Em seu primeiro artigo no jornal alemão Die Welt, que a contratou como correspondente depois ter desafiado o regime de Vladimir Putin protestando ao vivo em uma TV estatal do país, a jornalista russa Marina Ovsyannikova expressou o sentimento dos que discordam da guerra com a Ucrânia: “Os russos têm medo”, escreveu.

O grupo de mídia anunciou a contratação da profissional na segunda-feira (11), mesmo dia em que o primeiro artigo foi publicado.

Ela fará reportagens da Ucrânia, Rússia e outros lugares do Leste Europeu para o jornal online e o canal de TV do grupo de mídia alemão.

Jornalista russa será correspondente freelancer para jornal alemão

Intitulado “The Russians Are Afraid” (“Os russos estão com medo”, em português), o artigo aborda as consequências legais que ela enfrenta desde o protesto.

“Minha vida é dividida em um antes e um depois”, escreveu a jornalista. “Em algum momento, os princípios morais eram mais importantes do que o bem-estar, a paz de espírito e a vida ordenada. A guerra na Ucrânia era o ponto sem volta e o silêncio não era mais uma opção.”

Apesar de enfrentar restrições legais do Kremlin, Marina Ovsyannikova aceitou o emprego como correspondente freelancer do Die Welt.

A onda de apoio que a ação corajosa de Ovsyannikova desencadeou no mundo não foi o suficiente para amenizar as represálias do governo russo. Ela foi acusada de “desacreditar” as forças armadas pelo Kremlin.

Marina Ovsyannikova, jornalista russa desaparecida após exibir cartaz ao vivo contra a guerra
(Foto: Reprodução/Twitter)

A jornalista russa pode ter que pagar uma multa de até 50.000 rublos (mais de R$ 2.700) se for considerada culpada, segundo a Radio Free Europe/Radio Liberty (RFE/RL).

Ela ainda pode enfrentar represálias mais duras por suas ações, sob uma nova lei que torna a distribuição de “informações falsas sobre as forças armadas russas” passível de pena de até 15 anos de prisão.

Leia mais

New York Times sai; BBC decide ficar: como a mídia global reagiu à nova lei de fake news na Rússia

Ulf Poschardt, editor-chefe do Welt Group e porta-voz do WeltN24, disse que Ovsyannikova teve a coragem de confrontar os espectadores russos em um momento crucial com uma “visão sem embelezamento” da realidade.

“Ao fazer isso, ela defendeu a ética jornalística mais importante – apesar da ameaça de repressão estatal. Estou animado para trabalhar com ela”, afirmou à agência de notícias dpa.

“Seu trabalho na Die Welt lhe dará mais visibilidade e, portanto, mais segurança”, completou.

O editor-chefe negou que o veículo estivesse tentando enviar um sinal político ao presidente Vladimir Putin ao contratar Ovsyannikova.

“Nós fazemos jornalismo, não política. O jornalismo bom, corajoso e incorruptível é uma ameaça para todo autocrata e ditador.

É também uma ameaça para aqueles que estreitam o corredor da opinião em sociedades abertas como a nossa.”

Relembre o caso da jornalista russa protestou contra guerra na Ucrânia na TV

Marina Ovsyannikova era produtora e editora do Channel One, canal de televisão estatal da Rússia. No dia 14 de março, ela invadiu o telejornal Vremya com um cartaz protestando contra a invasão à Ucrânia ordenada por Vladimir Putin.

“SEM GUERRA. Pare a guerra. Não acredite em propaganda. Eles estão mentindo para você aqui”, dizia a placa exibida pela jornalista, que também gritou palavras contra o conflito segundos antes da transmissão cortar para um VT gravado.

Após o protesto ao vivo, Marina Ovsyannikova foi detida pelas autoridades do país. Ela disse a repórteres que passou dois dias sem dormir e foi interrogada por mais de 14 horas, sem advogado ou a oportunidade de entrar em contato com a família.

Após o protesto ao vivo, Marina, que trabalhava como editora da emissora Channel One, foi detida pelas autoridades da Rússia e interrogada por 14 horas. 

“Foi minha decisão antiguerra. Tomei essa decisão sozinha porque não concordo com a invasão iniciada pela Rússia”, disse ela em inglês ao sair do tribunal.

Leia mais

Jornalista russa que deixou TV estatal relata operação da ‘máquina de propaganda’ do Kremlin

Na semana seguinte, ela foi acusada de ser uma espiã do Reino Unido pelo chefe da divisão de notícias da televisão estatal., Kirill Kleimyonov, durante uma edição do mesmo jornal que ela interrompeu.

O executivo mostrou recortes de jornais ocidentais noticiando o protesto, e disse:

“Pouco antes [do protesto], de acordo com nossas informações, Marina Ovsyannikova conversou com a embaixada britânica”, afirmou Kleimyonov. “Quem entre vocês teve uma conversa telefônica com uma embaixada estrangeira?

“Ser emocionalmente impulsivo é uma coisa, mas traição é outra bem diferente. E quando uma pessoa trai seu país [o faz] friamente em troca de um bônus.”

Ele ainda acrescentou: “A traição é sempre a escolha pessoal de alguém. Mas você precisa chamar as coisas do que elas são. Se tivessem chamado a traição de Judas um ato de paixão, a história teria sido diferente.”

O governo britânico rebateu a acusação e disse que Ovsyannikova “não tem relação” com Londres.

A declaração “é apenas mais uma mentira passada pela máquina de desinformação” do Kremlin, informou o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do governo de Boris Johnson.

Leia também

Washington Post denuncia prisão de colunista em Moscou após críticas a Putin na CNN