Londres – Assim como Dom Philips, jornalista britânico que desapareceu na Amazônia junto com o indigenista Bruno Pereira, outros profissionais estrangeiros de reportagem e fotografia têm documentado questões ambientais brasileiras e sido reconhecidos em prêmios internacionais pelo seu trabalho.
O prêmio “Década de mudança” (Decade of Change), do British Journal of Photography, teve entre os os 22 vencedores deste ano dois estrangeiros e uma meio brasileira, meio estrangeira que retrataram efeitos da poluição ambiental em Minas Gerais e na Bahia.
Conheça o trabalho dos três fotógrafos premiados cujas imagens foram feitas no Brasil, e também dois outros ensaios que retratam de forma poética a ansiedade climática e os efeitos do aquecimento global sobre pessoas com albinismo.
Prêmio de fotografia reconhece imagens sobre poluição no Brasil
5 minutos, por Rebeca Binda
Rebeca Binda é uma fotojornalista brasileira/italiana e pesquisadora independente, atualmente radicada em Londres.
Ela foi uma das vencedoras do prêmio de fotografia Década de Mudança com ‘5 minutos’, primeiro capítulo de um projeto documental investigativo que denuncia a destruição de terras realizada por mineradoras em Minas Gerais.
“O trabalho se concentra nas consequências do maior desastre ecológico da história do Brasil: o crime de Fundão.
Esta catástrofe provocada pelo homem contaminou uma área do tamanho de Portugal com metais pesados como mercúrio, cobre e alumínio, não só afetando o meio ambiente, mas mudando para sempre o modo de vida das comunidades locais.
Em 5 de novembro de 2015, a barragem de Fundão rompeu, causando uma onda de resíduos tóxicos da mina que expeliu uma nuvem de lama vermelho-ferrugem pela bacia do Rio Doce.
De acordo com estudos realizados pela Fundação SOS Mata Atlântica, os resíduos de lama removeram um total de 324 hectares de áreas de Mata Atlântica.
Semelhante à Amazônia, a Mata Atlântica é um bioma essencial no enfrentamento da crise climática, mas sua sobrevivência está ameaçada”.
Rebeca trabalhou para grandes jornais como The Guardian, e organizações como Refugee Journalism Project e Save The Children, em todo o mundo sobre questões relacionadas à justiça ambiental (mental), ecocídio, relacionamento humano e discriminação social. Ela é formada em Direito e mestre em Fotojornalismo pela University of Arts London.
O problema com a água – inspeção do solo, por Thomas Byczkowski
Outro trabalho reconhecido no prêmio de fotografia Década de Mudança feito no Brasil foi o de Thomas Byczkowski, fotógrafo alemão que desenvolve projetos motivados pela busca do significado da palavra “Heimat” (casa em alemão).
Ele vem de uma família de refugiados e se interessa em documentar como as pessoas lidam com perdas para a guerra ou desastres.
Thomas morou em 2019 no Brasil por um ano para documentar outro tipo de refugiado: os habitantes de Rio Doce após o desastre da mineração que aconteceu em novembro de 2015.
Parte do seu trabalho no Brasil foi publicado pela ONG alemã Misereor . Uma das imagens é usada em uma campanha nacional de conscientização da organização.
A fotografia vencedora do prêmio Década de Mudança retrata a poluição na Ilha Brava, localidade de Minas Gerais banhada pelo Rio Doce.
A imagem mostra Joelma, uma verdureira que verifica o solo da ilha onde mora com suas três filhas cultivando plantas e abelhas. Ela diz: “Nos sentimos indignados, desamparados”.
“Joelma é testemunha em primeira mão dos efeitos da poluição em larga escala como um dos principais impulsionadores do aquecimento do nosso planeta.
Sua pequena ilha não é mais um refúgio nem uma fonte de renda após o devastador desastre de mineração de seis anos atrás que contaminou o rio, uma área quase do tamanho da Áustria, cortando centenas de milhares de seu suprimento vital de água e destruindo suas casas.
Os efeitos ameaçam ainda mais uma área que tem que lidar com estações de verão cada vez mais secas, acelerando os efeitos das mudanças climáticas na região”.
Uma história sobre petróleo, poluição e racismo, por Tommaso Rada
Tommaso Rada é um fotógrafo italiano que vive em São Paulo. O prêmio foi concedido para uma fotografia que retrata um grupo de pescadoras durante uma reunião da comunidade na Ilha de Maré, na Bahia.
“As lideranças do Quilombo da Ilha de Maré são principalmente mulheres. E são elas que pescam.
Por causa da poluição causada pela indústria petroquímica, seu modo de vida foi profundamente afetado. Os quilombolas alegam que são discriminados pelo racismo ambiental”.
Há uma expressão dita pelos quilombolas em todo o Brasil: “Estamos na luta”.
Isso não é apenas uma declaração de luta por seus direitos e pelas injustiças que suas comunidades vivem. É uma forma de lembrar que eles estão levando adiante a luta pela liberdade iniciada por seus ancestrais escravos”.
“Uma imagem colorida infravermelha dos depósitos de gás do Porto de Aratu. O porto de Aratu-Candeias é responsável por 60% dos navios cargueiros que chegam e saem do estado da Bahia.
Com o aumento da industrialização, também houve um aumento do nível de poluição ambiental e incidentes relacionados ao meio ambiente, como em 2008, quando um navio norueguês perdido nas águas derramou óleo lubrificante, poluindo as áreas próximas”.
Rada trabalha com fotografia documental sobre questões socioeconômicas. Seus trabalhos foram publicados em diversas revistas e jornais como Financial Time, Der Spiegel, Monocle, Popoli, Popoli e Missioni, Private online edition, Expresso, Helsingin Sanomat, Courrier International, Le Pelerin, Washington Post e Forbes Brasil.
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Séries premiadas retratam ansiedade climática e albinismo
Na categoria Séries do prêmio de fotografia Década de Mudança, dois projetos foram vencedores: ‘Sentidos de desvanecimento’ de Ligia Poplawska e ‘Este é um Humano: uma grande curiosidade’, de Cynthia MaiWa Sitei.
Sentidos de desvanecimento, por Ligia Poplawska
Na série “Fading Senses” as fotografias premiadas exploram a ‘Solastalgia’ , um termo cunhado pelo filósofo ambientalista Glenn Albrecht em 2003 para descrever um estado de sofrimento emocional produzido pela ansiedade climática.
“O que acontece se perdermos nossos sentidos? Em tempos de extinção de várias espécies e efeitos devastadores causados pelas mudanças climáticas, a ansiedade ambiental é um problema crescente que afeta as sociedades.
Solastalgia, um nome relativamente novo que descreve um sofrimento emocional causado pela perda de ecossistemas, é caracterizado por uma perspectiva de um mundo em desvanecimento, uma experiência vivida da perda do presente”.
“Descrito como um estado relacionado com a Terra, reflete o ‘zeitgeist’ do nosso tempo. A ausência de sentidos, um dos maiores medos humanos, pode levar à percepção intra-mental, ecolocalização e flashbacks de memória”.
“‘Fading Senses’ é um projeto de pesquisa e um ensaio fotográfico no qual examino como a Solastalgia afeta nossa saúde mental e emocional e pesquiso as implicações da ausência de sentidos nos mecanismos cerebrais”.
“Como perdi temporariamente um dos sentidos no passado, essa privação tornou-se meu guia intuitivo, que apliquei ao método de trabalho e à linguagem visual. Durante o processo, fui atraído para lugares ligados à noção de suposta estabilidade e proteção, como a arquitetura socialista, o espaço de um zoológico, um lar para deficientes visuais ou um centro acrobático”.
“Com foco nesses lugares e nas pessoas que os habitam, busquei sinais visuais de desconexão, que refletem o sentimento de insegurança. Transformando minha pesquisa em uma narração especulativa, pretendo criar uma imagem mental de uma sensação inapreensível para sublinhar a desconexão humana do habitat natural”.
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“Este é um humano: uma grande curiosidade”, por Cynthia MaiWa Sitei
O projeto da artista queniana Cynthia MaiWa Sitei, sediada em Cardiff, “If This is a Human: a great curious”, aborda o impacto que a crise climática tem nas pessoas com albinismo, particularmente nas áreas rurais do Quênia e da Tanzânia.
“O aumento da temperatura está tendo um efeito extremamente prejudicial para aqueles com pouca melanina na pele. É o sol sendo o assassino silencioso”.
As imagens foram publicadas com a autorização da organização do prêmio de fotografia Decade of Change.
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