A França está vivendo mais um caso de abuso sexual na TV, desta vez envolvendo um dos mais famosos apresentadores do país. Patrick Poivre d’Arvor, de 74 anos, foi acusado de agressão sexual por 20 mulheres, com idades entre 28 e 63 anos.

O jornalista conhecido como PPDA e uma das figuras mais famosas da TV francesa, já tinha sido investigado por uma denúncia de estupro no ano passado, mas o caso foi arquivado. 

A história voltou à tona com um especial do site investigativo Mediapart divulgado nesta semana, que reuniu 16 mulheres que denunciaram publicamente os abusos sofridos por d’Arvor e outras que falaram sob anonimato. A France Télévision afastou o jornalista da série de documentários que vinha apresentando.

Segundo caso de abuso sexual na TV francesa

O caso do apresentador PPDA não é o único a chocar a França recentemente. Em março do ano passado, a jornalista esportiva Maria Portolano fez o documentário “Não sou uma vadia, sou uma jornalista!”, motivada pelo assédio que ela própria sofreu por parte de um dos mais renomados comentaristas esportivos do país, Pierre Ménès, que acabou perdendo o emprego. 

Com PPDA, os abusos sexuais  teriam acontecido em sua própria sala de trabalho na emissora de TV TF1, onde ficou de 1987 a 2008, até os escândalos começarem a aparecer. Antes, tinha sido apresentador do Antenne 2 entre 1976 a 1983.

Atualmente, estava apresentando uma série de documentários de arte na France Télévisions, que resolveu substituí-lo nos próximos episódios depois de pressões de organizações como o grupo de mulheres jornalistas #MeTooMedias.

Alguns dos casos denunciados sobre d’Arvor aconteceram na década de 1980, e prescreveram. Mas são suficientes para manchar a imagem do jornalista e para motivar outras mulheres que também se dizem vítimas. 

A primeira a acusar o jornalista de TV de abuso sexual foi a escritora e jornalista Florence Porcel, 38 anos, que em fevereiro de 2021 formalizou queixa por estupros acontecidos em 2004 e 2009. 

O caso foi arquivado quatro meses depois porque o juiz considerou que não havia provas suficientes para investigar d’Arvor. E também pelo prazo de prescrição. 

Mas a repercussão na mídia francesa sobre as acusações fez com que outras 22 mulheres procurassem a polícia para denunciar o jornalista.

Segundo a mídia local, 17 registraram queixas, sendo 8 novas acusações de estupro — nenhuma foi investigada por terem ultrapassado o prazo legal de acionar a justiça. Outros três casos são investigados.

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No especial do Mediapart, “PPDA: 30 Anos de Silêncio”, 20 dessas mulheres detalharam os crimes de PPDA. Muitas não se conheciam e falaram abertamente sobre as violências sofridas pela primeira vez.

Outras duas falaram sob anonimato e mais duas, mostrando o rosto, preferiram falar em separado do grupo.

Com idades entre 28 e 63 anos, duas das supostas vítimas eram menores quando foram abusadas. Nos relatos, muitas dessas agressões sexuais aconteceram logo após ele terminar a apresentação do jornal do horário nobre da TF1. 

Margaux Coquil-Gleizes, hoje professora, contou no programa que conheceu d’Arvor em maio de 1985, quando tinha 17 anos.

Ela queria ser escritora, e  enviou amostras de seus textos para o jornalista. Um dia, a jovem recebeu um convite para visitá-lo em um hotel.

“Eu era jovem, ingênua, impressionável, [e estava] lisonjeada com a atenção que Poivre d’Arvor ia dar à minha escrita.”

No local, ele a chamou para subir ao quarto. “[PPDA] me empurrou na cama, se despiu, tirou minha roupa e me penetrou.”

“Naquele momento, fiquei paralisada. Demorou muito tempo para eu perceber que foi um estupro de surpresa.”

A jornalista Justine Ducharne é outra que denunciou o âncora francês. No especial, ela não quis detalhar o que aconteceu. “Um horror”, disse apenas.

“Naquele momento, pensava que estava sozinha, nunca imaginei que isto poderia acontecer com outras pessoas”, desabafou.

Marine Turchi, jornalista do Mediapart, disse que muitas dessas mulheres demoraram para denunciar PPDA por medo de se prejudicarem profissionalmente.

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PPDA reage a acusações com processos de difamação

O famoso apresentador da França PPDA respondeu às acusações de 16 mulheres que prestaram queixas contra ele com um processo de “denúncia caluniosa”, apresentado à justiça no mês passado.

Em 2021, o jornalista já tinha atacado as supostas vítimas ao comentar sobre o caso, acusando as mulheres de se esconderem no anonimato.

“Ninguém se atreveu a se apresentar, cara a cara, para me dizer que o que eu fiz não era aceitável.”

O site Mediapart disse que convidou Poivre d’Arvor para participar do especial, mas ele negou o convite. “Gostaríamos que ele se expressasse e pedimos que o fizesse, mas ele recusou”, relatou Marine Turchi.

No processo contra as mulheres que o denunciaram por abuso sexual, PPDA atribui as acusações a “um retorno ao puritanismo e à censura habilmente disfarçados como a suposta proteção das mulheres.”

“Desde a empolgação gerada pela onda #MeToo, a liberação das vozes das mulheres infelizmente teve sua parcela de excessos e abusos”.

O âncora de 74 anos também afirmou que as mulheres estavam em busca de “fama” e “vingança”.

“Nenhum crédito pode ser dado a essas 16 mulheres, jornalistas ou escritoras em busca de fama que se tornaram feministas repentinas para apoiar uma ex-colega, uma amiga ou mesmo uma simples ativista pela causa das mulheres.”

“Trata-se de vingança por parte de mulheres que não receberam mais consideração, ou mesmo um olhar, de um homem que uma vez admiraram.”

“[Isso] torna as reclamantes rejeitadas ou ignoradas muito amargas, uma amargura que os leva a cometer, por vingança tardia, o crime de denúncia caluniosa.”

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No especial, Florence Porcel, a jornalista que denunciou PPDA no ano passado, disse que as mulheres vítimas do âncora formaram um grupo de apoio:

“Queremos mostrar que estamos unidas, estamos enfrentando isso juntas e que Patrick Poivre d’Arvor não nos dá mais medo. Também parece importante dizer que ainda estou de pé e pretendo continuar de pé.”

Ela está em contato com advogadas para buscar novas ações legais contra o astro da TV francesa.

Em outro caso na França, comentarista também é acusado de abuso sexual

A história de abuso sexual envolvendo PPDA é mais grave do que a que foi denunciada há um ano pela jornalista esportiva Marie Portolano, porque envolve casos de estupro. Mas nem por isso é menos importante.

O assédio sofrido por Portolano aconteceu em 2016, quando eles trabalhavam juntos no programa Canal Football Club, principal programa esportivo do Canal+, e onde o documentário produzido por ela foi exibido.

A jornalista teve a saia levantada e as nádegas apalpadas na frente de uma plateia de 300 pessoas por Ménès, quando posavam para uma foto após uma gravação ao vivo.

Ela conta que encontrou forças para denunciar depois de assistir ao documentário “Eu não sou um macaco”, sobre racismo no futebol, de Olivier Dacourt.

As revelações geraram pressão imediata pela saída de Ménès da emissora Canal+, com a hashtag #PierreMenesOut sendo tendência no Twitter.

Ele deixou o canal em julho, depois de 12 anos de trabalho na emissora e perdeu diversos contratos. 

Em dezembro de 2021, foi detido pela polícia em uma investigação de agressão sexual a uma mulher durante uma partida no estádio Parc des Princes. Ménes foi acusado de fazer gestos inadequados para a jovem e de ter tocado seus seios. 

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