O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, viajou para o Oriente Médio para se reunir com líderes de Israel e da Arábia Saudita num momento em que ambos países são alvos de críticas pela falta de resolução das mortes de dois jornalistas e prisões arbitrárias.
Em editorial publicado no Washington Post (WP), Biden justificou sua visita como parte do esforço dos EUA em melhorar o relacionamento com a região, em especial com a Arábia Saudita, abalado em 2018 com o assassinato de Jamal Khashoggi, colunista do mesmo jornal. Mas o CEO do jornal rebateu com outro artigo criticando “as boas intenções”.
Enquanto isso, familiares da jornalista palestino-americana Shireen Abu Akleh, morta em maio durante a cobertura de um ataque na Cisjordânia ocupada, divulgaram uma carta enviada ao presidente dos EUA pedindo uma reunião com ele por discordarem da conduta do governo no caso. E manifestantes organizaram protestos para os dias da visita.
Entidades contestam viagem de Biden ao Oriente Médio
Biden desembarcou em Tel Aviv na quarta-feira (13). De lá segue para a Palestina, no dia 15, e depois voa para Jedá.
Sabendo que sua primeira visita ao Oriente Médio seria motivo de indagações por todos os lados, Biden se antecipou oferecendo aos cidadãos americanos o seu ponto de vista sobre os objetivos da viagem.
No editoral publicado em 9 de julho no Washington Post (WP), ele admitiu saber que “muitos” discordavam de sua passagem pela Arábia Saudita:
“Minhas opiniões sobre direitos humanos são claras e duradouras e as liberdades fundamentais estão sempre na agenda quando viajo para o exterior, como estarão durante esta viagem, e também estarão [na passagem] em Israel e na Cisjordânia”.
Mas reforçou a necessidade de “reorientar – não romper – as relações com um país que é parceiro estratégico há 80 anos”.
Opinion | Joe Biden op-ed: What I hope to accomplish in Saudi Arabia and Israel – The Washington Post https://t.co/EMt9XPlBDz
— U.S. Embassy in Qatar (@USEmbassyDoha) July 10, 2022
O texto de Biden provocou reações de entidades internacionais de imprensa e do próprio jornal, que perdeu, há quatro anos, o colunista saudita Jamal Khashoggi, morto no consulado de seu país na Turquia.
Em 2 de outubro de 2018, Khashoggi entrou no prédio do consulado saudita em Istambul para iniciar os trâmites do casamento com sua noiva turca.
Segundo autoridades americanas e turcas, um esquadrão saudita esperava pelo jornalista lá dentro. Ele teria sido estrangulado e seu corpo desmembrado para ser ocultado.
O assassinato gerou indignação internacional e agências de inteligência ocidentais afirmaram que o príncipe herdeiro saudita, Mohamed bin Salman, autorizou o crime.
O príncipe, de acordo com a agência AFP, afirma que aceita a responsabilidade da Arábia Saudita no caso, mas rejeita qualquer vínculo pessoal.
O caso se arrasta por anos e, em abril, o Supremo Tribunal da Turquia atendeu ao pedido da promotoria e decidiu transferir o processo que investiga a morte do jornalista para a Arábia Saudita — onde dificilmente haverá condenação dos envolvidos.
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O CEO e publisher do jornal para qual Khashoggi colaborava escreveu um duro editorial em resposta ao do presidente dos EUA. Para Fred Ryan, a viagem de Biden tem cunho eleitoral e pode significar o fim da responsabilização da Arábia Saudita na morte do jornalista:
“Quando, buscando votos, Biden prometeu fazer do príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman um ‘pária’ por seu papel no assassinato do colunista do Washington Post Jamal Khashoggi, o mundo tinha todos os motivos para pensar que ele falava sério.
Então, por que o presidente Biden agora vai a Jiddah de joelhos para apertar a mão manchada de sangue do ‘pária’? Mais uma vez, ele está em busca de votos.”
Ryan destaca que o líder dos EUA justificou sua viagem como uma medida necessária para promover a estabilidade no Oriente Médio e impedir agressões da Rússia e China, além de tentar a redução nos preços dos combustíveis no país.
“Biden precisa que os sauditas aumentem sua produção de petróleo para ajudar a manter os preços globais da energia sob controle.
A viagem passa a mensagem de que os Estados Unidos estão dispostos a olhar para o outro lado quando seus interesses comerciais estão em jogo.”
Na esteira dos textos publicados no WP, a organização Repórteres sem Fronteiras (RSF) também cobrou de Biden o compromisso com a liberdade de imprensa durante sua visita à Arábia Saudita.
“Esta visita à Arábia Saudita pode ser a última oportunidade para deixar claro a Mohamed bin Salman o que os EUA querem dizer quando se trata de liberdade de imprensa e pedir reformas há muito esperadas”, disse o secretário-geral da RSF, Christophe Deloire.
RSF calls on Joe Biden to advocate firmly and successfully for the release of the 28 journalists detained arbitrarily in #SaudiArabia when he visits the Kingdom and meets with MBS, widely suspected of ordering Jamal Khashoggi’s murder.https://t.co/01WWYznsWB
— RSF (@RSF_inter) July 13, 2022
A entidade lembrou que poucas semanas depois de assumir o cargo de presidente, Biden tirou o sigilo de um relatório da CIA sobre a morte de Khashoggi que incriminava o príncipe saudita.
“Avaliamos que o príncipe herdeiro da Arábia Saudita Muhammad bin Salman aprovou uma operação em Istambul, na Turquia, para capturar ou matar o jornalista saudita Jamal Khashoggi”, diz o documento.
“Instamos o presidente Biden a levantar como uma questão de prioridade urgente com MBS a necessidade de conceder a Raif Badawi passagem segura do país, libertar os 28 jornalistas atualmente presos e garantir justiça para Jamal Khashoggi sem mais delongas”, acrescentou Deloire.
O blogueiro Raif Badawi foi detido de forma arbitrária e ganhou a liberdade em março após cumprir uma sentença de dez anos de prisão por “insultar o Islã”. Agora, o jornalista está proibido de sair Arábia Saudita por mais dez anos, segundo a RSF.
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Família de jornalista palestina pede reunião com Biden
A morte de Khashoggi não é a única que mancha a passagem de Biden pelo Oriente Médio.
No início do mês, o governo americano divulgou um relatório apontando que a repórter da TV Al Jazeera foi morta por um tiro que partiu das forças israelenses, porém, afirma não ter sido possível descobrir se o disparo foi intencional.
A família da jornalista, que já tinha questionado essas conclusões, solicitou uma reunião com Biden para esclarecer os pontos avaliados na análise do Departamento de Estado dos EUA.
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O irmão de Abu Akleh, Anton, assinou a carta que acusa a Casa Branca de favorecer o governo de Israel ao não responsabilizá-lo de forma direta pelo crime, em “uma aparente intenção de minar nossos esforços em direção à justiça e responsabilização pela morte de Shireen”.
“Os Estados Unidos estão se escondendo para apagar qualquer irregularidade das forças israelenses”, diz o texto.
“As ações de seu governo só podem ser vistas como uma tentativa de apagar o assassinato extrajudicial de Shireen e fortalecer ainda mais a impunidade sistêmica desfrutada pelas forças e autoridades israelenses por matar palestinos ilegalmente.”
A família ainda pediu a Biden que desconsidere o relatório do Departamento de Estado e indique o FBI e outras agências do país para investigarem o caso.
This morning, our family sent this letter to @POTUS demanding that he meet with us during his upcoming trip to the region. We deserve accountability. #JusticeForShireen pic.twitter.com/BfBHUhkOXB
— Lina Abu Akleh (@LinaAbuAkleh) July 8, 2022
A sobrinha da jornalista, Lina Abu Akleh, disse em entrevista ao The Guardian que a família não teve resposta do governo americano para o pedido de se encontrar com Biden.
“Os EUA estão claramente tentando enterrar o caso”, ela disse. E acrescentou:
“Se Shireen fosse morta na Ucrânia, tenho 100% de certeza que a reação teria sido completamente diferente. Haveria ação desde o primeiro dia. Haveria responsabilização. Teria havido uma investigação transparente e independente. E teria havido justiça.”
Shireen Abu Akleh era um dos rostos mais conhecidos da mídia palestina e sua morte causou comoção na região. Protestos e confrontos com a polícia israelense aconteceram até mesmo em seu funeral, acompanhado por milhares de palestinos.
A visita de Biden motivou manifestações em Israel, onde ele passou primeiro por Jerusalém. Cartazes e faixas estamparam o rosto da jornalista da Al Jazeera pelas ruas e cobraram justiça.
Raising the photo of Palestinian journalist Shireen Abu Akleh opposite the Church of the Nativity shortly before Biden's visit to Bethlehem. pic.twitter.com/dxGIRUVkhZ
— V PALESTINE 🇵🇸 (@V_Palestine20) July 14, 2022
Em Belém, ativistas também espalharam cartazes com os dizeres: “Sr. Presidente, isso é apartheid”, em referência a violência sofrida pelos palestinos que vivem naquela região, um dos territórios ocupados por Israel.
Seen in #Bethlehem, ahead of #Biden's visit.#BidenVisitIsraelRejected pic.twitter.com/kIcaQiOmJ1
— Liberation For Palestine🇵🇸 (@SeekingFreedo15) July 13, 2022