Londres – Depois de censurar jornais nacionais, estrangeiros e até uma plataforma educacional, a Rússia voltou sua atenção para a enciclopédia online Wikipédia: um tribunal do país entrou com ação contra a Wikimedia Foundation, dona da plataforma, para que todo o conteúdo “falso” sobre a guerra na Ucrânia seja removido.

A fundação foi multada em 5 milhões de rublos (cerca de R$ 330 mil) e contestou a decisão, alegando que as “informações na Wikipédia devem ser protegidas pela liberdade de expressão e não constituem desinformação”, como o governo russo alega no processo.

Em comunicado à imprensa, a Wikimedia Foundation afirmou que não vai remover informações sobre a guerra da Ucrânia, como parte de seu compromisso de fornecer conhecimento gratuito no mundo e por entender que a Rússia não tem poder de legislar sobre a plataforma, sediada fora do país. 

Wikipédia contesta censura na Rússia

A repressão a veículos de comunicação, redes sociais e páginas na internet aumentou na Rússia desde o início da guerra contra a Ucrânia.

O governo do presidente Vladimir Putin tenta de forma desesperada controlar as informações as quais a população tem acesso sobre o conflito, chamado pelas autoridades do país de “operação especial”.

Em março, o parlamento aprovou uma lei que pune com até 15 anos de prisão quem divulgar qualquer narrativa sobre a invasão que não seja validada pelo Kremlin.

As informações não autorizadas passaram a ser classificadas como “fake news”. Empresas de mídia, jornalistas e até indivíduos blogueiros passaram a ser perseguidos.  

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É com base nessa lei que o Tribunal de Moscou condenou a Wikimedia Foundation, entidade filantrópica com sede em São Francisco, nos EUA, por infração administrativa ao não remover informações “proibidas” da Wikipédia — todas em grande parte relacionadas à invasão russa da Ucrânia. 

No dia 6 de junho, a fundação, dona da Wikipédia e outras iniciativas de distribuição de conteúdo gratuito, apresentou um recurso para contestar a decisão da Justiça russa: 

“As informações em questão são baseadas em fatos e verificadas por voluntários que continuamente editam e melhoram os artigos no site; sua remoção constituiria, portanto, uma violação dos direitos das pessoas à liberdade de expressão e ao acesso ao conhecimento.”

Segundo a fundação, o governo russo pede que sejam removidas do país as páginas: Invasões Russas à Ucrânia (2022), Pólvora Negra, Batalha por Kiev, Crimes de Guerra durante a Invasão Russa da Ucrânia, Bombardeio do Hospital em Mariupol, Bombardeio do Teatro Mariupol e Massacre em Bucha.

“O apelo vem na esteira de um número crescente de pedidos do governo russo para censurar o conhecimento baseado em fatos na Wikipédia e projetos da Wikimedia em meio à invasão do governo na Ucrânia.”

De acordo com a decisão do tribunal da Rússia, as informações na Wikipédia são consideradas desinformação, o que representa “risco de desordem pública em massa” no país.

Além disso, a corte declarou que a Wikimedia Foundation está operando dentro do território russo e, portanto, seria obrigada a cumprir a lei russa.

Governo russo não tem jurisdição sobre Wikipédia

Na contestação apresentada pela Wikimedia Foundation, a organização rebate o argumento do governo russo sobre ser obrigada a cumprir a lei do país.

A entidade afirma que essa afirmação “faz parte de uma tendência crescente de empresas e sites serem solicitados a criar pessoas jurídicas no país, colocando usuários, funcionários e equipamentos sob a autoridade do governo russo e facilitando a solicitação de remoção de conteúdo de suas plataformas.”

Além de argumentar que o pedido do governo russo para remover informações da Wikipédia constitui uma violação dos direitos humanos, o recurso da Wikimedia Foundation afirma que a Rússia não tem jurisdição sobre a empresa.

“Descrever a Wikipedia como operando dentro do território russo descaracteriza a natureza global de seu modelo.

A Wikipédia é um recurso global disponível em mais de 300 idiomas. Todas as suas edições linguísticas, incluindo a Wikipédia russa, estão disponíveis para qualquer pessoa em qualquer país do mundo.”

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Com o bloqueio em massa de sites nacionais e internacionais, a Wikipédia na Rússia é um dos poucos meios de informação disponíveis para os russos.

Seu bloqueio, segundo a organização, afetaria mais de 145 milhões de usuários no país.

“O governo está direcionando informações vitais para a vida das pessoas em tempos de crise. Instamos o tribunal a reconsiderar a favor dos direitos de todos ao acesso ao conhecimento e à liberdade de expressão”, disse Stephen LaPorte, Conselheiro Geral Associado da Wikimedia Foundation em comunicado à imprensa.

“A Wikimedia Foundation continua comprometida em defender o direito de todos de acessar e compartilhar livremente o conhecimento.

Não cumprimos nenhuma ordem do governo russo até o momento e continuaremos a cumprir nossa missão de fornecer conhecimento gratuito ao mundo.”

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