Depois da invasão da Rússia à Ucrânia , quase todos os veículos de mídia locais críticos ao governo de Vladmir Putin ou que assumiram posição contra a guerra foram obrigados a fechar.
A boa notícia é que vários outros surgiram nesse curto período, registrando o que acontece na Rússia e sobre a Rússia de forma independente e bem distante da propaganda oficial que domina os meios estatais.
A má notícia é que diversos foram bloqueados em território russo, mas podem ser acessados de fora do país. Mesmo sem saber o idioma, é possível ler utilizando recursos de tradução automática como o Google Tradutor e ter uma visão do que o jornalismo independente relata sobre o momento histórico.
As novas mídias da Rússia
O site Meduza, um dos independentes que já funcionava fora da Rússia – foi criado em 2014 na Letônia por jornalistas que tiveram que deixar o país na primeira invasão à Ucrânia – fez uma lista das mídias emergentes mais relevantes.
Há várias opções – de canais de vídeos no YouTube a sites com notícias curtas e com reportagens longas mostrando o lado não-oficial da guerra.
Eles operam com trabalho de voluntários, recursos advindos de doações e, em alguns casos, apoio de fundações internacionais.
Alguns adotam formatos bem originais de apresentar as notícias, os comentários ou as entrevistas.
Quem quer seguir de perto o que acontece no país que entrou para o centro das atenções do mundo pode acompanhá-los também pelas redes sociais.
Verstka
Fundado e dirigido pela jornalista Lola Tagaeva, o site entrou no ar em 26 de abril e foi bloqueado na Rússia em 14 de junho.
Antes de criar o Vertska, ela era organizadora do Moscow Femfest, um festival de educação de gênero, e foi repórter da Deutsche Welle, RBC, Republic e da emissora russa Dozhd.
Logo após o lançamento, o site se concentrou principalmente na agenda feminista, mas aos poucos expandiu sua cobertura para também falar da guerra, razão pela qual acabou bloqueado.
“Vivemos em um momento terrível, mas histórico. É hora de lançar novas mídias, e isso deve ser feito por todos que podem pelo menos fazer alguma coisa”, diz a jornalista.
O Meduza recomenda a leitura da reportagem “Aceito uma refugiada da Ucrânia. Jovem, saudável, bonita, trabalhadora“, primeira de destaque do Verstka.
As jornalistas Anna Ryzhkova e Daria Kucherenko contam como os homens russos oferecem ajuda a mulheres ucranianas em troca de sexo e tarefas domésticas.
Onde seguir: Site, Telegram e Instagram.
Novaya Gazeta Europe
O site foi lançado na Europa depois que o original baseado em Moscou, o Novaya Gazeta, comandado pelo detentor do Prêmio Nobel da Paz Dmitry Muratov, foi forçado a fechar após dois avisos do órgão regulador Roskomnadzor, que representam uma ameaça de revogação da licença de mídia.
A versão europeia entrou no ar em 7 de abril com ajuda de um fundo da organização Repórteres Sem Fronteiras. E foi bloqueada na Rússia 22 dias depois.
O Novaya Gazeta pode ser visto também pelo YouTube, Twitter e Telegram, que levam às versões integrais das matérias no site.
Минобороны РФ подтвердило удары по Днепру и Николаеву.
По версии ведомства, в Днепре «были уничтожены цеха по производству комплектующих и ремонту баллистических ракет „Точка-У“».https://t.co/kgDWBByqD4
Читать без VPN:https://t.co/hlRlgwzS7V
— Новая газета Европа (@novayagazeta_eu) July 16, 2022
O projeto é liderado por Kirill Martynov, ex-editor de Política do Novaya russo. A equipe da versão europeia é quase inteiramente composta por funcionários que trabalharam anteriormente para o Novaya. Alguns deles, anônimos, ainda estão na Rússia.
Uma dica de leitura é a reportagem “Dia da vitória do Kremlin sobre a Rússia“.
No texto, o veterano do Novaya Gazeta, Leonid Nikitinsky, explora como os militares russos – “não alienígenas, não homúnculos de tubo de ensaio”, “mas ‘nossos meninos’” – acabaram sendo capazes de atrocidades na Ucrânia.
Onde seguir: Site, YouTube, Twitter e Telegram.
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Astra
Em dezembro de 2021, a jornalista Anastasia Chumakova, ex-correspondente da edição americana do canal de televisão RTVI, foi demitida por uma postagem crítica à publicação em seu canal pessoal do Telegram.
No dia 5 de março ela deu a partida no Astra, um canal de Telegram reunindo notícias, vídeos, fotos e relatos de testemunhas oculares da guerra, que já passa de 30 mil assinantes.
O canal também está trabalhando em formatos maiores, com entrevistas de ucranianos e russos afetados pelo conflito e reportagens investigativas.
“É incrível como pode ser grande a resposta à honestidade. As pessoas carecem de jornalismo independente”, aponta Chumakova.
Um dos conteúdos de destaque foi feito em conjunto com o site Meduza. “Você acha que eu quero isso? Estou doente. Eu sou anormal” relata estupros e assassinatos de civis cometidos por soldados russos na vila de Bogdanovka, perto de Kiev.
Onde seguir: Telegram.
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Kedr
Os fundadores do projeto são Ivan Zhilin, correspondente especial da Novaya Gazeta, e Yulia Schastlivtseva, que já trabalhou para a Glasnaya, publicação sobre combate a estereótipos de gênero.
O Kedr seria lançado antes da guerra. Mas depois dos acontecimento de 24 de fevereiro, a equipe desistiu de abordar temas corriqueiros para investigar como a guerra afeta o meio ambiente na Rússia, na Ucrânia e no mundo. O site começou a operar no dia 24 de maio.
“Não somos eco-extremistas, não nos opomos à extração de recursos ou a qualquer projeto de construção”, diz Ivan Zhilin. “O Kedr está focado principalmente em verdades próximas a todos, lembrado que é necessário cuidar do planeta, o que no final nos salvará.”
O Meduza recomenda a matéria “Sociedade de Extermínio em Massa. Consequências ambientais da ‘operação especial“, que inaugurou o Kedr.
É um amplo estudo sobre as consequências ambientais da guerra para a Ucrânia e a Rússia, mostrando a destruição de sistemas montanhosos, queima de terrenos férteis, envenenamento de rios e a poluição do ar após ataques aéreos a minas e indústrias.
Onde seguir: Site, Telegrame Instagram.
Ochevidcy
Com canais no Telegram e no YouTube, o projeto começou a funcionar no dia 1º de junho. É feito por uma equipe oriunda do canal Tomsk TV2 , liderado por seu ex-editor-chefe Viktor Muchnik.
Fazem parte da redação jornalistas de diferentes países e regiões da Rússia.
A equipe está coletando relatos de testemunhas oculares (em russo, Ochevidcy) de pessoas comuns e celebridades russas e ucranianas sobre como suas vidas mudaram desde 24 de fevereiro.
“Há um evento histórico de grande escala que mudará a vida de muitas pessoas para sempre”, diz Muchnik. “E tenho testemunhas do que está acontecendo – pessoas comuns com quem posso conversar diante da câmera. Acho que algum historiador do futuro me agradecerá por isso.”
Um dos vídeos recomendados é “Party of the Dead: ‘Eles não têm cadáveres suficientes’“, uma entrevista com o fundador do projeto de arte de mesmo nome, Maxim Evstropov, que agora vive na Geórgia.
Helpdesk
Lançado em 11 de maio, o site é feito por Ilya Krasilshchik, ex-chefe do Yandex (um buscador e portal de notícias russo) e ex-editora do Meduza, e por Alexander Polivanov, ex-editor-chefe adjunto da Meduza e ex-diretor de mídia da Sports.ru.
Além de reportagens sobre a guerra, o Helpdesk tem como objetivo ajudar as vítimas com informações úteis, tais como a forma de preparar o celular para inspeção na fronteira da Rússia. O projeto também lançou um bot para usuários solicitarem ajuda.
O Meduza recomenda a leitura da reportagem “Perguntaram se havia uma criança. Eu não disse mais nada.” É a história de Yulia, cujo pai e filho de cinco anos foram mortos na saída da cidade de Kherson, na Ucrânia.
Onde seguir: Site, Telegram e Instagram.
Repost
Criado por Philip Bakhtin, ex-editor-chefe da revista Esquire, em 21 de junho, o Repost é um site ideal para quem quer acompanhar tudo o que acontece na Rússia diariamente, em um formato de agregador de notícias.
A equipe publica manchetes com links para as fontes, adicionando seus comentários que ironizam o uso dos termos “operação especial” e “desacreditar o exército russo” propagados pelo Kremlin.
O projeto tem apoio financeiro da Fundação Sueca News Media Insamlingsstiftelse.
Uma leitura recomendada é “O dia em que a traição na terra natal se tornou disponível para todos“, narrando as novas proibições aprovadas pela câmara legislativa russa e as penas para cada uma.
No final, há um comentário irônico: “Quanto mais assustadora a pátria, mais medo ela tem de traição”.
Onde seguir: Site e Instagram.
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New Tab
O jornalista Mikhail Danilovich, que escreveu para Such Deliverables, Novaya Gazeta e Meduza, lançou o projeto no dia 24 de maio, com uma proposta inversa à do Repost. A plataforma publica reportagens longas sobre como as regiões da Rússia estão mudando após a invasão à Ucrânia.
O nome ‘New Tab’ refere-se ao modelo minimalista e simples da operação. “Nós escrevemos e publicamos”, disse Danilovich.
A primeira reportagem foi um longo ensaio sobre a vida em Rubtsovsk, uma cidade no território de Altai que ficou famosa por causa das notícias sobre os saques dos militares russos na Ucrânia.
Beda Media
Uma equipe de jornalistas, tradutores, antropólogos e pesquisadores anônimos criou o site no dia 30 de junho. O Beda tem como tema o “projeto imperial russo” e a “política colonial do país”, falando sobre “aqueles que enfrentaram o autoritarismo, a violência militar e policial, a exploração e a opressão”.
Os autores querem que o tema colonialismo russo fique acessível a todos, e não apenas a um círculo restrito dos que têm a sorte de obter uma boa educação.
Um exemplo é a reportagem “Nós entendemos que seríamos os rostos desta guerra”, uma entrevista com Victoria Maladayeva, ativista do povo Buryat e cofundadora da Free Buryatia International Anti-War Foundation.
Onde seguir. Site, Telegram e Instagram.
Roar
Roar significa Russian Opposition Arts Review – ou “Revista de arte de oposição russa“, em tradução livre.
Criada no dia 22 de abril pela jornalista e escritora Linor Goralik, é uma revista online que reúne depoimentos literários e artísticos sobre a guerra na Ucrânia, como ensaios, poemas, obras sonoras e artísticas.
Uma leitura recomendada é uma seleção de desenhos do ilustrador e cartunista Viktor Melamed.
Desde o início da guerra, todos os dias ele desenha retratos em preto e branco de pessoas que morreram nas ações do exército russo na Ucrânia.
O artista procura as vítimas nas redes sociais usando as palavras “zagyanuv” e “gone”.
Onde seguir: Site.
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