Londres – Temendo aumento da censura na Turquia, vinte e trรชs organizaรงรตes internacionais de liberdade de imprensa e de expressรฃo pediram hoje a rejeiรงรฃo imediata do projeto de lei sobre โ€œdesinformaรงรฃo e notรญcias falsasโ€ apresentado ao parlamento em 27 de maio.

Recebida com indignaรงรฃo, a proposta foi apontada como tentativa de expandir a censura online e criminalizar o livre fluxo de informaรงรตes no paรญs. 

Em marรงo, apรณs a invasรฃo da Ucrรขnia, o parlamento russo promulgou uma lei de fake news estabelecendo prisรฃo de atรฉ 15 anos para jornalistas ou cidadรฃos que divulguem informaรงรตes consideradas falsas pelo governo a respeito da guerra – que nรฃo pode ser chamada de guerra. 

Governo Erdogan e a censura na Turquia 

A administraรงรฃo do presidente Recep Tayyp Erdogan vem se notabilizando por perseguiรงรฃo a jornalistas e atos de censura, que colocaram a Turquia na 149ยช posiรงรฃo no ranking de liberdade de imprensa da organizaรงรฃo Repรณrteres Sem Fronteiras este ano, entre 180 naรงรตes. 

A carta conjunta, dirigida aos parlamentares da Turquia, tem entre os signatรกrios a Federaรงรฃo Internacional de Jornalistas, a Repรณrteres Sem Fronteiras, a Associaรงรฃo Mundial de Jornais (WAN-IFRA), a Article 19, a Coalizรฃo para Mulheres no Jornalismo (CFWIJ) e os PEN clubs dos EUA; Noruega e Suรฉcia, entre outras entidades. 

O projeto de lei ameaรงa com atรฉ trรชs anos de prisรฃo os culpados pela publicaรงรฃo deliberada de โ€œdesinformaรงรฃo e notรญcias falsasโ€ destinadas a instigar medo ou pรขnico, pรดr em perigo a seguranรงa interna ou externa do paรญs, a ordem pรบblica e a saรบde geral da sociedade turca.

Cidadรฃos da Turquia sujeitos ร  censura e puniรงรตes 

Segundo as organizaรงรตes que assinam a carta, a definiรงรฃo de desinformaรงรฃo e ‘intenรงรฃo’ รฉ deixada tรฃo vaga que coloca milhรตes de usuรกrios de internet da Turquia em risco de aรงรฃo criminosa por postar informaรงรตes com as quais o governo discorda. 

“Colocada nas mรฃos do judiciรกrio altamente politizado da Turquia, a lei se tornaria outra ferramenta para assediar jornalistas e ativistas e pode causar autocensura generalizada em toda a internet”, diz o comunicado. 

O projeto tambรฉm aumentaria qualquer sentenรงa em 50% quando as informaรงรตes fossem publicadas de contas de usuรกrios anรดnimos.

“Isso prejudica gravemente o anonimato na internet e intimida ainda mais aqueles que desejam publicar evidรชncias de corrupรงรฃo e irregularidades, mas temem as consequรชncias de serem identificados publicamente”, apontam as organizaรงรตes. 

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A alianรงa governante afirma que o projeto de lei estรก de acordo com a Lei de Serviรงos Digitais da Uniรฃo Europeia e o Regulamento Geral de Proteรงรฃo de Dados. No entanto, de acordo com a carta conjunta, nรฃo hรก tais disposiรงรตes em nenhuma dessas leis.

Lei da Turquia pode favorecer mรญdia que apoia governo

Outro aspecto que despertou preocupaรงรฃo das entidades รฉ que o projeto submete sites de notรญcias ร  Lei de Imprensa (Bacia Kanunu). Isso dรก a seus jornalistas acesso ao credenciamento oficial de imprensa e tambรฉm a fundos de publicidade pรบblica atravรฉs da Agรชncia de Publicidade de Imprensa oficial, Basin Ilan Kurumu (BIK).

Na prรกtica, no entanto, isso permitirรก que o governo financie sites de notรญcias prรณ-governo ao mesmo tempo em que exclui a mรญdia crรญtica que tenha sido acusada de violar a lei de desinformaรงรฃo.

A carta conjunta afirma que na fase de redaรงรฃo, o governo teria organizado uma consulta ร s plataformas digitais internacionais, mas nรฃo realizou reuniรตes com representantes da mรญdia, editores, associaรงรตes ou sindicatos de jornalismo, apesar de esses grupos e seus membros serem os mais afetados pela legislaรงรฃo.

O projeto de lei estรก atualmente no Parlamento. “No entanto, o papel do parlamento foi tรฃo fortemente prejudicado pelo sistema presidencial que o projeto de lei estรก sendo apressado sem o devido escrutรญnio ou debate, e corre-se o risco de que seja aprovado rapidamente dentro de dias”, temem os signatรกrios. 

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O documento destaca que a desinformaรงรฃo รฉ uma questรฃo importante e precisa ser combatida, “mas nรฃo ao preรงo de restringir os direitos dos jornalistas e os direitos de liberdade de expressรฃo do pรบblico”.

E salienta “que iniciativas desse tipo devem ser desenvolvidas em estreita consulta com a mรญdia e outras partes interessadas e incluir salvaguardas suficientes para a liberdade de expressรฃo e o jornalismo independente que possam impedir seu abuso pelo governo da Turquia para impor censura arbitrรกria”.

O estado da liberdade de imprensa na Turquia 

No รญndice global de liberdade de imprensa da Repรณrteres Sem Fronteiras, a Turquia รฉ destacada pelo autoritarismo e pelo controle dos meios de comunicaรงรฃo pela administraรงรฃo Erdogan, o que levou a populaรงรฃo a procurar outras fontes. 

Com 90% da mรญdia nacional sob controle do governo, a opiniรฃo pรบblica se voltou, nos รบltimos cinco anos, para a mรญdia crรญtica ou independente de vรกrias convicรงรตes polรญticas, como FoxTV, Halk TV, Tele1, Sรถzcรผ, mas tambรฉm sites de notรญcias locais ou internacionais (BBC Turkish, VOA Turkish, Deutsche Welle Turkish, etc.), para se informar sobre o impacto da crise econรดmica e polรญtica no paรญs.

Os autores do documento apontam que com a proximidade das eleiรงรตes de 2023, o sistema de “hiperpresidรชncia” de Recep Tayyip Erdogan nรฃo hesita em atacar jornalistas para esconder o declรญnio econรดmico e democrรกtico do paรญs e consolidar sua base polรญtica.

Mas observam que nem a censura quase sistemรกtica na internet, nem os processos abusivos contra a mรญdia crรญtica, nem a instrumentalizaรงรฃo da justiรงa permitiram atรฉ agora a Erdogan restaurar seu รญndice de popularidade, afetada por casos de corrupรงรฃo. 

“Prรกticas discriminatรณrias contra jornalistas e meios crรญticos, como a privaรงรฃo de cartรตes de imprensa, sรฃo comuns.

Os juรญzes sob as ordens do governo tentam limitar o debate democrรกtico censurando artigos online que abordam, sobretudo, casos de corrupรงรฃo. Esse contexto dificulta a publicaรงรฃo de informaรงรตes de qualidade.”

A RSF afirma ainda que aรงรตes judiciais por โ€œinsultoโ€ sรฃo por vezes movidas contra jornalistas que questionam figuras religiosas.

E que reportagens que tratam de violรชncia domรฉstica ou outras formas de abuso, especialmente quando produzidas por jornalistas do sexo feminino, podem dar origem a campanhas de รณdio nas redes sociais.

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