Londres – O 20º Índice Global de Liberdade de Imprensa da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), divulgado nesta terça (3 de maio, quando se comemora o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa) posiciona a situação da liberdade de imprensa do Brasil entre as dez piores da América Latina.

Dos 26 países analisados na região, dezesseis deles receberam uma avaliação melhor do que a do Brasil quanto às condições de liberdade de liberdade de imprensa local.

O Global Press Freedom Index analisa a situação de 180 países, pontuados de acordo com cinco indicadores a partir de pesquisas de opinião e avaliação de especialistas. A Noruega foi listada como a nação com mais liberdade de imprensa em 2022. 

Ambiente ‘tóxico e nocivo’ para a liberdade na América Latina

A RSF avalia que a pandemia continuou a desempenhar em 2021 o papel de aceleradora das restrições à liberdade de imprensa na América Latina.

A crise é apontada como responsável por sérias dificuldades econômicas para a imprensa e graves barreiras de acesso a informações sobre a gestão da crise de saúde pública. 

Em suas análises regionais, a entidade avalia que o ambiente de trabalho dos jornalistas na América Latina está cada vez mais nocivo e tóxico, afetando a liberdade de imprensa. 

O Diretor da RSF para a América Latina, Emmanuel Colombié, ressalta que há uma desconfiança crescente em relação à imprensa.

Ele afirma que a retórica antimídia é mais acentuada no Brasil, Cuba, Venezuela, Nicarágua e El Salvador:

“Os ataques públicos são cada vez mais visíveis e virulentos.

Isso enfraquece a profissão e incentiva processos abusivos, campanhas de difamação e intimidação, principalmente contra as mulheres, e o assédio online contra os jornalistas críticos.”

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Brasil em último entre  “problemáticos” na América Latina

O Brasil ficou na última colocação do grupo de nove países ou áreas cuja situação de liberdade de imprensa foi classificada como problemática na América Latina. 

Esse grupo é formado por Suriname (52º), a comunidade de ilhas do Caribe Oriental (55º), Equador (68º), Haiti (70º), Panamá (74º), Peru (77º), Chile (82º), Paraguai (96º) e Brasil (110º).

A fim de refletir a complexidade da liberdade de imprensa, cinco indicadores são usados ​​para compilar o Índice: o contexto político, a estrutura legal, o contexto econômico, o contexto sociocultural e a segurança.

Na análise sobre o contexto sociocultural do Brasil, a RSF afirma que “a retórica agressiva do governo Bolsonaro em relação aos jornalistas e à imprensa tem contribuído para o fortalecimento de uma atitude hostil e desconfiada em relação aos repórteres na sociedade em geral”. 

Para a organização, a “ampla disseminação de desinformação continua a envenenar o debate público”.

Na análise do quesito segurança no cenário brasileiro, o relatório chama a atenção para a vulnerabilidade de blogueiros, apresentadores de rádio e jornalistas independentes que trabalham em municípios de pequeno e médio porte do interior, cobrindo corrupção e política local. 

E registra que o assédio online e os ataques a jornalistas, especialmente mulheres, estão aumentando.

Quanto ao contexto político, o relatório afirma:

“A ascensão de Bolsonaro ao poder em 2018 criou uma situação especialmente complicada para a imprensa brasileira. O presidente insulta regularmente os jornalistas e a mídia. Ele mobiliza exércitos de apoiadores nas redes sociais, como parte de uma estratégia afinada de ataques coordenados que visam a desacreditar a imprensa, rotulada como inimiga do Estado.”

No indicador “estrutura legal”,  a RSF avalia o arcabouço legal brasileiro como bastante favorável ao livre exercício do jornalismo. Mas avalia que a lei de radiodifusão e telecomunicações é “antiquada, permissiva e ineficiente”. E critica o uso de procedimentos ilegais abusivos para intimidar a imprensa.

Emmanuel Colombié clasifica a posição do Brasil como “indigna para uma grande democracia”, com autoridades do alto escalão do governo difamando e insultando jornalistas críticos. Para ele, os riscos são grandes para o jornalismo. 

“Isso alimenta a hostilidade generalizada contra jornalistas, que é espelhada no ambiente digital e contribui com o descrédito no jornalismo”. 

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O diretor da RSF salienta também o papel das redes sociais, que se tornaram um “território hostil para a imprensa”. 

“O fenômeno não é novo, mas vem se intensificando.”

E destaca os ataques direcionados a mulheres jornalistas, classificados por ele como “nojentos”, e incentivados por autoridades do governo e da família do presidente da república. 

Costa Rica, exemplo de liberdade de imprensa na América Latina

Na América Latina, a honrosa exceção em liberdade de imprensa é a Costa Rica, que continua, a exemplo do ranking anterior, entre os países com melhor situação no mundo.

O país centro-americano ocupa o invejável oitavo lugar geral e lidera com folga o ranking latino-americano. Além disso, é o único país não-europeu entre os oito que tiveram sua situação local de liberdade de imprensa classificada como boa.

Sete países com condição “relativamente boa” 

Além da Costa Rica, sete países da região também fizeram bonito, tendo suas condições de liberdade de imprensa consideradas relativamente boas. Quem puxa a fila desse grupo é a Jamaica, que aparece em um honroso 12º lugar do ranking geral.

Completam a lista Trinidad e Tobago (25º), Argentina (29º), República Dominicana (30º), Guiana (34º), Uruguai (44º) e Belize (47º). 

Liberdade de imprensa é pior em nove países da América Latina

Nove países da América Latina tiveram a situação de liberdade de imprensa classificada como difícil ou muito grave.

Em cinco deles o jornalismo atua num cenário difícil: El Salvador (112º), Guatemala (124º), Bolívia (126º), México (127º) e Colômbia (145º).

El Salvador vem despencando e registrou pelo segundo ano consecutivo uma das maiores quedas da região, caindo desta vez 30 posições.

A RSF atribui a piora da liberdade de imprensa no país à chegada ao poder em 2019 do presidente Nayib Bukele, que vem aumentando os ataques e ameaças contra jornalistas críticos de seu governo, tentando criar a imagem de uma imprensa inimiga do povo. 

A RSF ressalta que esse viés autoritário e as alterações do arcabouço legislativo, como a lei dos “agentes estrangeiros” e as alterações do código penal, têm dificultado cada vez mais o trabalho livre da imprensa local.

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A situação difícil do México se deve à falta de segurança para a imprensa exercer seu trabalho livremente.

Com pelo menos sete jornalistas assassinados em 2021, o México continua sendo o país mais letal do mundo para jornalistas. No indicador Segurança, o país ficou no penúltimo lugar geral entre os 180 analisados.

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O contexto político também foi fortemente criticado. Na avaliação da RSF, o presidente López Obrador e outros funcionários do governo adotaram uma retórica combativa e estigmatizante contra a imprensa, acusando frequentemente os jornalistas de promoverem a agenda da oposição. 

“Nos três anos de seu governo, o presidente criticou os jornalistas por sua falta de profissionalismo e descreveu a imprensa mexicana como tendenciosa, injusta e a escória do jornalismo.”

Venezuela, Nicarágua, Honduras e Cuba em situação muito grave

Os quatro países com situações de liberdade de imprensa pior avaliadas na América Latina são Venezuela (159º), Nicarágua (160º), Honduras (165º) e Cuba (173º). Segundo a RSF, a situação é considerada muito grave em todos eles.

Cuba, que já tinha ficado na posição mais baixa do ranking da América Latina na edição anterior, também está entre os dez com piores condições de liberdade de imprensa do mundo.

Já a Nicarágua registrou a maior queda da região (39 posições) no ranking deste ano. A RSF diz que “o simulacro de eleições organizadas em novembro de 2021 que levaram Daniel Ortega à presidência pelo quarto mandato consecutivo foi acompanhado por uma caça feroz às vozes críticas”. 

A entidade chama a atenção para o fato de que os últimos bastiões da imprensa independente estão sitiados e que a grande maioria dos jornalistas independentes, ameaçada com processos judiciais abusivos, teve que deixar o país.

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