Londres – Apesar de todas as pressões, o governo britânico assinou na manhã de hoje a ordem para extraditar Julian Assange para os EUA, sob a justificativa de que os tribunais do Reino Unido não entenderam que a extradição seria injusta ou incompatível com os direitos humanos. 

A decisão foi anunciada pela Secretaria Nacional do Interior, comandada por Priti Patel. A defesa do fundador do Wikileaks tem agora 14 dias para tentar um recurso contra a decisão.

Em entrevista coletiva organizada pela Associação de Correspondentes Estrangeiros de Londres (FPA, na sigla em inglês), a esposa do fundador do WikiLeaks, Stella, criticou o Reino Unido “por se envolver em uma perseguição em nome de uma potência estrangeira em busca de vingança porque Julian Assange expôs seus crimes”. 

Assange segue preso  

Cidadão australiano, Julian Assange permanecerá na penitenciária de segurança máxima Belmarsh, em Londres, onde está desde 2019 aguardando a tramitação do pedido de extradição feito pelos EUA, até que o novo recurso seja considerado. 

O país quer julgá-lo pelo vazamento de documentos obtidos pelo ex-oficial de inteligência do exército Chelsea Manning, que apontavam irregularidades das forças americanas no Iraque e no Afeganistão. Os documentos foram publicados no site WikiLeaks e reproduzidos pela mídia internacional. 

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Stella Assange, em entrevista coletiva em Londres após o anúncio da decisão de autorizar a extradição (Foto: MediaTalks) 

Na entrevista coletiva, Stella Assange assegurou que “usará todas as horas do dia para lutar para que a justiça seja feita”, e que embora já esperasse a decisão, acha difícil aceitar que sua vidas estejam sendo decididas por questões políticas. 

Perguntada sobre o estado do fundador do Wikileaks, ela disse que ele é forte e continua disposto a lutar. Com voz embargada, afirmou: “é como se eu estivesse no corredor da morte.”

E revelou que o marido pode cometer suicídio se levado para os EUA em condições que considera opressivas. 

“Isso o levará a tirar a própria vida. Isso não é simplesmente uma discussão regular sobre saúde mental. Estamos falando de levar uma pessoa a tirar a própria vida’.

O caso de Assange é considerado um marco para a liberdade de imprensa, pois sua condenação abre caminho para responsabilização criminal de jornalistas, veículos de imprensa ou informantes que tornem públicas informações confidenciais a fim de expondo más práticas ou crimes. 

O site WikiLeaks declarou que este é um dia sombrio para a liberdade de imprensa e para a democracia britânica ao confirmar a decisão de apelar.

 “Hoje não é o fim da luta”, diz o comunicado. “É apenas o começo de uma nova batalha legal. 

Recorreremos através do sistema legal e o próximo recurso será perante o tribunal superior.” 

A organização argumentou que qualquer pessoa que se preocupe com a liberdade de expressão deveria ter “profunda vergonha” da decisão anunciada pelo governo britânico. 

A líder da equipe de advogados, Jennifer Robinson, estava ao lado da mulher de Assange e disse que a defesa está também articulando com o governo da Austrália para conseguir a libertação do fundador do WikiLeaks. 

Stella disse que o primeiro-ministro eleito da Austrália, Anthony Albanese, teria se mostrado interessado em levá-lo para o país, e cobrou que o governo australiano entre no caso para conseguir evitar a extradição para os EUA. 

Tim Dawson, representante do Sindicato Nacional de Jornalistas do Reino Unido também participou da entrevista coletiva promovida pela Associação de Correspondentes e ressaltou os atos pelos quais eles é acusado são o trabalho diário dos jornalistas investigativos.

Entidades como a organização Repórteres Sem Fronteiras manifestaram-se imediatamente, expressando indignação e intenção de continuar lutando pela libertação de Julian Assange e retirada dos processos contra ele. 

A nota do Ministério do Interior diz: 

“Em 17 de junho, após consideração tanto pelo Tribunal de Magistrados quanto pela Suprema Corte, a extradição do Sr. Julian Assange para os EUA foi ordenada. O Sr. Assange mantém o direito normal de recurso de 14 dias.

“Neste caso, os tribunais do Reino Unido não entenderam que seria opressivo, injusto ou um abuso de processo extraditar o Sr. Assange.

Eles também não entenderam que a extradição seria incompatível com seus direitos humanos, incluindo seu direito a um julgamento justo e à liberdade de expressão, e que, enquanto estiver nos EUA, ele será tratado adequadamente, inclusive em relação à sua saúde.”

A segurança do fundador do Wikileaks tem sido o principal argumento de sua mulher, Stella, advogada que também faz parte da equipe de defesa.

Os dois se conheceram quando ele estava asilado na embaixada do Equador em Londres, tiveram dois filhos e se casaram em março, dentro da prisão

Ela destaca que o marido não poderia ser levado para um país que tentou matá-lo, referindo-se a um suposto plano dos EUA revelado pelo site de notícias Yahoo em 2021. 

Entenda o caso da extradição de Assange 

Julian Assange foi preso em Londres em 2019, depois de passar mais de seis anos na embaixada equatoriana como forma de evitar a extradição para a Suécia, onde respondia a um processo por agressão sexual, e depois para os EUA, por crimes contra a segurança nacional.

O fundador do WikiLeaks responde a 18 processos movidos pelo governo dos Estados Unidos sob alegação de uma conspiração para obter e divulgar informações de defesa nacional após a publicação de centenas de milhares de documentos vazados relacionados às guerras do Afeganistão e do Iraque no site.

Em janeiro de 2021, a juíza distrital britânica Vanessa Baraister acatou a tese da defesa de Assange e impediu a extradição, sob a justificativa de que ele corria risco de cometer suicídio se fosse para uma prisão de segurança máxima nos EUA.

Em fevereiro, a justiça britânica concedeu ao país o direito de recorrer apenas em três aspectos processuais que não envolviam o laudo médico apontando risco de suicídio, e segundo analistas tinham pouca chance de mudar o veredito.

Os advogados do Departamento de Estado americano apresentaram à corte uma série de garantias com o objetivo de atenuar o suposto risco de suicídio, entre elas a de que ele não ficaria submetido a regime especial de isolamento em uma prisão de segurança máxima.

A defesa de Assange tentou convencer a Suprema Corte de que ele não poderia ser extraditado para um país que tentou matá-lo, por causa das revelações feitas pelo site de notícias Yahoo em setembro a respeito de planos dos EUA para sequestrar e matar o fundador do Wikileaks em 2007.

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Mas não teve sucesso. O Departamento de Estado dos EUA conseguiu revogar a decisão em dezembro de 2021, abrindo caminho para a extradição.

Próximos passos na saga da extradição de Assange

Antes de a decisão da extradição ser anunciada, a defesa de Assange sugeriu que iria recorrer questionando  aspectos como motivação política, negligência legal e abuso de direitos democráticos. Isso manteria o ativista por mais tempo na penitenciária de Belmarsh.

A advogada Jeniffer Robinson confirmou que esses aspectos farão parte do recurso. 

Outra possibilidade é uma apelação ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, antecipada pelos advogados em uma coletiva de imprensa em outubro e confirmada hoje por Robinson.

Porém, como o Reino Unido não faz mais parte da União Europeia, não há garantias de que leve isso em conta.

Mesmo assim, a União Europeia escolheu o lado de Assange. Em maio, a comissão de Direitos Humanos do Conselho Europeu emitiu um pedido ao Reino Unido para não extraditar o fundador do Wikileaks.

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