Londres – Quando se pensa em retrato a primeira imagem que vem à mente é do registro de um rosto, mas uma série de fotografias premiadas em um concurso internacional mostra que um retrato pode ser muito mais do que isso – e nem ter um rosto como centro da atenção.
As imagens premiadas e finalistas do concurso LensCulture Portrait Awards 2022 contam de forma criativa e artística histórias de saudade, solidão imposta pela covid, perdas, liberdades individuais e do simbolismo de um carro da era comunista.
O prêmio é realizado pela revista de fotografia LensCulture. Trinta e nove fotógrafos de 16 países de cinco continentes tiveram suas fotos selecionadas pelo júri este ano.
Fotografias premiadas revelam saudade, ecos da covid e a memória que se foi
1º lugar imagem única- Correntes, por Viola Orzati, Itália
A fotografia premiada na categoria imagem única do concurso é um retrato em que o rosto da pessoa retratada não aparece.
No centro da cena estão dois pequenos retratos pendurados em correntes, simbolizando a saudade de entes queridos.
Com formação em direito, Orzati conta que seu interesse na fotografia é fazer com que o espectador concentre a atenção nos detalhes, forçando o olhar a se aprofundar mesmo quando instintivamente se afastaria. Assim ele retratou Adele:
“Ela uma mulher enérgica, independente e leal, que consegue manter sua dignidade intacta.
Em 2001 perdeu o marido, e em 2007 perdeu uma de suas duas filhas. Essa foi uma das maneiras que ela escolheu para lembrar a todos da presença dos que se foram, enquanto segue sua vida”.
2º lugar imagem única – Shauna, por Monica Jane Frisell, EUA
Monica Frisell mostra em seu trabalho histórias da cultura americana pós-pandemia. A fotografia premiada é parte do projeto Portrait of US (Retratos da América, em tradução livre) , uma jornada iniciada em julho de 2021.
Um trailer de carga foi convertido em estúdio itinerante, o Nomadic Photo Ark, equipado com uma câmara escura em preto e branco e um espaço de edição de fotos. Com ele, a fotógrafa percorreu o país capturando imagens como a fotografia premiada no concurso da LensCulture.
Ela explica a ideia:
“O projeto pergunta: Como estamos lidando? Para onde estamos indo e como reconstruir as pontes de entendimento entre as várias comunidades?
A importância de registrar o país como está agora é essencial para as gerações futuras, e para a história.
A fusão de grandes convulsões políticas e sociais durante a pandemia promoveu uma cultura de extremos em todo o país.
Do imenso número de mortos às nossas dificuldades de comunicação cruzando linhas partidárias e religiosas, as histórias desta época precisam ser documentadas e arquivadas”.
3º lugar imagem única– Aquele lugar que ele vai, por Carole Mills Noronha, Austrália
A foto premiada é o registro do pai feito por sua filha durante uma visita ao local onde ele ficou confinado durante o isolamento da pandemia.
“Retrato do meu pai de 89 anos. Papai tem demência vascular e Alzheimer. Ele passou a maior parte de 2020 e 2021 em confinamento em uma casa para idosos.
Depois de meses de visitas pela janela, consegui permissão para visitar papai em seu quarto.
Como não podia tirá-lo de lá, passei a levar um pouco ‘de fora’ para ele. Mais tarde, papai soltou a borboleta em um pátio próximo”.
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Séries premiadas retratam a masculinidade na China, um carro comunista e o cotidiano de uma avó chinesa
1º Lugar, Série – Vá pegá-los, garoto, por Ziyu Wang, Reino Unido
As fotografias que compõem a série premiada de Ziyu Wang são autorretratos produzidos, explorando de forma simbólica as pressões que a sociedade exerce sobre a masculinidade na China.
“Em “Vá pegá-los, garoto!” o público assume o papel dos mais velhos da família para examinar a imagem de masculinidade que criei para meu pai.
É interessante como performances tão ruins e imagens unidimensionais são falhas, e tais contradições estão escondidas nas fotografias que contam a história de um homem homossexual “efeminado” lutando com as pressões da família e da sociedade patriarcal tradicional”.
Antecedente oficial: “O poder dos funcionários do governo é, sem dúvida, um testemunho da masculinidade hegemônica.
Todas as fotos de identificação dos funcionários do governo chinês têm uma imagem de gradiente azul como plano de fundo. Eu não poderia realmente ser um funcionário do governo, mas poderia tirar uma foto e deixar meu pai feliz”.
Medalha de um homem na China: “O derramamento de sangue é a melhor prova de um homem de verdade”.
A força do homem masculino, com músculos aparentes
Parada de mão, com alguma ajuda
2º lugar, Série– Dacia e os motoristas, por Horatiu Sava, Alemanha
As pessoas retratadas na série de fotografias premiadas em segundo lugar no concurso têm um elo comum: um carro do tempo do comunismo na Romênia, que ainda hoje está presente nas ruas e estradas do país, só que com outro significado.
“Durante o regime comunista, o Dacia 1300, uma cópia do Renault 12 fabricado na Romênia, era mais ou menos o único carro que você podia comprar. Até 1989, mais de 90% dos carros nas estradas da Romênia eram Dacias.
Com a série, tentei reviver as memórias de um tempo utópico de infância, onde pelo menos em relação ao carro, todos eram iguais.
Vinte anos após a queda do comunismo, este veículo ainda está presente nas estradas da Romênia. Mas já não é sinal de igualdade, e sim de desigualdade.
É o carro das pessoas que não têm milhares de euros para comprar um mais novo. É importante para mim mostrar os motoristas nesta série porque com isso quero mostrar meu respeito e simpatia por essas pessoas”.
3º lugar Série– Um dia, por Xiuren Zhu
Assim como a australiana Carole Mills, Xiuren Zhu também retratou um membro da família e sua fidelidade à cidade e à casa onde sempre viveu.
“Meu assunto é minha avó. Ela mora sozinha no campo. Fui para minha cidade natal para ficar com ela por alguns dias e descobri que ela passa a maior parte do dia sentada numa cadeira.
Tirei fotos dela em intervalos regulares ao longo do dia, cerca de uma foto por hora. Ela parecia ter parado, dormindo profundamente. Como o tempo está passando rápido…
A família implorou que ela se mudasse para a cidade. Ela sempre recusou e continua guardando a velha casa em nossa cidade natal…”
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