Londres – As pesquisas que registram elevada aprovação popular do presidente Vladimir Putin e apoio à guerra na Ucrânia podem não refletir o verdadeiro sentimento dos cidadãos, ou estarem sendo fortemente influenciadas por “manobras” destinadas a atenuar percepções negativas. 

Publicação de enquetes com dados incompletos, sem comparação com outros políticos ou com anos anteriores para ocultar queda de apoio, bem como entrevistas com perguntas feitas sob medida para obter a resposta desejada estão entre as práticas reveladas em uma análise do site independente russo Proekt.

Ex-funcionários de dois dos maiores institutos de enquetes populares da Rússia contaram ao veículo porque a maioria das pesquisas publicadas no país não são confiáveis e qual o envolvimento de Putin nisso. 

Putin parece estável, mas aprovação oscila 

A formação da opinião pública sobre dirigentes e governos é a soma de um conjunto de influências, e uma das principais é o noticiário da imprensa.

Bem antes da guerra, a administração de Vladmir Putin já utilizava a mídia estatal para transmitir mensagens favoráveis ao governo e evitar críticas, transformando os canais públicos em fontes pouco confiáveis de informação.

Depois da invasão à Ucrânia, a maioria dos veículos independentes deixou de existir ou de atualizar seu conteúdo, como o Novaya Gazeta, do jornalista premiado com o Nobel da Paz Dmitry Muratov.

Mas as pesquisas de opinião também ajudam a construir a imagem de líderes e governos, ao convencer o público de que uma parcela expressiva da população os aprova. Putin sabia disso há muito tempo. 

Segundo a investigação do Proekt, publicada na quinta-feira (7), desde os anos 2000 o presidente russo passou a “controlar” os sociólogos responsáveis pelas pesquisas populares, quando viu que seus índices de aprovação, que chegaram a bater 84% em 2010, começaram a oscilar.

Funcionários do Kremlin relataram que o presidente se irritava e culpava sua equipe por falhas que estariam causando má percepção. 

Não há sugestão de que os dados sejam ou tenham sido alterados ou inventados, e sim de que manobras são feitas para ocultar o que não interessa e obter resultados em linha com o pensamento do governo. Uma delas é não divulgar dados de institutos de pesquisa independentes na mídia oficial estatal. 

“Eles aprenderam a dar aos cidadãos as respostas certas para as perguntas [sobre o presidente]”, diz o Proekt. 

Dessa forma, dados de pesquisas públicas divulgados pelos órgãos pró-governo Fundação Opinião Pública (FOM, na sigla em russo) e Centro de Pesquisa de Opinião Pública da Rússia (VTsIOM, na sigla em russo) refletem uma tendência de crescente aprovação do governo e raramente ficam abaixo de 60%.

O Proekt comparou em um único gráfico o que os dois institutos exibem publicamente sobre aprovação do presidente. 

Na vermelha, o FOM pergunta: Você acha que o Presidente Putin trabalha em seu cargo muito bem ou muito mal?

Na azul, o VTsIOM pergunta: Você geralmente aprova ou desaprova as atividades do Presidente da Rússia?

Gráfico sobre aprovação de Putin tem número inexatos
(Foto: Reprodução/Proekt)

Mas a verdade, segundo a reportagem investigativa, é que nos últimos anos a classificação de Putin tem oscilado constantemente.

Dados acessados pelo Proekt e citados nas entrevistas com os ex-funcionários dos institutos pró-governo indicam que a avaliação do presidente russo atinge pico mínimo inferior a 40% na pesquisa mais recente.

A reportagem simula o que seria a evolução histórica para  duas perguntas:

A linha vermelha correspondente à pergunta feita pelo FOM: Em geral, você aprova ou desaprova as atividades do Presidente da Rússia? 

A linha azul mostra a pergunta do VTsIOM: Todos nós confiamos em um povo, outros não. E se falarmos de políticos, em quem você confia e em quem não encarregaria de resolver questões importantes do país? (pergunta aberta, o próprio entrevistado indica)

Gráfico sobre aprovação de Putin com projeção de número reais
(Foto: Reprodução/Proekt)

A queda acentuada na aprovação de Putin a partir de 2018, ano de reforma da previdência, preocupou os funcionários do Kremlin.

Temendo a reação do líder russo com as flutuações nas pesquisas, eles pediram às equipes do FOM a publicação de novos dados, sem compará-los com os antigos.

Desde então, os dois institutos só mantêm em seus sites os números recentes, com os dados mais antigos disponíveis sendo de 2019 (FOM) e 2020 (VTsIOM).

“Putin dá tanta importância à sua classificação que, por causa dele, as autoridades fizeram manipulações significativas de pesquisas de opinião pública”, aponta  a investigação do Proekt.

E, também por causa da “vaidade” de Putin, os sociólogos que conduzem as pesquisas públicas pararam de compará-lo com outros políticos.

Um exemplo citado aconteceu em 2010, quando Dmitry Medvedev era presidente e Vladimir Putin era primeiro-ministro da Rússia, com classificações quase iguais (77% e 76%). Naquele momento, 24% se diziam inclinados a votar em Putin, e 21% em Medvedev.  

Mas pouca gente soube, pois os institutos pró-governo não divulgaram os números. Isso foi confirmado pelo estrategista político Gleb Pavlovsky, que trabalhou com o Kremlin na época. 

A equipe de Putin estaria incomodada com a classificação não apenas de Medvedev, mas também de governadores. “Algumas regiões foram apresentadas: “Por que a classificação do seu governador está crescendo, mas a classificação de Putin não?” – disse ao Proekt um analista político que trabalhou em campanhas eleitorais regionais.

Respostas ‘corretas’ induzem entrevistados

Além da aprovação de Putin, pesquisas dos institutos pró-governo também questionaram os russos sobre a guerra na Ucrânia. A investigação do Proekt descobriu que o apoio majoritário ao conflito se deu pela orientação de qual resposta os entrevistados deveriam dar.

Por exemplo, a questão “quais objetivos a Rússia busca [com a ‘operação especial’]” tinha cinco respostas possíveis: 

“Garantir a segurança da Rússia, conseguir o desarmamento da Ucrânia e impedir a Otan no seu território”; “proteger os moradores de Donetsk e Luhansk”; “mudar o curso político da Ucrânia retirando os nacionalistas do poder”; “eliminar o Estado da Ucrânia ao anexar seu território à Rússia”; e “não sei/acho difícil responder.” 

Três das quatro respostas foram desenhadas para os apoiadores da guerra, na avaliação do veículo russo.

Todos os entrevistados envolvidos aos órgãos de pesquisa, incluindo os ex-funcionários do VTsIOM e FOM, disseram ao Proekt que os institutos não “fabricam os números”, pois basta que eles conduzam “corretamente” uma pesquisa para conseguir o resultado desejado. 

Outra forma de obter o resultado desejado é entrevistar pessoas em determinadas circunstâncias. Uma das fontes da investigação do Proekt contou que em abril e maio de 2022, o VTsIOM realizou pesquisas em assentamentos da região de Donetsk, que haviam sido recentemente capturados pela Rússia.

Em Volnovakha, Mangush, Volodarsky e Bezymennoye, os entrevistadores trabalhavam em pontos de alojamento temporário para refugiados, e em Mariupol a primeira pesquisa foi realizada no local de emissão da ajuda humanitária da Rússia Unida.

Em tais circunstâncias, “cidadãos intimidados darão respostas “seguras””, diz a socióloga Elena Koneva ao Proekt.

Os resultados não são representativos, mas, de acordo com Koneva, esse objetivo não existe: as conclusões os resultados serão usados principalmente para relatar ao Kremlin e para fins de propaganda para mostrar que a população dos territórios ocupados não é contra a ocupação.

Aprovação da guerra com a Ucrânia 

As manobras ajudam na construção de uma realidade alternativa para Putin e os cidadãos russos, afirma a investigação. Com o início da guerra, pesquisas divulgadas pelos órgãos públicos relataram que a maioria dos russos apoiava a invasão. 

O VTsIOM registrou em 5 de março que a operação tinha apoio de 71% dos residentes pesquisados da Rússia, enquanto 21% não apoiavam e 8% não souberam responder.  E  70% dos cidadãos acreditavam que as tropas russas venceriam. 

Em estudo encomendado pelo governo o FOM chegou a resultados parecidos: 65% a favor e 17% contra. 

Ao mesmo tempo, o sociólogo Sergei Khaikin, juntamente com um grupo de colegas, realizou um estudo independente, encontrando dados um pouco diferentes: 51% a favor da guerra e 27% contra, mas ainda assim altos. 

No entanto, ao analisar a opinião de pessoas mais jovens residentes em Moscou e São Petersburgo, a pesquisa revelou uma proporção mais alta de condenação à invasão: 40%.

Outra descoberta foi de que a maioria daqueles que aprovam a guerra acredita na mídia estatal (73%). Entre os que não aprovam o conflito, 85% não confia na imprensa controlada pelo governo.

A conclusão é de que a aprovação da guerra iniciada por Putin na Ucrânia é concentrada em pessoas com menos acesso a informações confiáveis e independentes, que baseiam sua opinião principalmente na propaganda do governo veiculada em canais oficiais. 

Dados de ‘pesquisa oculta’ teriam preservado YouTube 

A reportagem ainda afirmou que diversas pesquisas sobre aprovação do governo ou de políticas específicas não chegam ao conhecimento do público, com os resultados da maioria delas compartilhados apenas com autoridades. 

Uma estimativa de um ex-funcionário da VTsIOM, Dmitry Rudenkin, aponta que pelo menos um terço dos resultados não é publicado. Outro ex-funcionário da FOM disse que esse número pode ficar entre 50% e 70%.

Um dos estudos não divulgados, segundo a investigação, questionava os cidadãos sobre uso do YouTube, quando o governo planejava bloquear o serviço em seu território.  A população se mostrou favorável ao site de streaming de vídeos, mas a pesquisa não foi divulgada. 

Desde o início da guerra, dezenas de sites estrangeiros foram banidos da Rússia, como Facebook, Instagram e até o app educacional Brainly. O YouTube não foi bloqueado, e o Proket sugere que o risco de causar insatisfação entre os usuários e perder apoio para o governo influenciou na decisão. 

Outro “dado” frequentemente ocultado dos resultados de pesquisas populares na Rússia é a visão sobre Alexei Navalny, o principal opositor político de Putin, preso na Sibéria. 

Segundo o Proekt, a percepção pública sobre Navalny é avaliada na maioria das pesquisas por telefone. Mas, nos sites do VTsIOM e FOM, o nome de Navalny é encontrado apenas em respostas a perguntas abertas, ou seja, quando os entrevistados mencionaram o oposicionista por iniciativa própria nos últimos anos.

No auge dos protestos do ano passado após o julgamento de Navalny, a FOM, encomendada pelas autoridades, estudou como jovens de 17 a 35 anos avaliavam a posição do governo no caso. E a principal conclusão não agradou em nada o Kremlin:

“Entre os entrevistados, há aqueles que simpatizam com Putin e aqueles que sentem antipatia por ele, muitos o tratam com neutralidade, indiferença. Mas praticamente ninguém votaria nele agora.”

Aprovação de Putin por outros institutos fora da mídia estatal

Diante da impossibilidade de controlar todos os institutos que fazem pesquisas de opinião na Rússia, alguns internacionais, o Kremlin partiu para a censura.

Há dois anos, os veículos de comunicação controlados pelo governo foram proibidos de noticiar pesquisa do Levada Center, incluindo as que tratam de aprovação do presidente Putin. O instituto faz parte da lista de “agentes estrangeiros” do governo russo. 

De acordo com o diretor do centro Denis Volkov, a mídia pública só pode se referir aos resultados de estudos antigos, mas isso também raramente é feito. 

O Proekt verificou os sites da mídia pró-governo russo e descobriu que o Russia Today não tem notícias com informações do Levada Center desde janeiro de 2020; o canal de TV 360 desde fevereiro; a RBC desde abril, e os sites Kommersant e Vedomosti desde agosto de 2020.

Ironicamente, a pesquisa mais recente do Levada Center sobre políticos na Rússia, publicada na semana passada, não é negativa para o presidente. Ela mostra que Putin passou de 28% de aprovação em abril para 40% em junho. Mas os resultados diferem do que é oficialmente apontado pelos dois principais institutos pró-governo 

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