Fernanda Massarotto, correspondente

Milão – Ao contrário de nações como França, Alemanha ou Inglaterra, na Itália a inclusão social de migrantes e de pessoas de diferentes religiões ocorre de uma maneira orgânica. O país recebe um grande número de refugiados por via marítima.

Muçulmanos, católicos e evangélicos vivem pacificamente e integrados ao estilo de vida local. Nas escolas, o governo italiano oferece refeições que respeitam dietas religiosas. É raro ouvir casos de racismo entre adolescentes.

No entanto, quantos deles trabalham em veículos de informação? Poucos. Melhor dizendo, pouquíssimos. O conteúdo veiculado pela mídia italiana sobre questões envolvendo migrantes e estrangeiros que vivem no país é produzido com quase nenhuma influência dos que conhecem melhor a questão.

Diversidade da população italiana não é vista na mídia

De acordo com o Instituto Nacional de Estatística, em 2021 os estrangeiros representavam a parcela de 8,7% da população italiana.

“Podemos contar nos dedos até mesmo os jornalistas ‘imigrantes’ de primeira e segunda geração. Muitos desses ‘novos’ italianos acabam se inserindo em setores onde a comunidade já se estabeleceu profissionalmente”, diz Paola Barretta, porta-voz da Associação Carta de Roma, fundada para garantir uma correta informação sobre temas relativos aos imigrantes.

Paola acredita que a solução para inserir os jovens seja a introdução de cotas e o oferecimento de bolsas de estudos nas escolas de comunicação.

A maior barreira para absorção de imigrantes na mídia italiana é a língua escrita. Nas rádios e TVs não é raro ver a participação de comunicadores não italianos. Nos jornais, revistas e sites de informação, a realidade é outra.

“Não se trata de racismo. É preciso lembrar que dominar o idioma é condição básica,” alerta o repórter de economia do Corriere della Sera Leonard Berberi, que nasceu na cidade de Durrës, na Albânia.

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A geração de “novos italianos” é uma fonte de riqueza, pois traz consigo não só uma bagagem cultural diversa mas também a fluência em outras línguas.

É o caso da palestina Iman Sabbah, que graças a uma bolsa de estudos cursou jornalismo na Universidade LUMSA, em Roma. Ela cobriu a guerra no Iraque, apresentou programas pela Rai e desde 2017 é correspondente da emissora na França.

“O jornalismo hoje, mais do que nunca, não tem fronteiras. Se a mídia se unir a universidades e escolas de comunicação em programas de incentivo, poderemos ver mais ‘estrangeiros’ em nossas redações. Afinal, diversidade é também sinônimo de criatividade”, complementa a porta-voz da Associação Carta de Roma.

Idioma, barreira para diversidade na mídia

O albanês Leonard Berberi, 37 anos, repórter de Economia do jornal Corriere della Sera, começou a realizar em 1994 algo parecido com o chamado “sonho americano”, só que na Itália.

Aos 10 anos de idade, ele desembarcou junto com a família no porto de Bari, no sul do país, iniciando ali uma nova vida que acabaria no jornalismo.

Assim como milhares de albaneses, os Berberis emigraram em busca de uma vida melhor. Viver na Itália significava ter recursos como luz elétrica em tempo integral em casa, por exemplo.

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Jornalista albanês Leonard Berberi falou ao MediaTalks sobre trabalho na Itália (Foto: Reprodução/Twitter)

Eles moraram por anos na região de Molise, até que em 2000 se mudaram para Milão. “Era a oportunidade para que eu e minha irmã pudéssemos terminar os estudos e concluir o ensino médio”, conta ele, que é formado em Ciências Políticas pela Università degli Studi de Milão.

Quase 30 anos depois, Leonard Berberi é um dos jornalistas econômicos mais importantes do país. Ele falou ao MediaTalks sobre sua experiência de inserção no mercado de mídia em um país estrangeiro.

Inserção na sociedade e na profissão

“Nunca me senti excluído na escola e muito menos no trabalho. Não vejo e não sinto esse preconceito na Itália. Eu cheguei a ganhar uma bolsa de estudos para cursar a Escola de Jornalismo. E tive as mesmas oportunidades de um italiano.”

Diversidade é respeitada

“Na Itália, questões sociais e religiosas não influenciam no ambiente profissional, pelo menos na mídia. Meus colegas e muito menos meus chefes jamais fizeram distinção pelo fato de eu ser albanês. Pelo contrário, sempre admiraram minha história e minha trajetória.”

Domínio pleno do idioma ajudou

“Acho que o fato de ter chegado à Itália com apenas 10 anos e concluído os estudos aqui ajudou muito. Tenho pleno domínio do idioma, diria até que é a minha ‘língua mãe’, mesmo falando somente albanês em casa.”

Porque ainda há poucos imigrantes na mídia

“Não culpo a mídia por essa falta de mão de obra ‘estrangeira’. Jornalismo é sobretudo reportar e, é claro, usar apropriadamente a língua na qual o profissional se expressa.

O que acontece é que muitos filhos de imigrantes acabam seguindo o rumo profissional dos pais. No meu caso, foi uma vontade minha tentar outro caminho. E tive a sorte de contar com apoio familiar.

Eles resolveram se transferir para Milão, uma cidade que oferece oportunidades que no sul eu não teria. Principalmente no jornalismo.”


Esta matéria faz parte do Especial MediaTalks Diversidade na Mídia. Leia a edição completa aqui.

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