Londres – Reconhecer imagens que retratem uma África bem diferente das cenas tradicionais de paisagens e animais selvagens é o objetivo do prêmio internacional CAP-Prize de fotografia contemporânea africana, que anunciou os vencedores nesta sexta-feira (17) durante a feira Photo Basel.
Realizado desde 2012 por uma organização não-governamental baseada na Suíça, o concurso premia visões artísticas e conceituais que ajudem a repensar a imagem do continente e abordem questões sociais relevantes tanto para os que vivem lá quando para africanos que migraram para outras partes do mundo.
Os cinco trabalhos vencedores de 2022, de autoria de fotógrafos do Egito, África do Sul, Madagascar e Congo, foram selecionados por um painel de 18 jurados de vários países. Conheça as séries e as histórias que os inspiraram.
Três das séries de fotografias do prêmio mostram realidades de mulheres africanas
Dupla identidade, por Pamela Tulizo, Congo
A primeira série é uma visão crítica sobre a forma como a imprensa internacional representa comunidades africanas.
Partindo da realidade urbana de Goma e das mulheres da província de Kivu, no norte da República Democrática do Congo, Pamela Tulizo produziu a série Dupla Identidade, com a ajuda de atores, manequins e dançarinos.
Essa identidade está ancorada em mais de 20 anos de instabilidade política no Kivu do Norte, enraizada em conflitos relacionados à alta concentração de minerais enterrados em seu solo e à fertilidade de suas terras.
Pamela Tulizo lamenta a “representação unilateral da imprensa internacional, ONGs, pesquisadores e artistas”.
Ela afirma que a constante abordagem negativa tem uma influência ainda mais negativa sobre as pessoas, especialmente em Goma, resultando em um círculo vicioso e impedindo o desenvolvimento positivo da região.
“Ideias externas popularizadas pela imprensa muitas vezes mostram mulheres vitimizadas.
Por outro lado, as imagens desta série mostram mais intimamente como as mulheres gostariam de ser representadas: como mulheres orgulhosas, bonitas, fortes e que lutam contra as injustiças sociais.”
Lip Service, por Remofiloe Nomandla Maysela, África do Sul
Lip Service, que dá nome a uma das séries reconhecidas no prêmio de fotografia africana CAP Prize, é uma expressão que significa concordar com alguma coisa mas não fazer nada de concreto para apoiar a causa, algo como “da boca para fora”.
A série explora a noção por trás da frase infame “O caminho para o coração do homem é através de seu estômago”. Um ditado ainda tão prevalente em um mundo onde as mulheres são supostamente liberadas.
“Ao longo dos anos, as mulheres foram ocupando espaços que lhes foram designados por um sistema cultural que promove o patriarcado. Esses espaços são muitas vezes confinados a uma casa. E o espaço mais proeminente que devemos ocupar é a cozinha.”
“As mulheres continuam a funcionar como fetiche de mercadoria dentro da cultura de consumo bem estabelecida, uma experiência não limitada pela nacionalidade e geografia.”
“Comparar as mulheres com a comida é um recurso retórico muito popular, e colocar as mulheres na mesma plataforma da comida faz com que pareçam iguais. Fácil de obter e desfrutar.”
“A roupa tradicional que uso é uma mistura de trajes domésticos ocidentais e locais sul-africanos, propagando o corpo feminino como propriedade colonial e cultural.”
“Em uma união institucional como o casamento, como uma jovem makoti (palavra para noiva ou nora) moderna, com base em minha experiência, comecei a questionar a forte atribuição cultural patriarcal das mulheres às cozinhas e seus corpos para consumo.”
O sonho de Kakenya, por Lee-Ann Olwage, África do Sul
“Em todo o mundo, 129 milhões de meninas estão fora da escola e apenas 49% dos países alcançaram a paridade de gênero no ensino fundamental, com a diferença aumentando no ensino médio.”
“Muitas meninas são informadas desde a mais tenra idade como serão suas vidas e não têm a oportunidade de sonhar, aprender e alcançar todo o seu potencial.
O que acontece quando um ambiente de apoio é criado onde as meninas têm a oportunidade de sonhar e prosperar?”
“Para este projeto de fotografia, trabalhei com as meninas do Kakenya’s Dream, uma organização sem fins lucrativos que aproveita a educação para empoderar meninas africanas, acabar com práticas tradicionais prejudiciais, incluindo mutilação genital feminina (MGF) e casamento infantil, e transformar comunidades na zona rural do Quênia.”
“O objetivo é investir em meninas de comunidades rurais por meio de iniciativas educacionais, de saúde e de liderança para criar agentes de mudança e criar um mundo onde mulheres e meninas africanas sejam valorizadas e respeitadas como líderes e iguais em todos os sentidos.”
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Sarotava, por Mahefa Dimbiniaina Randrianarivelo, Madagascar
“Sarotava, que significa máscara no idioma malgaxe, é uma série de fotografias baseada em um conceito: retratos de pessoas aleatórias sem cabeça.
“Muitas vezes julgamos as pessoas pela aparência, mesmo inconscientemente. Essa é a principal razão pela qual esses seres estranhos não têm cabeças.”
“Mas quero falar de um grupo específico de pessoas: o povo malgaxe. Madagascar é o único país que continua empobrecido nos últimos sessenta anos sem guerra.
Como você espera que o proletário pense sobre a situação política atual quando ele vive com menos de 1 dólar por dia?”
“É disso que trata esta série, sobre como as pessoas malgaxes vivem.
Aqui, você se sente na idade média mas tem acesso a toda a tecnologia do mundo contemporâneo. A hierarquia de necessidades do seu Maslow está de cabeça para baixo.”
“Todas essas pessoas nesta série compartilham essa história. Não importa se são católicos, muçulmanos, heterossexuais, gays, são produto da história desta terra.”
“Você não precisa conhecê-los pessoalmente para saber que cada um deles está se esforçando ao máximo, daí a ausência de cabeças. E o futuro deste país depende dessas pessoas.”
Ouro Branco, por Amina Kadous, Egito
“As primeiras sementes da minha identidade foram plantadas em El Mehalla Al Kobra, meu lar e também berço do algodão egípcio.
Vista pelos meus olhos jovens, a casa do meu avô irradiava luz e memórias refletindo os fios de algodão que se estendem há três gerações.
Meu bisavô era um comerciante de seda e lã, um dos primeiros em El Mehalla a liderar a fase inicial do comércio têxtil de fabricação popular da época.”
“No final da década de 1960 meu avô estabeleceu sua fábrica têxtil na cidade e meu pai juntou-se a ele na década de 1980, continuando a tecer os fios de nossa família e plantar a semente de algodão.”
“Eu me vejo refletido na jornada do algodão. Com base nos legados de meus avós, seus arquivos e a história de erosão do meu próprio país, tento, através deste trabalho de fotografia, reconectar e relembrar o que resta de nossas próprias sementes murchas de algodão e nossa riqueza cultural e que nos liga ao nosso passado histórico africano.”
“Exploro os planos de origem, evolução, erosão e renascimento. Sob as camadas, desdobra-se a linhagem do Egito, do passado ao presente que testemunhamos hoje. O que poderia ter sido, o que ainda poderia ser, e o que perdemos?”