que a desinformação em torno da ciência do clima “mina a fatos científicos e desconsidera o risco e a urgência” de adotar medidas para combater os extremos eventos climáticos.

Por isso, os pesquisadores sinalizam no relatório sobre desinformação climática no Facebook que governos devem criar leis para regulamentar conteúdos publicados em plataformas big techs:

“A União Europeia deve garantir que, uma vez implementada, a Lei de Serviços Digitais exija auditorias de plataforma e avaliações de risco que sejam abrangentes e incluam rotineiramente desinformação climática. Governos de outros lugares – principalmente os EUA – devem seguir a liderança da UE e legislar para regular as empresas de big tech.”

“Ao mesmo tempo, todas as plataformas de mídia social, como o Facebook, devem produzir planos transparentes para mostrar que estão levando a desinformação climática a sério, bem como monitorar e relatar a disseminação de tais visões em suas plataformas.”

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Em resposta à investigação da Global Witness, a Meta respondeu que leva sua “responsabilidade a sério” e que seus “sistemas são projetados para reduzir a desinformação, incluindo conteúdo climático falso e enganoso, não para amplificá-la”.

Eles também reconheceram que reduzir a desinformação exigia investimentos contínuos.

Segundo a BBC News, a empresa anunciou um programa de doação de US$ 1 milhão para apoiar organizações que trabalham para combater a desinformação climática.

Porém, outro estudo recente, do Center for Countering Digital Hate e do Institute for Strategic Dialogue, disse que menos de 10% das postagens enganosas na plataforma foram marcadas como desinformação.

Mai Rosner, ativista de ameaças digitais à democracia na Global Witness, disse que, apesar das alegadas preocupações da rede social de Zuckerberg com a desinformação climaticas, a realidade é outra:

“Nossa investigação mostra como é preocupantemente fácil para os usuários serem levados por um caminho perigoso que vai contra a ciência e a realidade.

O Facebook não é apenas um espaço online neutro onde existe desinformação climática; é literalmente onde essas visões são colocadas diante dos olhos dos usuários.

A destruição do nosso planeta não está em debate, mas a amplificação da desinformação climática corre o risco de nos deixar presos na inação e na divisão, o que atrasa as políticas urgentes de que precisamos para combater a crise climática.

As pessoas cujas casas foram destruídas por incêndios florestais e inundações não precisam se lembrar de quão real é a crise climática.”

Ela também apontou que a crise climática está se tornando cada vez mais a nova guerra cultural, com muitos dos mesmos indivíduos que há anos procuram alimentar a divisão e polarizar a opinião pública agora vendo o clima como a última frente em seus esforços.

“Os grandes gigantes da tecnologia têm a responsabilidade de não propagar a desinformação climática, contribuindo para um mundo mais perigoso e polarizado”.

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