Um dia depois de o presidente dos EUA, Joe Biden, declarar que “supremacia branca é um veneno”, referindo-se à motivação racista no ataque que matou 12 pessoas na cidade de Buffalo, a procuradoria-geral do estado de Nova York anunciou a abertura de uma investigação sobre a responsabilidade das redes sociais no caso. 

Tolerância com discurso de ódio tem sido uma das principais críticas às redes sociais, que se defendem utilizando o argumento da liberdade de expressão. 

O caso de Buffalo, no entanto, deixou-as mais expostas, pois Payton Gendron, responsável pelo ataque, transmitiu o ato ao vivo e mencionou em seu manifesto as teorias conspiratórias da “genocídio branco” e “grande substituição”, que promovem ódio a imigrantes e pessoas não brancas. 

Ataque de Buffalo levanta questões sobre papel das redes sociais  

Dos 11 mortos na ataque, 10 eram negros. O autor, de 18 anos, identificou-se como fascista e nacionalista branco no manifesto que publicou online, expressando ódio contra negros e minorias. 

A investigação sobre as plataformas de mídia social, aberta na quarta-feira (18), inclui o site de streaming de vídeo Twitch, a plataforma de mensagens Discord e o quadro de mensagens anônimo 4chan, utilizados para disseminação de teorias conspiratórias por sua baixa moderação. 

Ela foi solicitada à procuradoria pela governadora de Nova York, Kathy Hochul, sob a justificativa de que as plataformas de mídia social devem ser responsabilizadas por colocar o engajamento acima da segurança pública. 

No comunicado em que anunciou a abertura da investigação, a procuradora-geral Letitia James disse: 

“Outra vez vimos a devastação do mundo real que nasce dessas plataformas perigosas e odiosas, e faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para destacar esse comportamento alarmante e tomar medidas para garantir que isso nunca mais aconteça”.

Ela informou disse que a investigação tem como alvo as plataformas Twitch, 4chan, 8chan e Discord, mas pode vir a incluir outras plataformas de tecnologia. 

Embora nenhuma das mais populares como Facebook, Instagram, TikTok, YouTube e Twitter tenha sido associada ao crime, elas são apontadas por acadêmicos e especialistas como porta de entrada para pessoas que conhecem as teorias da conspiração a partir de postagens permitidas, e dali migram para a chamada dark web

Buffalo: planejamento e exibição do ataque em redes sociais

Além dos indícios de ter sido planejado por meio de redes sociais, o caso de Buffalo também motivou condenação por ter sido transmitido ao vivo pelo Twitch, de propriedade da Amazon. 

Isso também havia ocorrido em outro caso semelhante, o de Christchurch, na Nova Zelândia, em 2019. O atirador, um supremacista branco que matou 51 pessoas em duas mesquitas, transmitiu as cenas pelo Facebook. 

No ataque de Buffalo, a Amazon disse ter removido o feed em menos de dois minutos após o início, mas as imagens se espalharam pelas redes sociais. 

“O fato de um indivíduo poder postar planos detalhados para cometer tal ato de ódio sem consequências e, em seguida, transmiti-lo para o mundo ver é arrepiante e inaceitável”, disse  a procuradora do estado de Nova York, que sinalizou intenção de ir fundo no caso. 

 “Ao mesmo tempo em que continuamos a lamentar e honrar as vidas que foram roubadas, estamos tomando medidas sérias para investigar essas empresas por seu papel neste ataque.”

O Twitch e a Discord informaram que estão cooperando com as autoridades que investigam o ataque várias agências de aplicação da lei que investigam o tiroteio, incluindo o FBI e o Departamento de Segurança Interna.

Em um comunicado, a plataforma da Amazon salientou o desafio de moderar as transmissões ao vivo em suas plataformas, afirmando que a empresa “avalia continuamente as políticas, processos e produtos para manter as comunidades seguras”.

Mas parece ter tentado se eximir da responsabilidade ao afirmar: “Bigotria e ódio não acontecem no vácuo. Eles são possibilitados por uma cultura permissiva quando não criamos espaços onde as pessoas se sintam capacitadas para falar.”

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Efeitos investigação sobre o ataque de Buffalo 

A abertura do inquérito associando as redes sociais ao ataque de Buffalo é mais um problema para as plataformas, com potencial de reforçar a severidade de iniciativas de regulamentação em curso no Reino Unido, União Europeia e nos EUA. 

Mas os efeitos legais de seus resultados podem ser limitados. Em entrevista à rede pública americana NPR, Eric Goldman, professor da Universidade de Santa Clara, observou que as chances de que um serviço de internet seja responsabilizado pelos crimes de ódio de um usuário são “muito, muito baixas.”

Ele disse que os tribunais consideraram que as decisões de moderação de conteúdo de uma plataforma contam como uma espécie de liberdade de expressão protegida pela Primeira Emenda da Constituição americana.

Para superar isso, um promotor teria que mostrar que uma empresa de mídia social tinha conhecimento suficiente de más ações que violaram a lei, segundo o professor. 

A teoria que motivou o ataque de Buffalo

A tese da “grande substituição” fortaleceu-se embalada pelas narrativas anti-imigração fomentadas por políticos conservadores como Donald Trump e pela extrema-direita.

A ideia é de que haveria um plano orquestrado para diminuir a influência de pessoas brancas nas sociedades ocidentais. Isso estaria sendo feito tanto pelo incentivo à imigração quanto por uma baixa taxa de natalidade de população branca.  

Os mais racistas creditam esse plano a judeus. Nos EUA, a defesa de imigrantes latino-americanos por políticos democratas é vista pelos adeptos da teoria conspiratória como um movimento pela “substituição”. 

Em sua visita à cidade de Buffalo na terça-feira, Joe Biden referiu-se a um comício em Charlottesville, Virgínia, em 2017, em que um supremacista branco jogou o carro sobre os manifestantes deixando um morto e 35 feridos. 

Ele disse que o caso foi uma das motivações para concorrer à presidência, por entender que a democracia dos Estados Unidos estava “em perigo como nunca esteve em sua vida”.

Em Buffalo, o presidente afirmou que o autor do ataque  pertencia a “uma minoria odiosa”. E garantiu que “a supremacia branca não terá a última palavra”.

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