Londres – A fórmula mágica para tornar a cobertura da mídia e as redações mais inclusivas ainda não foi descoberta, mas há caminhos que têm se mostrado promissores – e muita gente pensando sobre isso.

Um deles é o argentino Luis Albornoz, professor titular da Universidade Carlos III de Madri. Aos 54 anos, Albornoz é uma das grandes autoridades em diversidade: foi o escolhido para redigir o capítulo sobre mídia do relatório Re/Shaping Policies for Creatitivy, da Unesco.

Em entrevista ao MediaTalks para a edição especial Diversidade na Mídia, ele falou sobre a voz das minorias por suas próprias mídias, sua representatividade na cobertura dos meios de comunicação e como capacitar e incluir essas minorias no ensino e no exercício do jornalismo.

Caminhos para uma mídia mais inclusiva

Diversidade é condição para a mídia ser mais inclusiva e enxergar o mundo pelas lentes da audiência?

“Não há como negar preconceitos educacionais, culturais ou de classe social cristalizados em indivíduos ou grupos. Tampouco se pode negar a existência de profissionais de mídia com sólida formação, cientes das tensões nas sociedades nas quais exercem seu trabalho.

Mas a elaboração do conteúdo noticioso é uma tarefa muito importante para ficar somente nas mãos de profissionais ‘capazes de ver através das lentes da audiência’.

Também acredito que ‘audiência’ é uma noção homogeneizadora que mascara as diferenças entre grupos sociais que consomem conteúdos produzidos pela mídia.

As imagens representativas de grupos diversos (pobres, mulheres, etnias, religiosos, maiores de 50 anos, pessoas LGBTQIA+, imigrantes…) afetam o conhecimento real da diversidade e podem dificultar o acesso a direitos fundamentais.”

Capacitação + inclusão, a fórmula para combater preconceitos na mídia

“Uma forma de combater os preconceitos em prol da produção de conteúdo de qualidade é a capacitação dos profissionais de forma a atuar para conscientizar sobre eles.

Outro caminho é a incorporação de profissionais de grupos sociais sub-representados ou ausentes no mercado de trabalho. A emissora pública canadense, por exemplo, vem trabalhando há anos para incorporar pessoas de diferentes origens.

Até 2025, a CBC/Radio Canada quer garantir que pelo menos uma das principais posições criativas em seus programas próprios ou de produtores independentes seja preenchida por uma pessoa de formação ou status diverso, incluindo produtor, diretor, autor, escritor ou ator principal.”

Como fazer os programas de inclusão darem certo?

“Há mais discursos a favor da diversidade fora da tela do que evidências mostrando que as coisas estão realmente mudando. Devemos passar do discurso à ação.

Além da vontade política de reestruturar a força de trabalho, as organizações precisam estabelecer planos de médio prazo com metas e programas de avaliação para acompanhar seu cumprimento.

Essas metas devem servir para conhecer os obstáculos, conquistas, barreiras e retrocessos na implementação dos planos. Devem também servir para adequar os planos a contextos em permanente transformação.

É preciso recursos adequados – pessoal qualificado e financiamento – de forma que os planos e programas de monitoramento sejam eficazes.”

Como capacitar de olho na diversidade?

“Um estudo global publicado em 1958 pela Unesco intitulado ‘A formação de jornalistas’ dizia que a chave para melhorar a qualidade da informação reside na educação e formação mais completa dos jornalistas em todos os meios.

E que essa formação deve ser de dupla natureza, tanto de técnicas da profissão como de educação geral, para dar ao jornalista o maior conhecimento possível sobre os assuntos de que trata.

Ao longo das décadas, algo tão almejado como a formação universitária se difundiu entre os profissionais que atuam na mídia. No entanto, e voltamos à questão das desigualdades sociais, uma formação sólida não está ao alcance de todos.

A digitalização e a complexidade das sociedades contemporâneas trouxeram novos desafios para a formação dos profissionais.

Em escala internacional, cresce a consciência de que ter sistemas de mídia públicos, privados e comunitários viáveis, capazes de refletir a diversidade das expressões culturais, fortalece o desenvolvimento sustentável e a saúde democrática das sociedades.”

Ações positivas para uma mídia mais inclusiva

As cotas de discriminação positiva funcionam para aumentar inclusão?

“Esse mecanismo é dispensável em contextos onde todos têm as mesmas possibilidades de realizar atividades ou de atingir cargos de liderança. Mas esse não é o quadro das sociedades contemporâneas.

Em situações de flagrantes desigualdades, as cotas destinam-se a amenizar o problema, muito embora não sejam uma solução mágica.

Aplicadas aos meios de comunicação, elas baseiam-se na ideia de que a incorporação de determinados grupos trará novas sensibilidades e formas de ver o mundo, com impacto na cobertura e na reflexão sobre problemas sociais.

Mas é algo que deve ser analisado caso a caso. Às vezes os efeitos são óbvios, em outras situações podem ser sutis ou inexistentes.”

Ações de capacitação bem-sucedidas

“Diversas organizações não governamentais participam de ações de capacitação junto a grupos vulneráveis. Destaco, por exemplo, as atividades de formação que estão sendo realizadas pelo Centro de Educação. e Comunicação para Comunidades e Povos Indígenas (CECOPI). Ou as da Rádio Atipiri, voltadas para a formação de repórteres aimarás.

A Sobrevivência Cultural desenvolve um programa de mídia comunitária indígena. E há também o programa de inclusão digital de comunidades indígenas mantido pelo Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e do Caribe (FILAC).

Mas há muito a ser feito para facilitar o acesso à gestão de mídia e produção de conteúdo para jovens que não vêm das classes sociais mais privilegiadas.”

Mídias voltadas a grupos sociais: inclusão ou gueto?

“Acredito que é necessário dar voz aos grupos minoritários historicamente marginalizados pelos ecossistemas midiáticos. Em alguns países, estão sendo feitas tentativas para reverter essa situação de marginalização, promovendo a criação de mídia por e para esses grupos.

Porém, o que em princípio é uma ação positiva em relação à diversidade de vozes no cenário midiático, contém o sério perigo de criar guetos midiáticos.

Isso porque os conteúdos que esses grupos colocam em circulação em suas próprias mídias não têm um impacto real nos debates nacionais e regionais sobre os assuntos de interesse público que os afetam.

É preciso portanto ter políticas públicas que promovam tanto o desenvolvimento da mídia para as minorias quanto a inclusão dos conteúdos produzidos por elas nos principais meios de comunicação de cada sociedade.

Nesse sentido, um projeto promissor é o ‘Desenho de políticas de apoio à mídia indígena e comunitária no México e incorporação de conteúdo indígena na mídia pública e comercial’, lançado pela Unesco.

É uma iniciativa que toma como referência os objetivos e princípios da Convenção de 2005 para a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais.”


Esta matéria faz parte do Especial MediaTalks Diversidade na Mídia. Leia a edição completa aqui 

 

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