Londres – Em países como o Brasil, em que a devastação da Amazônia é assunto frequente no noticiário, ou os EUA, assolados por eventos climáticos extremos, seria natural que o público tivesse interesse maior em informações sobre as mudanças climáticas, mas um estudo de comportamento diante das notícias revelou justamente o contrário.
A pesquisa Digital News Report 2022 do Instituto Reuters para Estudos do Jornalismo descobriu que em mercados com maior polarização política as pessoas se demonstram menos interessadas em notícias sobre a crise ambiental.
A tendência é mais acentuada entre os eleitores da direita, que acabam puxando a média desses países para baixo.
Documentários e filmes, fontes principais de informação sobre mudanças climáticas
Nos EUA, o mercado com o menor nível de interesse em notícias sobre mudanças climáticas entre os 46 pesquisados – 30% – o abismo entre eleitores que se declaram da direita ou da esquerda é de 41 pontos percentuais. O Brasil aparece em décimo lugar no ranking de interesse.
A pesquisa, realizada em 46 países, também apontou que os documentários de TV e filmes são mais eficazes como fontes de informação sobre o aquecimento global do que o noticiário regular da mídia, já que adotam narrativas mais atraentes e imagens de alto impacto.
O estudo revelou que essas produções são a principal fonte de informação sobre o tema para 39% do público entrevistado, percentual superior ao do noticiário da grande imprensa (33%).
E embora muitas celebridades tenham abraçado a causa das mudanças climáticas, apenas 11% do público geral presta atenção ao que elas dizem sobre o clima.
Mas entre os jovens elas dominam como fonte, confirmando sua influência sobre as gerações que consomem mais notícias por redes sociais do que pela mídia tradicional.
A pesquisa constatou que de forma geral nos 46 países pesquisados, os que estão mais interessados em notícias sobre mudanças climáticas tendem a ter níveis mais altos de renda e educação. E surpreendentemente, são mais velhos.
Interesse em informações sobre mudanças climáticas varia no mundo
Os estudo do Reuters mostra que o interesse em notícias sobre mudanças climáticas é maior em alguns países da América Latina, do sul da Europa e da Ásia-Pacífico.
Pouco mais da metade dos entrevistados na Grécia (53%), Portugal (53%), Chile (52%) e Filipinas (52%) dizem estar interessados em notícias sobre mudanças climáticas e meio ambiente.
Todos têm em comum efeitos muito visíveis da crise ambiental, destaca Craig T. Robinson, autor da análise.
“Muitos países testemunharam eventos climáticos extremos ligados às mudanças climáticas.
A Grécia e Portugal, por exemplo, sofreram com incêndios florestais devastadores nos últimos anos, e o Chile continua a sofrer com a seca severa, que tornou as mudanças climáticas “fáceis de ver”.”
O interesse em se informar sobre o clima é menor em países do europeus do norte e ocidentais, como Noruega (33%) e França (36%).
A posição do Brasil no ranking surpreende, considerando a visibilidade pública de questões como o desmatamento da Amazônia, incêndios no Pantanal e eventos extremos como enchentes e deslizamentos, relacionados às mudanças climáticas.
O país ocupa o 3º lugar no continente, junto com a Colômbia, com interesse de 46% da população. E isso pode estar relacionado à polarização política, que “neutraliza” o efeito da proximidade.
Nos EUA, a população americana parece estar "anestesiada" para notícias sobre o clima. O mesmo acontece na Austrália, outra nação castigada pelas mudanças climáticas e com sérios problemas ambientais, como a dependência do carvão.
Lá, somente 36% das pessoas diz se interessar por informações sobre a crise climática. O país acaba de sair de uma eleição disputada entre dois partidos dominantes, o Conservador e o Trabalhista, com vitória para o segundo.
Segundo o estudo, as nações com os maiores níveis de interesse são as que apresentam menos polarização esquerda-direita.
"Podemos ver essa dinâmica na Grécia e em Portugal.
Na Grécia, a diferença na proporção de pessoas da esquerda política versus direita que estão interessadas em notícias sobre mudanças climáticas é de apenas 16 pontos, enquanto em Portugal é de apenas 10 pontos percentuais."
Para Robertson, o público se interessa mais por notícias sobre mudanças climáticas quando não está tão polarizado e pode ver claramente os efeitos negativos do clima extremo onde vive.
O poder dos documentários para informar sobre clima
Na abertura da conferência do clima COP26, em Glasgow, realizada em novembro de 2021, o apresentador britânico David Attenborough impressionou líderes globais com sua defesa da proteção do planeta fazendo um discurso eloquente com a voz poderosa que o tornou conhecido em todo mundo por meio dos documentários da BBC e da Netflix.
O valor dos documentários e de filmes que abordam as mudanças climáticas foi confirmado na pesquisa do Instituto Reuters.
O estudo salienta que filmes como An Inconvenient Truth , de Al Gore, de 2006 – que chamou a atenção global para as mudanças climáticas – e documentários sobre a natureza produzidos desde então por redes internacionais como BBC, Netflix e Disney dão um impacto maior e permanecem mais memoráveis para as pessoas do que as notícias mais fugazes da imprensa, que se misturam a outros fatos cotidianos.
"Embora nem sempre sejam sobre mudanças climáticas, fimes e séries de TV combinam visual impressionante com narrativas convincentes e mensagens ambientais fortes, atingindo milhões de pessoas", diz Robertson.
A Netflix informa que sua série Our Planet , narrada por David Attenborough, atingiu 100 milhões de lares desde seu lançamento em 2019.
"Embora alguns documentários tenham sido criticados por sua precisão, o poder emotivo desses filmes certamente parece ressoar com o público.
Sua popularidade aqui também é mais uma evidência da importância da TV em chamar a atenção para as informações sobre mudanças climáticas – algo que observamos em 2020", diz Robertson.
Idade faz diferença na forma de se informar sobre o clima
A pesquisa mapeou ainda as diferenças entre as fontes de informação por idade. Os entrevistados com menos de 35 anos em muitos mercados costumam ter duas ou três vezes mais chances de dizer que prestam atenção a celebridades, personalidades de mídia social ou ativistas para notícias sobre mudanças climáticas do que pessoas com mais de 35 anos.
Figuras que se destacaram na pesquisa como fontes para o público jovem são Vanessa Nakate, ativista climática de Uganda com centenas de milhares de seguidores no Twitter e Instagram; Jack Harries, um YouTuber ambientalista cujo canal tem 3,7 milhões de assinantes; e Jerome Foster, um jovem ativista climático que é conselheiro da Casa Branca com mais de 41.000 seguidores no Instagram.
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Grupos como o coletivo EcoTok no TikTok também buscam se conectar com o público mais jovem na plataforma. Os entrevistados mais jovens também são um pouco mais propensos a dizer que recebem notícias sobre mudanças climáticas de fontes de notícias menores ou alternativas, algumas criadas por jovens ativistas climáticos, sengundo a pesquisa.
Os participantes foram indagados ainda sobre suas expectativas em relação à neutralidade da imprensa ao noticiar assuntos relacionados às mudanças climáticas.
Uma parcela significativa dos entrevistados no Chile (58%), Portugal (48%) e Filipinas (42%) dizem que os jornalistas devem assumir uma posição. Por outro lado, mercados do Norte da Europa, Europa Ocidental e América do Norte preferem a imparcialidade.
Os entrevistados na Alemanha (45%), Noruega (44%) e EUA (42%) preferem que os meios de comunicação exponham uma variedade de pontos de vista, segundo o estudo.
Por idade, os jovens são os que mais concordam que a mídia deve defender um ponto de vista sobre o clima, seja contra ou a favor. Já os mais velhos são os que preferem informações mais completas, refletindo visões diversas, para que possam decidir o que pensar.
O relatório completo pode ser lido aqui.