Londres – Depois que o Reino Unido deu sinal verde para a extradição de Julian Assange, cidadão australiano, ativistas, entidades defensoras da liberdade de imprensa e a mulher do fundador do Wikileaks, Stella, intensificaram as pressões sobre o novo premiê da Austrália, Anthony Albanese, para que ele interfira a fim de evitar a transferência para os EUA.

Na terça-feira (21), a presidente federal da seção de mídia da Media, Entertainment and Arts Alliance (MEAA), Karen Percy, enviou uma carta ao primeiro-ministro australiano e à ministra das Relações Exteriores, Penny Wong, formalizando o pedido de ação direta do governo.

Enquanto isso, Stella Assange tem destacado em entrevistas e manifestações em redes sociais o apoio de parlamentares e celebridades australianas ao que pode ser a única saída para o fundador do WikiLeaks, depois da derrota em todas as instâncias judiciais britânicas. 

Entidades cobram que Austrália entre no caso Assange para evitar extradição

Se levado a julgamento pelo governo de Joe Biden, o fundador do WikiLeaks pode pegar até 175 anos de prisão por ter publicado no site WikiLeaks documentos confidenciais sobre atos do governo dos EUA nas guerras do Iraque e do Afeganistão. 

A ideia de levar Assange para a Austrália não é nova. O pai dele empreende há muito tempo uma campanha local para mobilizar a sociedade e os políticos. Mas o tom subiu na semana passada. 

Uma opção para Assange seria cumprir sua pena na Austrália, em vez de ir para os EUA, como oferecido pelo próprio governo norte-americano em suas garantias para a extradição do jornalista pelo Reino Unido. Ou ter as acusações contra ele retiradas e seguir para seu país de origem. 

Sem a intervenção do governo australiano, no entanto, ativistas não acreditam que isso ocorra.

Na entrevista coletiva em Londres logo após a aprovação da extradição pelo governo britânico ser anunciada, a mulher de Assange manifestou expectativa de que o recém-eleito premiê australiano, do partido Trabalhista, tivesse uma atitude diferente da do seu antecessor no caso, e lembrou que ele sinalizou isso durante a campanha. 

A Federação Internacional dos Jornalistas (IFJ, na sigla em inglês) e a sua afiliada australiana Media, Entertainment and Arts Alliance cobraram do governo da Austrália medidas rápidas para a retirada de todas as acusações contra Assange.

A MEAA, da qual o jornalista é membro desde 2007, destacou em nota que agora resta “apenas uma pequena chance de contestar a extradição”. Por isso, é importante o envolvimento do país, acredita a organização. 

Na carta enviada ao governo, a entidade lembrou que Assange é acusado de “divulgar registros do governo dos EUA que revelaram que os militares dos EUA cometeram crimes de guerra contra civis no Afeganistão e no Iraque, incluindo o assassinato de dois jornalistas da Reuters.”

A IFJ declarou que a decisão da semana passada do Reino Unido “é um golpe significativo para a liberdade da mídia e uma ameaça terrível para jornalistas, denunciantes e trabalhadores da mídia em todo o mundo.”

“Instamos o governo da Austrália a agir rapidamente para intervir e pressionar os governos dos Estados Unidos e do Reino Unido a rejeitar todas as acusações contra Assange. Jornalismo não é crime”.

Na carta enviada nesta terça-feira (21), a presidente da seção de mídia da MEAA, Karen Percy, diz:

“A decisão de manter a extradição para os EUA põe em perigo o jornalismo em todos os lugares.

Instamos o governo australiano a apelar ao relacionamento tradicionalmente próximo de nossa nação com os EUA para defender que as acusações sejam retiradas, o que permitiria que Assange fosse libertado da prisão e voltasse para sua família.”

Em outro trecho do documento, Percy ressalta que meios de comunicação de todo o mundo trabalharam com o WikiLeaks para publicar o mesmo material pelo qual Assange está sendo punido, incluindo veículos da Austrália, como o Sydney Morning Herald e The Age.

“Nenhum deles ou seus editores estão sendo perseguidos pelo governo dos EUA; só Assange está sendo perseguido.”

A representante da MEAA reitera que a extradição de Assange para os EUA representa um “passo perigoso” contra a imprensa mundial:

“Isso significaria que qualquer jornalista, em qualquer lugar do mundo, poderia ser indiciado e extraditado por divulgar qualquer informação que o governo norte-americano classifique como ‘secreta’.”

“Primeiro-ministro, a Austrália deve intervir para evitar que um cidadão australiano morra em uma prisão dos EUA por revelar informações de interesse público.

Pedimos que entre no caso  com o presidente Biden para encerrar essa perseguição a Julian Assange e permitir que ele seja libertado para se juntar à esposa e aos filhos.”

Agora hesitante, PM da Austrália já se posicionou contra extradição de Assange

Na segunda-feira (20), porém, o PM afirmou durante entrevista a repórteres que não aceitará pressão para intervir publicamente a favor do fundador do WikiLeaks.

Mas, em dezembro, quando ainda era o líder da oposição, ele disse que “não via o sentido” da “perseguição contínua” das autoridades americanas a Assange.

“Ele é um cidadão australiano também. E com isso deve vir a obrigação do governo australiano de garantir que ele receba o apoio adequado”, afirmou, na ocasião.

Aos repórteres em Melbourne, Albanese disse que não mudou de posição, acrescentando que também não aceitará pressão vinda de usuários de redes sociais:

“Há algumas pessoas que pensam que se você colocar as coisas em letras maiúsculas no Twitter e colocar um ponto de exclamação, isso de alguma forma o torna mais importante — não.”

Segundo a emissora australiana ABC News, o governo federal sondou aliados nos bastidores sobre a situação do cidadão australiano preso há três anos no Reino Unido.

Em entrevista à Sky News australiana, o  ministro do Trabalho, Tony Burke, disse ontem que conversações estariam em andamento mas que não conduziriam o que chamou de “diplomacia via megafone”. 

Mulher de Assange pressiona Austrália contra extradição

Stella Assange, que se casou com o jornalista em março dentro da penitenciária onde ele está preso há três anos, é uma das maiores ativistas pela libertação de Julian.

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Casamento de Assange na prisão teve festa do lado de fora e mobilização nas redes sociais

Nas redes sociais e na imprensa, ela é uma voz ativa que concentra o apoio recebido de personalidades e políticos ao marido.

Em publicação recente, ela compartilhou a declaração da professora australiana Kylie Moore-Gilbert, presa por mais de 800 dias no Irã pela Guarda Revolucionária Islâmica, ao tentar retornar ao seu país de origem depois de uma palestra, em 2018.

“Governo australiano, sua hora é agora. Primeiro-ministro e  ministra das Relações Exteriores ligue para Washington, ponha fim à provação de mais de uma década de Assange. Vocês podem não gostar dele, mas chegou a hora de defender nosso concidadão”, declarou Moore-Gilbert, libertada, em 2020, após uma troca de prisioneiros iranianos.

“O povo australiano não pode aceitar que vocês estão dispostos a lidar com os mulás no Irã por mim e pelo regime de El-Sisi no Egito por Peter Greste, podem David Hicks de Guantánamo, mas não podem convencer nossos aliados próximos a encerrar a perseguição política de Assange”, completou a professora.

Relembre o caso da extradição de Julian Assange

Julian Assange foi preso em Londres em 2019, depois de passar mais de seis anos na embaixada equatoriana como forma de evitar a extradição para a Suécia, onde respondia a um processo por agressão sexual, e depois para os EUA, por crimes contra a segurança nacional.

O fundador do WikiLeaks responde a 18 processos movidos pelo governo dos Estados Unidos sob alegação de uma conspiração para obter e divulgar informações de defesa nacional após a publicação de centenas de milhares de documentos vazados relacionados às guerras do Afeganistão e do Iraque no site.

Em janeiro de 2021, a juíza distrital britânica Vanessa Baraister acatou a tese da defesa de Assange e impediu a extradição, sob a justificativa de que ele corria risco de cometer suicídio se fosse para uma prisão de segurança máxima nos EUA.

Em fevereiro, a justiça britânica concedeu ao país o direito de recorrer apenas em três aspectos processuais que não envolviam o laudo médico apontando risco de suicídio, e segundo analistas tinham pouca chance de mudar o veredito.

Os advogados do Departamento de Estado americano apresentaram à corte uma série de garantias com o objetivo de atenuar o suposto risco de suicídio, entre elas a de que ele não ficaria submetido a regime especial de isolamento em uma prisão de segurança máxima.

A defesa de Assange tentou convencer a Suprema Corte de que ele não poderia ser extraditado para um país que tentou matá-lo, por causa das revelações feitas pelo site de notícias Yahoo em setembro a respeito de planos dos EUA para sequestrar e matar o fundador do Wikileaks em 2007.

Mas não teve sucesso. O Departamento de Estado dos EUA conseguiu revogar a decisão em dezembro de 2021, abrindo caminho para a extradição.

Na semana passada, a Secretaria Nacional do Interior anunciou a autorização para a extradição. A defesa ainda pode recorrer, mas as chances de sucesso são reduzidas. 

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