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Prisão de jornalista que cobria crime de gênero mostra avanço das perseguições na China

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Jornalista de mídia estatal chinesa é preso ao tentar noticiar crime contra mulheres (Foto: Reprodução/YouTube)

Em um ato incomum de perseguição até mesmo para os padrões da China, um jornalista da mídia estatal foi preso e espancado por policiais ao tentar noticiar um crime de violência de gênero, na cidade de Tangshan, na província de Hebei, norte do país, cujas imagens chocantes foram compartilhadas em redes sociais. 

O caso ganhou repercussão internacional pela ação das autoridades locais com a imprensa, que além de prender o jornalista, bloquearam a circulação de outros repórteres sob a justificativa de evitar disseminação da covid e lançaram uma ofensiva contra a “mídia falsa, repórteres falsos e notícias falsas.”

Apesar do governo local não citar o episódio do restaurante, a medida veio na sequência de relatos nas redes sociais sobre a ação da polícia e a obstrução aos jornalistas, sendo interpretada como uma tentativa mais ampla de autoridades nacionais da China de bloquear notícias sobre crimes de gênero. 

Jornalista que sofreu perseguição iria cobrir desdobramentos do crime

Na China, a censura e a perseguição fazem parte do dia a dia dos profissionais de imprensa, em especial estrangeiros e os de veículos independentes.

Muitos foram expulsos do país ou tiveram vistos de trabalho negados, como denunciou um relatório da Associação de Correspondentes Estrangeiros em fevereiro

Mas a perseguição a jornalistas da mídia estatal, como aconteceu com o repórter Zhang Weihan, da Guizhou Radio, é rara.

Principalmente porque ele não apurava um tema controverso ou delicado para o Estado, como política e economia, e sim um crime local acontecido numa pequena cidade no dia 10 de junho. 

Em entrevista à Rádio Free Asia (RFA), o jornalista chinês Lu Nan disse que a decisão das autoridades de adotar a campanha nacional é provavelmente uma tentativa direta de cessar as matérias sobre o caso de espancamento das mulheres.

“Eles não querem resolver problemas usando o estado de direito, mas apenas resolver questões de aplicação da lei com meios não legais, indo direto para as campanhas de ‘ataque duro’.

Isso significa que eles querem manter seu controle total sobre a expressão pública.”

O crime que deu origem ao caso de perseguição 

A história que deu origem à perseguição do jornalista chinês foi registrada por câmeras de segurança de um restaurante, mostrando o momento em que um grupo de nove homens agride quatro mulheres após uma delas reagir a um assédio sexual.

As imagens são fortes e mostram um ataque violento e brutal contra as vítimas, que recebem socos, chutes e são arrastadas até a rua pelos agressores.

Duas das quatro mulheres espancadas ainda estão hospitalizadas, segundo a Radio Free Asia (RFA).

O vazamento do vídeo da violência de gênero causou indignação entre os chineses e fez com que repórteres do país inteiro viajassem a Tangshan para cobrir o caso.

Foi o que fez Zhang Weihan, no dia 12 de junho, que iria produzir uma matéria para o programa “Common People Watch” com os desdobramentos do incidente.

Enquanto entrevistava pessoas no restaurante, a polícia chegou após receber um chamado para “um homem tocando música e urinando no local”, contou o jornalista em um vídeo compartilhado nas redes sociais.

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Os policiais não abordaram o homem acusado. “Em vez disso, a polícia me deteve e me pediu para cooperar com uma investigação sem dar nenhuma razão”, disse ele.

Depois de pedirem sua identidade e olharem mensagens em seu celular, os policiais prenderam Zhang sem explicar qual era a acusação.

Enquanto estava detido, o jornalista contou que um policial gritou com ele, segurou seu pescoço com o cotovelo, empurrou sua cabeça no chão e o forçou a se ajoelhar enquanto era revistado.

Quando Zhang mostrou seu cartão de imprensa, um oficial o chamou de “não qualificado e ignorante”.

Horas depois ele foi libertado após ser revistado uma segunda vez, e saiu da delegacia sem “nenhuma explicação” ou documentação sobre sua prisão,  afirmou o jornalista alvo da perseguição das autoridades policiais na China.

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Zhang ainda contou no vídeo que assim que chegou à Estação Ferroviária de Tangshan, em 11 de junho, um funcionário disse que ele não poderia sair dali porque não havia notificado as autoridades da cidade de sua chegada com pelo menos 48 horas de antecedência, citando que isso era necessário por causa das restrições de covid-19.

Após essa orientação, o jornalista disse que encontrou um portão sem guardas e deixou a estação. E alertou:

“Vale a pena discutir se é uma medida normal de prevenção de doenças ou uma desculpa para impedir que pessoas de fora, como jornalistas, entrem na cidade”.

A RFA e demais mídias locais reportaram outros casos de jornalistas que viajaram a Tangshan para cobrir o caso da agressão às mulheres e foram orientados por autoridades a não circularem pela cidade por causa da pandemia.

Entidades reagem à perseguição do jornalista chinês 

Organizações internacionais de jornalismo como o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) e a Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) condenaram a prisão e o tratamento que Zhang Weihan recebeu na delegacia.

“A polícia em Tangshan e em outros lugares precisa permitir que os jornalistas façam seu trabalho de reportar as notícias e informar o povo chinês sobre eventos importantes, incluindo crimes”, disse Steven Butler, coordenador do programa asiático do CPJ, em Washington, nos EUA.

A FIJ ainda se manifestou contra a “campanha especial” promovida pelo governo da província de Hebei contra “notícias falsas” e endossada por órgãos governamentais. 

Segundo informações da RFA, dias após o incidente no restaurante de Tangshan, o procurador da região, em conjunto com o órgão regulador da internet, a associação estatal de jornalistas e agência de rádio, cinema e televisão, emitiu um aviso lançando “uma campanha especial visando notícias falsas e extorsão no jornalismo”, interpretada como uma forma de perseguição aos jornalistas. 

“[Esses departamentos do governo] lançaram uma campanha especial contra notícias falsas e extorsão jornalística”, disse uma nota publicada no site do governo provincial em 16 de junho.

“A principal tarefa desta campanha será reprimir a extorsão jornalística e as notícias falsas, investigar e punir mídias falsas, repórteres falsos e agências falsas e retificar ‘notícias pagas’.”

A nota acrescenta que a ação será coordenada por uma força-tarefa no departamento de propaganda do ramo provincial do Partido Comunista Chinês (PCC), afirmou a RFA.

“Incidentes de censura, perseguição, detenção, ameaças e assédio contra jornalistas e trabalhadores da mídia são frequentemente documentados pela FIJ na China”, diz a federação em nota.

“Reportagens legítimas e independentes devem ser permitidas sem intervenção ou restrições legais das autoridades chinesas.”

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No centro das atenções do mundo desde o surgimento do coronavírus, a China ficou mais sensível à sua imagem no que se refere ao combate à pandemia e adotou as mais duras restrições contra o vírus.

Porém, o uso das medidas sanitárias como “desculpa” para censura a jornalistas é  algo que já tinha sido constatado por entidades internacionais defensoras da liberdade de imprensa em estudos sobre a China.

Em relatório publicado neste mês, o CPJ identificou como o governo chinês está usando cidadãos para perseguição com o objetivo de tirar a credibilidade de informações publicadas por jornalistas estrangeiros ou até mesmo de ascendência chinesa que trabalham para veículos ocidentais fora do país.

O comitê denunciou que entidades ligadas ao Estado na China passaram a perseguir publicamente jornalistas estrangeiros, resultando em grandes campanhas de assédio online e pessoal.

Parte disso, segundo concluiu a organização, se dá pelo controle que a China quer ter sobre as acusações feitas no exterior de que lidou mal ou até originou a pandemia.

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A campanha anunciada pelo governo da província de Hebei não pode ser considerada uma novidade no país.

Uma análise feita pelo Instituto Australiano de Política Estratégica (ASPI, na sigla em inglês) descobriu como funciona uma rede de ataques coordenados a jornalistas, em especial mulheres de origem étnica chinesa que trabalham para grandes veículos de mídia, no Twitter.

O foco da perseguição da tem sido em jornalistas que atuam nos principais meios de comunicação ocidentais como as revistas New Yorker e The Economist, os jornais New York Times e The Guardian e o site de notícias financeiras Quartz.

Alguns exemplos são os ataques que as contas do Twitter de Jiayang Fan (New Yorker), Alice Su (The Economist) e Muyi Xiao (New York Times) receberam em maio.

Muitas das mensagens diziam que elas eram “traidoras” e “manchavam” a imagem da China, uma perseguição que assusta e pode reprimir o trabalho, gerando um efeito de autocensura. 

Segundo os pesquisadores, além das jornalistas, analistas e ativistas de direitos humanos da China também estão sendo objeto de  perseguição online “contínua, coordenada e em grande escala” que dissemina ódio e estimula a perseguição às profissionais, configurando uma nova tentativa de censura. 

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